quarta-feira, 6 de abril de 2005

Um bispo que fabricou o futuro

Aquele bispo de Santo André que em abril de 1980 carregava pelas ruas a cruz de uma greve perdida poderá ser eleito papa. Pelo que se entende, o franciscano Cláudio, cardeal Hummes, está na lista dos prováveis sucessores de João Paulo II, caso o novo Pontífice não seja italiano.

Já que não se pode saber o que sucederá em Roma no futuro, vale revisitar o que se sucedeu em Santo André no ano passado. Dom Cláudio substituiu naquela diocese a uma das grandes figuras do clero brasileiro do século XX. Chamava-se Jorge Marcos Oliveira. Foi o primeiro bispo da cidade e morreu em 1989, aos 73. Hoje na lembrança está embacada, nasce o ABC paulita e produziu bispos como Hummes e políticos como Lula, isso se deveu em boa parte ao descortínio, iniciativa e coragem de dom Jorge Marcos.

O “Bispo dos operários”, como viria a ser chamado, chegou a Santo André em 1954, antes da indústria automobilística. Foi ele quem abençoou a primeira fábrica de motores à gasolina do Brasil, a da Willys, diante de JK. Tinha 38 anos e vinha da incubadora de lideranças da arquidiocese do Rio, comandada pelo regalista Jaime Câmara.

Dom Jorge Marcos foi um estimulador da Juventude Operária Católica, a JOC. Seu objetivo era criar uma liderança cristã no chão das fábricas. Nessa época, Lula, com 9 anos, ainda morava em Santos. Cláudio Hummes, com 20, estava no seminário.

Como ensinou o professor José de Souza Martins: “Lula não sabia, porque ainda não era senão o anônimo, mas essa opção da Igreja começava o movimento de constituição de uma força partidária católica de esquerda, anticomunista.”

O bispo de Santo André ia conseguindo criar essa nova militância, até que em 1964 veio a ditadura. Dom Jorge Marcos desentendeu-se com o cardeal de São Paulo Agnello Rossi (que se estendia bem mais com os generais). Em 1966 foi proibido de falar na PUC e acabou abrigado pelos dominicanos. A Central Intelligence Agency americana descreveu-se o dizendo que “até os comunistas o olham como um fanático”.

Ele não era um fanático. Batalha nos anos 60 por coisas que pareceriam maluquice nos anos 70 para tornarem-se audaciosas nos anos 80 e banais nos 90. O desgosto com a política levou-o à bebida e à debilidade física. Renunciou à diocese em dezembro de 1975, aos 60 anos. Desde abril daquele ano, o sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo era presidido por Luiz Inácio Lula da silva. Em dezembro, dom Cláudio Hummes tornou-se bispo de Santo André.

Dom Jorge Marcos está sepultado na igreja em cuja nave se realizaram algumas delas reuniões de trabalhadores. Na hora em que o cardeal Hummes e Lula voam para Roma levando esperanças, algumas palavras de dom Jorge Marcos merecem eco.

Em abril de 1980, durante a greve dos metalúrgicos, dois dias depois da prisão de Lula, e da mobilização de centenas de PMs, dom Jorge Marcos mandou uma corta manuscrita ao presidente João Figueiredo. Ele perguntava:

“Por que, Exmo. Sr., os milhões gastos no aparato de guerra se viu no ABC, não foram usados contra os corruptos, contra a violência que graça no Brasil, ou pela salvação dos menores carenciados e dos favelados do próprio ABC?

Passou o tempo e mudaram os aparatos onde se queima o dinheiro da viúva. Lula, por exemplo, comprou um avião. A agenda de dom Jorge Marcos está intacta.

Fonte: Correio do Povo, coluna de Elio Gaspari, página 2 de 6 de abril de 2005.

sexta-feira, 1 de abril de 2005

Por que azul para menino e rosa para meninas?

A associação é tão comum que nem parece precisar de explicação, mas nem meninos vestiram azul e meninas vestiram rosa. Segundo o livro Dictionary of Omens and Supersticions (“Dicionário de Agouros e superstições”, sem tradução em português), o costume já existia na era pré-cristã, quando se acreditava que algumas cores podiam expulsar os espíritos que rondavam os recém-nascidos. Como bebês do sexo masculino eram mais valiosos, passaram a ser vestidos com roupas azuis, com associada aos espíritos do bem (por ser a mesma do céu). As meninas, quando recebiam alguma atenção, ganhavam roupas pretas, cor símbolo da fertilidade na cultura oriental, de onde possivelmente veio a crença nos espíritos.

Foi no século 19 que o rosa ganhou alguma ligação com a feminilidade, influenciado por uma lenda europeia que diz que as meninas nascem de rosas e os meninos de repolhos azuis. Esse padrão, no entanto, não se disseminou por todo o mundo. Por um bom tempo, na França, as meninas se vestiam de azul, por causa da tradição católica, que associa a cor à pureza da Virgem Maria.

Fonte: Revista Super Interessante, abril de 2005, página 37.

Síndrome de Down

Nosso material genético, os cromossomos andam aos pares. Em que tem Down há um único cromossomo a mais, o 21, formando um trio que provoca alterações por todo o organismo. Algumas estão na cara, com maior ou menor sutileza: os olhos amendoados, o nariz ligeiramente mais achatado. Os portadores em geral têm dificuldade para falar. Sua língua tende a ficar para fora e a boca costuma viver aberta. Isso é minimizado quando a criança com Down faz exercícios específicos, orientados por um fonoaudiólogo.

Outro fator associado é o fraco tônus muscular. “Portadores da síndrome devem fazer mais esforço físico para atingir os mesmos resultados de uma outra pessoa”, compara o médico Zan Mustacchi, do Centro de Estudos e Pesquisas Clínicas de São Paulo. Desse modo, com os movimentos são mais cansativos, a obesidade é uma ameaça constante. Mas ela pode ser controlada com uma dieta equilibrada e, espantando a preguiça justificável no caso, ginástica.

Fonte: Revista Saúde! É Vital, abril de 2005, página 57.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2005

O Protocolo de Kyoto

A entrada em vigor do Protocolo de Kyoto é um passo à frente para a conscientização internacional sobre a importância da proteção ao meio ambiente. O objetivo do protocolo, ratificando por 141 países, é controlar os efeitos de gases que, ao aprisionarem calor na atmosfera, aquecem o planeta. Estudos científicos estimam que o chamado efeito estufa, num processo gradativo, poderá provocar alterações do clima, cujo degelo das calotas polares seria o resultado catastrófico mais sério. Embora todos os cálculos quanto ao aquecimento do planeta assegurarem que tal hipótese é remota, a redução gradativa da emissão dos gases produzidos pela queima de fósseis é medida de segurança recomendada pela ciência.
O lamentável é que os Estados Unidos, responsáveis por um quarto das emissões poluentes, recusem-se a ratificar o protocolo, mantendo a posição firmada pelo presidente George W. Bush quando da investidura em seu primeiro mandato, em 2001. mesmo assim, governadores de quase a metade dos estados discordam da postura do presidente Bush e prometeram trabalhar em favor da cooperação internacional para uma melhor qualidade de vida no planeta, estimulando a adoção de políticas públicas antipoluição que não dependem, para sua implantação, da esfera federal.
Os países desenvolvidos do Primeiro Mundo, altamente industrializados, pelo Protocolo de Kyoto, comprometem-se em reduzir em determinadas porcentagens o nível de emissão de gases registrados em 1990.
Países emergentes, como Brasil e Índia, só terão metas a cumprir depois de 2012. Mesmo assim, em sua política de proteção ao meio ambiente, o Brasil, que conta em seu território com a maior floresta tropical do mundo, a Amazônia, com a implantação do Sistema de Vigilância da amazônia (Sivam), combate o desmatamento e as queimadas, fatores que concorrem para o aumento do efeito estufa. Na complicadíssima engenharia das negociações internacionais, o Protocolo de Kyoto pode não ser o suficiente, mas pode ser considerado um avanço na harmonização das preocupações ambientalistas, que ganharam corpo a partir da década de 70, com os interesses econômicos dos países.



Fonte: Editorial do Correio do Povo, página 4 de 18 de fevereiro de 2005. 

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2005

Chávez, novo Fidel?

A política, em qualquer lugar onde se exercite a mutação democrática, tende a ser ondulante: o réprobo de hoje, e a história está aí para confirmar, pode ser o herói de amanhã e vice-versa. Pois este senhor Hugo Chávez, ainda há pouco tempo quase apeado pela opinião pública do governo da Venezuela, vai tomando o papel de líder sul-americano disputado com Lula. Sem sucesso, para citar o episódio mais recente, no Fórum Social Mundial, foi estrondoso. No penúltimo dia do Fórum, sendo um dos oradores escalados, recolheu aplausos como ninguém antes recolhera. Falou coisas óbvias para o congresso, nada de novo em termos de políticas sociais e de integração, tudo dito e repetido por outros intérpretes, inclusive pelo próprio Lula, então de partida para Davos, onde falaria a outros senhores, estes representantes do capitalismo. Lula, por isso, colheu algumas vaias, de que passou recibo na base do “paz e amor”, que cultiva com maestria.
Voltando porém a Chávez: além da oratória de cunho social, foi especialmente prático ao assinar protocolos de intenções como o governo brasileiro para adoção de regras usadas em um assentamento de sem-terra nas proximidades de Porto Alegre, coisa sem grande importância por tratar apenas intenções, como o nome do protocolo indica, mas de muito efeito como marketing prático. Na sua aparatosa fala, dissertou sobre o papel da América do Sul, “que detém o futuro do Norte”, frase de interpretação cerebrina e incompreensível, mas de fato excelente para oportunidade. Terminou conquistando para seu país o galardão de ser uma das sedes prováveis do Fórum Social Mundial de 2006. Em suma, ficou sob a luz dos holofotes enquanto Lula se ofuscava no meio dos figurões de Davos...
É, tudo indica, ainda muito cedo para ser ter a certeza de que o índio venezuelano do país que já teve o tirano Gomez como líder venha a ser uma referência na história do continente meridional americano. Mas força e determinação não lhe faltam para isso. Parece questão de tempo para ser Fidel.



Fonte: Editorial do Correio do Povo, página 4 de 2 de fevereiro de 2005.