quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Déficit previdenciário do Rio Grande do Sul é o pior entre os Estados

Gasto de R$ 7,5 bilhões em 2015 pelo governo gaúcho para cobrir pagamento de aposentadorias representou a maior fatia em relação ao que foi arrecadado em cada unidade da federação

Rio Grande do Sul apresenta o maior déficit previdenciário do país em termos proporcionais. Boletim publicado pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) faz análise das finanças de todos os Estados e demonstra que os gaúchos somam o pior saldo no pagamento de aposentadorias em comparação com a receita ou o tamanho da população. Esse desequilíbrio, que deve se agravar durante os próximos sete anos, é uma das razões para problemas como a queda da capacidade de investimento do Estado — que despencou 54% no ano passado agravada pela crise econômica.
O relatório é a versão definitiva de um estudo preliminar divulgado em maio. O Boletim das Finanças Públicas dos Entes Subnacionais deverá ser publicado anualmente com o objetivo de compor diagnóstico do caixa de todos os Estados e das maiores cidades brasileiras. O primeiro levantamento da STN aponta o Rio Grande do Sul entre as piores regiões examinadas em diferentes quesitos.
Para cobrir rombo, cada gaúcho teria de dar R$ 675
Um dos indicadores mais preocupantes envolve o déficit da previdência pública estadual. O Tesouro Nacional apurou, com base no Relatório Resumido de Execução Orçamentária, que o gasto superou a arrecadação do sistema em R$ 7,5 bilhões em 2015, o equivalente a 24,6% da receita líquida do Estado. É o maior desequilíbrio registrado no ano passado, seguido por Minas Gerais (20,5%) e Santa Catarina (16,8%). A média nacional ficou em 11%. Fazendo-se a conta per capita, é como se cada cidadão gaúcho tivesse de arcar com R$ 675 para fechar o rombo — novamente o pior resultado no país, à frente do Distrito Federal, com média de R$ 631 per capita.
Como o Piratini precisa transferir dinheiro do caixa para a Previdência, diminui a verba disponível para outras áreas. Uma das consequências disso é a dificuldade para investir.
No ano passado, conforme o relatório da STN, a verba aplicada em melhorias encolheu 54% no Estado. Afetado ainda pela queda de arrecadação decorrente da crise brasileira, o recurso caiu de R$ 1,4 bilhão em 2014 para R$ 648 milhões em 2015.

Medidas de ajuste só devem reduzir rombo após 2023
As razões para esse cenário são antigas e estruturais. Uma é a crescente diferença entre o número de servidores na ativa, que financiam o sistema previdenciário, e o de inativos, que dependem dele. No ano passado, havia 203 mil matrículas de aposentados contra 165 mil de ativos. O perfil dos servidores também influencia na conta, segundo o especialista em finanças públicas Darcy Carvalho dos Santos:
— Temos longevidade maior do que em outros Estados. Além disso, há um número elevado de professores que se aposentam mais cedo, principalmente as mulheres, com 25 anos de contribuição. A média de mulheres no magistério no Brasil é de 83%, mas aqui chega perto de 90%.
Outro fator de pressão sobre a Previdência é o fato de o Rio Grande do Sul ter privilegiado a oferta abrangente de serviço público há mais tempo do que outras regiões do país, o que aumentou o número de servidores e de aposentadorias. Faltou, nas últimas décadas, ajustar o sistema para torná-lo sustentável. O ex-governador Tarso Genro (PT) criou fundo de capitalização com esse objetivo em 2011, e o atual governador, José Ivo Sartori (PMDB), lançou mecanismo de aposentadoria complementar para quem deseja receber acima do teto do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), hoje definido em R$ 5.189,82.
O problema, segundo o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, é que essas regras valem apenas para os novos servidores e levarão décadas até surtirem o efeito desejado. A expectativa do governo é de que o déficit da Previdência siga aumentando no Estado até 2023, quando somará R$ 9,3 bilhões, para então começar uma suave descida.
— Esse é um problema que nunca se consegue resolver no curto prazo. Teremos um longo caminho pela frente — sustenta Busatto.
Governadores apostam em reforma nacional
Chefes de Executivos estaduais com déficits crescentes no sistema previdenciário, como o Rio Grande do Sul, apostam em mudanças aprovadas pelo Congresso para apressar a recuperação das contas. Mas as possíveis medidas em estudo pela União, como o aumento da idade mínima para aposentadoria, são criticadas por representantes de classe dos servidores públicos.
Nas últimas semanas, governadores e representantes de Estados como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais vêm tratando com o Planalto sobre propostas de alteração que valham também para os sistemas estaduais. Amanhã, os secretários da Fazenda vão se reunir no Rio de Janeiro para discutir especificamente os déficits previdenciários. O titular da pasta no Estado, Giovani Feltes, estará presente. Uma das ideias que deverá ser debatida é a criação de um fundo nacional capaz de abater os déficits, composto por ativos das unidades federativas.
O funcionalismo estadual pretende combater possíveis itens da reforma em estudo pelo governo federal como a imposição de idade mínima para aposentadoria de policiais militares, que hoje precisam apenas cumprir 30 anos de serviço, para os homens, e 25 anos, para as mulheres. Presidente da Abamf, entidade que reúne servidores de nível médio da Brigada Militar, Leonel Lucas diz que a corporação vem acompanhando o debate nacional sobre o tema e não concorda com quaisquer perdas de direitos.
– Já nos reunimos com o Conselho Nacional de Previdência Social para mostrar que devemos continuar com regime especial porque temos carga horária mais elevada do que outras categorias e enfrentamos mais riscos – observa Lucas.
A União aguarda as definições dos governos estaduais para finalizar proposta de reforma da Previdência e encaminhá-la ao Congresso.
Rombo total do Estado deve ficar em R$ 1,5 bi
As estimativas mais recentes da Secretaria Estadual da Fazenda apontam que o Rio Grande do Sul deverá terminar este ano com déficit total de cerca de R$ 1,5 bilhão. É um valor menor do que chegou a ser anunciado em outras oportunidades, já que fatores como a renegociação da dívida com a União e a venda da folha do funcionalismo ao Banrisul ajudaram a aliviar um pouco as finanças. Segundo o subsecretário do Tesouro do Estado, Leonardo Busatto, a renegociação deu fôlego de R$ 2 bilhões às contas, e a venda da folha acrescentou R$ 1,2 bilhão à receita. O valor do Banrisul foi utilizado para quitar o 13º salário dos servidores referente a 2015.
– O recurso da venda da folha caiu na conta em um dia e saiu no outro. Não é algo com que possamos contar de novo – observa Busatto.
Além da pressão exercida pelo déficit da Previdência, no ano passado o Estado também viu aumentarem significativamente as despesas com sentenças judiciais – de R$ 700 milhões em 2014 para R$ 1,29 bilhão em 2015, crescimento de 85%. Esse salto se deve a um maior grau de condenações, mas também se explica, em parte, por uma decisão do Piratini de contabilizar essas decisões judiciais como despesas nas contas públicas.
– A atual gestão fez questão de contabilizar todas as sentenças por uma questão de transparência. Isso nem sempre era feito anteriormente – argumenta o subsecretário.








Para 57% dos brasileiros, bandido bom é bandido morto

Pesquisa feita pelo Datafolha revelou também que 64% dos brasileiros acreditam que os policiais são vítimas de criminosos

Por: Agência Brasil e Zero Hora

 

Uma pesquisa nacional divulgada nesta quarta-feira aponta que 57% dos brasileiros concordam com a afirmação "bandido bom é bandido morto". Os números aparecem em levantamento do Datafolha a pedido do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Um conjunto de 34% dos entrevistados discorda da frase. De acordo com a publicação, 6% não concordam e não discordam e outros 3% não sabem. 

Conforme o estudo, que ouviu 3.625 brasileiros com mais de 16 anos em 217 municípios de todo o país, a concordância com a frase predomina entre homens, com mais de 45 anos, com até Ensino Fundamental completo e com renda superior a 10 salários mínimos. A margem de erro da pesquisa é de dois pontos percentuais para mais ou para menos. 

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O estudo ainda constatou que 70% da população sente que as polícias cometem excessos de violência no exercício da função. O percentual sobe entre jovens com idade entre 16 e 24 anos, chegando a 75%. Mais da metade da população (53%) tem medo de ser vítima de violência por policiais civis e 59% temem ser agredidos por policiais militares. O índice também sobe entre os jovens – 60% têm medo da Polícia Civil e 67%, da Polícia Militar. 

Policial vítima

A pesquisa revelou também que 64% dos brasileiros acreditam que os policiais são vítimas de criminosos. O anuário do FBSP aponta que, em 2015, 393 policiais foram assassinados 16 a menos do que no ano anterior.

Segundo o anuário, os policiais brasileiros morrem mais fora do horário de trabalho do que a serviço da corporação: foram 103 mortos durante o expediente (alta de 30,4% em relação a 2014) e 290 fora do serviço (queda de 12,1% em relação a 2014), geralmente em situações de reação a roubo. 

– O policial, muitas vezes, reage a um roubo sem estar protegido, não têm um colega do lado, ou está trabalhando em "bicos" – diz ele. 

Estrutura policial

A pesquisa mostra ainda que 63% dos brasileiros acreditam que os policiais não têm boas condições de trabalho. Para pouco mais da metade (52%), a Polícia Civil faz um bom trabalho esclarecendo crimes e 50% crê que a Polícia Militar garante a segurança da população.

– A sociedade brasileira reconhece a importância das policias, reconhece que elas são fundamentais para a manutenção da nossa democracia, mas os policias não estão tendo boas condições de trabalho, são caçados pelo crime. Mas também, a forma como eles atuam não satisfaz a população – avalia Renato. 

Plano nacional

Em nota, o Ministério da Justiça e Cidadania comentou o levantamento do FBSP. A assessoria de comunicação social do ministério esclareceu que a proposta do futuro Plano Nacional de Segurança Pública define um "protocolo unificado de atuação e investigação nas hipóteses de mortes de policiais e mortes decorrentes de intervenção policial".

 

Zero Hora

O OUTRO LADO: ALUNO DISCURSA NO PARANÁ CONTRA OCUPAÇÕES, QUE CHAMA DE “RIDÍCULAS” E ACUSA PELA MORTE DO COLEGA

Fonte: Gazeta do Povo

Fonte: Gazeta do Povo

O discurso repleto de slogans e chavões da menina Ana Júlia Ribeiro, filha de militante petista, viralizou pelas redes sociais e encantou os idiotas úteis de sempre, inclusive na imprensa de “direita”. Mas um dia antes houve outro discurso, bem diferente, de um aluno que participa do movimento Desocupa Paraná. Patrick Ignaszevski definiu as ocupações realizadas pelos estudantes como “ridículas” no discurso que proferiu na Assembleia.

“Não somos contra o direito [de os estudantes] se manifestarem, mas a rua está aí para isso. O movimento não é a favor nem contra a PEC [241] e da MP do ensino médio. Acreditamos que deve haver um debate para se construir uma reforma de qualidade, que possa abranger todos os estudantes e não prejudique ninguém. Mas esse debate não [deve ser realizado] com as escolas fechadas, pois já vimos que isso não trouxe resultado”, avalia.

A sugestão do jovem, que foi filiado ao PMDB por cerca de seis meses, em 2014, é a de que essas manifestações ocorressem fora da escola, sem tirar dos estudantes (dos colégios e das universidades) o direito de ir e vir e de frequentar as aulas. Ou seja, um jovem preocupado com a garantia do direito constitucional dos alunos, mas isso sem dúvida não soa tão rebelde e revolucionário como a mensagem autoritária de Ana Júlia.

Ao contrário do vitimismo da moça de esquerda, que se eximiu de qualquer responsabilidade pela morte do colega, Patrick responsabilizou os organizadores do movimento de ocupação, os integrantes da APP-Sindicato e das entidades estudantis pelo crime, que ocorreu dentro de uma escola ocupada.

“Um estudante morreu por causa das invasões. Quando ela [Ana Júlia] fala que ‘as mãos dos deputados estão cheias de sangue’ está mentindo, pois quem está com sangue nas mãos são os líderes dos movimentos que promoveram as ocupações das escolas. Ao invés de ocupar, nós fomos conversar com a Secretaria de Educação, com o [deputado] Ademar Traiano, fomos buscar soluções”, aponta.

Elitista? Golpista?

Filho de uma professora da rede municipal e de um auxiliar de serviços gerais, o jovem também não acredita na versão dos estudantes que definem como apartidário o movimento de ocupação das escolas. Para ele, muitos dos alunos que estão dentro dos colégios lutam pela educação e não percebem que, muitas vezes, estão sendo “doutrinados” pelo sindicato dos professores e por pessoas ligadas a partidos políticos que tiram proveito da causa.

Em seu discurso, inclusive, Patrick lançou uma provocação à APP-Sindicato pedindo a instauração de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) na instituição. A justificativa, segundo ele, seria o fato de a entidade tornar transparente o destino dos recursos que recebe dos contribuintes. “Será que este dinheiro está sendo usado para financiar as ocupações nas escolas?”, questiona. Veja o discurso na íntegra:

 

Há vida inteligente na juventude. Há alunos que querem efetivamente estudar. Há jovens que percebem toda a manipulação partidária que esses líderes “estudantis” fazem. Há, portanto, esperança.

Rodrigo Constantino

“UMA BREVE TEORIA DO PODER”: O CETICISMO POLÍTICO DE IVES GANDRA MARTINS


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Por Lucas Berlanza, em Sentinela Lacerdista
Ives Gandra Martins, jurista, advogado, professor e escritor brasileiro, é uma figura que dispensa maiores apresentações. Apenas por ser quem é, seu livro Uma breve teoria do poder, que acaba de ser relançado pela valente editora Resistência Cultural, em uma terceira edição de belíssimo acabamento, revista, ampliada e atualizada, já seria automaticamente recomendável. Constato, após a leitura, que a qualidade prometida pelo nome do autor está entregue.
Ao tecer comentários sobre a obra, jamais, em minha pequenez, eu poderia me substituir, diga-se de passagem, aos textos introdutórios, anexados ao conteúdo, redigidos por figuras do calibre de Ney Prado, Antônio Paim e Ruy Altenfelder. Ainda assim, ainda que algo acanhado pela grandeza dos nomes, permito-me a ousadia. Em contraposição a essa ousadia, o autor acredita que seu trabalho tem uma pretensão modesta. Ele já o principia afastando de sua “breve teoria”, tal como ela já é apresentada no título, qualquer adjetivação convencional – seja política, econômica, histórica ou jurídica. “É apenas uma teoria sobre a natureza do homem, no exercício do poder sobre os outros, quando assume governos”, o que seria, a seu ver, a restrição fundamental de seu escopo temático, estando ele inclusive não muito à vontade com a suposta abrangência da própria palavra “teoria” que selecionou, na ausência de outra melhor.
Minha dificuldade é em compreender sob que ponto de vista isso pareceria pouca coisa. O professor Ives Gandra está atacando o ponto fulcral: a real dimensão do humano, sem conferir credibilidade a abstrações por definição intangíveis, no trato com a questão do poder. O livro tem uma pretensão analítica, desde já digo que muito bem realizada, maior do que a que confessa, e das observações que destrincha podemos deduzir consequências práticas, úteis às nossas presentes reflexões sociais e políticas.
Essencialmente, Ives Gandra é cético em relação às grandezas morais do homem e do poder. A busca pela sua posse e exercício não seria, em caráter geral, consequência de anseios transformadores motivados por nobres virtudes, ou disposições naturais para servir; conquanto consinta em que existem, como exceções, os nobres estadistas (entre os quais ele pontua Churchill e o presidente brasileiro Campos Salles), em geral os homens querem o poder em uma sanha de ambição pessoal originária “do instinto de sobrevivência”. O autor compara o homem primitivo aos animais, que disputam a liderança para se manterem vivos. Entre as primeiras tribos, o objetivo seria o mesmo: buscar o comando para ter maiores chances pessoais de sobrevivência, muito embora, justamente por isso, ainda que totalmente em segundo plano, esse anseio “egoísta” o levasse a aumentar, pelo próprio talento, as chances de sobrevivência da coletividade.
“Desde os tempos primitivos, o homem deseja o poder por um instinto de sobrevivência e de comando, em que o servir é apenas um efeito colateral – mas não necessário – e que o próprio exercício do poder esconde uma luta pela sobrevivência, a qualquer custo, em patamares inimagináveis, em face das ambições dos que o procuram”. A partir dessa premissa, Ives Gandra faz uma viagem, ancorada em extensa e apurada bibliografia e reveladora de um vastíssimo conhecimento em História, por diferentes épocas da humanidade – com direito a uma reconstrução curiosíssima das principais guerras e conflitos em geral da Antiguidade -, pelo desenvolvimento da questão do poder ao longo de todos os tempos do Homo sapiens sapiens. Sua conclusão é que esse princípio não se modificou de maneira substancial, e que variantes dos mesmos anseios e dos mesmos erros ainda grassam nas diversas sociedades, quer na Babilônia Antiga, quer na Roma dos césares, quer na era de Napoleão, quer no mundo dos bolivarianos, dos populistas latino-americanos e dos extremistas islâmicos de hoje em dia.
Essa visão que pode soar pessimista e demasiado “pé no chão” não exclui a convicção, a nosso ver profundamente meritória e necessária, na existência de um Direito Natural. Gandra acredita, como eu mesmo, que existem direitos que“a convivência humana pode criar e adequar, de acordo com seus interesses, desejos e ideais, conformando a ordem jurídica de seu povo e de sua comunidade”, mas que há, ao mesmo tempo, aqueles outros que o direito positivo “apenas reconhece”, tais como “o direito à vida, à dignidade, à privacidade, à não tortura”. A partir do próprio famigerado e antiquíssimo Código de Hamurabi, Ives Gandra enxerga que os códigos legais, em todos os tempos, reconheceram, a despeito de seus desvios e defeitos, a existência de direitos naturais dos seres humanos. Apenas reconhecer essa prerrogativa moral não o torna cego ao fato de que existe uma “indesejável tendência humana de o mais forte terminar por conquistar o poder, dentro das leis da sociedade em que vive, principalmente nos regimes democráticos, ou fora delas, desde que tenha força para rompê-las, criando seu próprio espaço jurídico para justificar o poder”.
Entre ditaduras, democracias e semidemocracias, algumas das quais pormenorizadas em suas características com brilhantismo na obra, Ives Gandra enxerga e diagnostica sempre o uso de diferentes armas – o dinheiro, a demagogia, o que seja – para que os que buscam e atingem o poder possam mantê-lo e ampliá-lo, tal como o líder fazia nas tribos primitivas. Destacando, por exemplo, o grave problema da destinação dos recursos do orçamento para sustentar burocratas confortavelmente instalados na máquina pública e municiar “amigos do rei” – num raciocínio que grita muito aos dilemas do Brasil de hoje -, Ives Gandra mostra que o corpo do poder, mesmo com a presença de códices legais, é constantemente manipulado para sustentar os privilégios do grupo que trabalha por instalar-se nele.
ives-gandraAdmitindo, a partir do estudo do poder e de suas ferramentas, o quão pequenos nós somos, Ives Gandra não avança em dizer que o poder deve ser abolido, que deve ser eliminado. É aqui que ele recorre a uma referência primordial em sua obra, Montesquieu (além de Confúcio, o sábio chinês, também fartamente mencionado), que julgava, como ele, que o homem não é confiável no exercício do poder, e que as leis não são garantias absolutas contra isso, ainda mais porque o poder pode ser capaz de modificá-las ou desprezá-las; mas lutar pela solidez de uma lei que reparta as atribuições dos poderes e os coloque em harmonia tem sido uma importante conquista da humanidade, ao delegar obrigações aos governantes e não apenas aos governados; ao sujeitar todos a controles, direitos e deveres, em vez de apenas prescrever normas para “súditos” de uma autoridade absoluta. A lei regula o direito positivo e reconhece o direito natural, e ela só se faz implementar a partir da organização social possibilitada pelo mesmo poder que, entregando-se aos excessos de si mesmo, pode subvertê-la e agredi-la; é constante o desafio por manter o equilíbrio possível, diante das imperfeições dessa realidade.
O que Ives Gandra está dizendo com maestria é que a constatação principal de seu livro não é fácil, não é otimista, não é agradável, mas importa assumi-la, por responsável e realista. A despeito de reconhecer a realidade do poder, a sua inevitabilidade, mas ao mesmo tempo expor esse retrato pouco enobrecedor de sua práxis, Ives Gandra declara em alto e bom som sua crença muito maior na sociedade do que no poder. A sociedade, exercendo o poder – também ele – de contestação, introduzindo o diferente. A sociedade produzindo, desenvolvendo; não, é muito válido destacar, a sociedade caindo no engodo dos ideólogos e dos revolucionários, os imperadores da demagogia, que, julgando-se acima desses estreitos limites da natureza humana, em verdade, ao fim das contas, sofisticam a argumentação abstrata para um mesmo desejo que anima o homem desde as mais priscas eras. Promovem, como eu mesmo disse há poucos dias, a “corrupção da realidade”, a pior de todas as corrupções.
As apreciações sobre as características específicas da Constituição brasileira e as citações a Gene Rodenberry e à série de ficção científica Star Trek – pela qual, pelo visto, eu e o grande Ives Gandra parecemos compartilhar admiração -, agregam ao charme e à consistência da obra. Próximo à conclusão do livro, porém, certa hesitação me afasta do pensamento do professor; ao passo que critica a ingenuidade de Immanuel Kant ao supor que a disseminação de regimes republicanos pelo mundo seria capaz, em breve, de anular a guerra, Ives Gandra postula que, até o final do século XXI, deve surgir um Estado Universal, com uma característica jurídica a ser acatada por toda uma comunidade internacional.“As relações entre as sociedades tendem a se globalizar, razão pela qual a volta da discussão sobre um Estado Universal não é de todo afastada, principalmente após a experiência da União Europeia, que se transformou num ‘Mini-Estado Universal’”.  Vejo a proposta com preocupação e acho muito difícil garantir que tamanho complexo respeitaria a diversidade de culturas e a soberania das nações; o exemplo comparativo também me parece infeliz, defrontando-nos hoje com a crise do multiculturalismo e do intervencionismo daquele bloco europeu, em tempos de Brexit. Antes ele parece evidenciar os problemas da teoria que as suas virtudes. A História deverá dizer de que lado estará a razão a esse respeito.
Finalmente, a pretexto de discordar do mote, que seria especular sobre essa estranha comunidade internacional imaginária que ainda me parece muito distante da realidade, enterneceu-me o coração o pensamento do autor em reconhecimento das virtudes nacionais, quando ele diz que “neste particular, a maneira de ser da civilização lusíada, em que a integração foi sempre o elemento de maior presença, poderá servir de exemplo. Haja vista que, em idêntico espaço americano, conseguiu manter um país único, com variadas formas de cultura, ao contrário da América Espanhola, que se pulverizou em um número enorme de nações. E a prova maior reside numa integração consideravelmente mais relevante entre as diversas raças no Brasil do que em outras nações, ao ponto de todas as culturas que se somaram posteriormente à portuguesa lá conviverem em perfeita harmonia”.
Gosto do reconhecimento da virtude simbólica da pluralidade mais harmoniosa – não sem imperfeições, mas mais harmoniosa – do nosso povo e da nossa cultura, e me sinto em excepcional companhia ao reconhecer em Ives Gandra alguém que, como eu, mesmo com as críticas, sobretudo em uma obra que se destina a colocar nossos pés no chão, não se priva de expressar sua sensibilidade patriótica.

TV RECORD ATACA GLOBO E VEJA EM MANIPULAÇÃO CONTRA CRIVELLA


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A disputa política transborda para a imprensa, demonstrando que há mais entre a eleição e a mídia do que vossa vã filosofia sabe. E eu fui parar lá, bem no meio da confusão! No programa “Fala Que Eu Te Escuto”, da TV Record, fui citado como munição contra o viés da TV Globo e da revista VEJA na cobertura da eleição carioca, que foi escancarado mesmo. Vejam:
Não me importo de ser usado por um dos lados desse cabo de guerra contra aquilo que realmente condeno. Claro, não sou da IURD, tampouco fã de carteirinha da TV Record. Em nome de Jesus! Nessa briga entre o canal evangélico e o canal “progressista”, eu fico do lado de fora, assistindo de camarote, e torcendo pela chegada da Fox News Brasil, que tanta falta nos faz.
Até lá, continuarei criticando o viés de uma, o viés da outra. Se a TV Globo quiser se vingar, basta me citar no JN que está tudo bem. Posso até ver William Bonner, logo depois de descer o sarrafo no Trump de forma manipulada e editada, mencionando meu nome para mostrar como Crivella é ruim e foi escolhido não por seus méritos, mas pelos defeitos do adversário, um socialista defensor dos black blocs e da Venezuela. Manda ver, Bonner!