quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Presídio Central / Acredite ou não


Na bela obra “Os viajantes olham Porto Alegre”, de Sérgio da Costa Franco e Valter Antônio Noal, o alemão Victor W. Esche, que aqui esteve provavelmente em 1888, descreve nossos principais prédios e se admira, dizendo que “... o estrangeiro fica particularmente comovido pelo fato de ser o presídio a construção mais luxuosa da cidade e também a de maior bom gosto, construído em estilo de castelo, cercado externamente por altos muros.
Quanto aos presidiários, 'para um alemão acostumado à disciplina militar', é um espetáculo engraçado vê-los perambulando pelas ruas da cidade em seus trajes de presídio, com as correntes tilintando e desaparecerem dentro de um botequim, enquanto o policial que está vigiando, se não for convidado, espera pacientemente à porta, até o sr. Prisioneiro se fortaleça suficientemente”.



Fonte: Flávio Alcaraz Gomes, Correio do Povo, página 4 de 4 de novembro de 2004.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Santa Catarina desenvolve maçã resistente

Resistente ao frio no período de brotação, uma nova variedade de maçã, a castel gala, já estará no mercado em janeiro de 2006. A cultivar, lançada em junho durante o Enfrute, em Fraiburgo (SC), vem sendo desenvolvida há cinco anos pelo agrônomo Jânio Seccon, de Monte Castelo (SC). Em convênio com a Epagri, as mudas são multiplicadas para preparar a venda. “A vantagem é que a gala standart exige 700 horas de frio para brotar enquanto essa requer 400 horas, podendo ser plantada em regiões mais quentes.” Com isso, os frutos podem ser colhidos até quatro semanas antes da variedade convencional, período em que o mercado oferta somente produção do ano anterior, armazenadas em câmaras frias. “Em geral, maçãs recém-colhidas e comercializadas do Natal ao final de janeiro têm preços maiores que os obtidos a partir da colheita da gala, de fevereiro em diante”, explica o técnico agrícola da Epagri de Monte Castelo, Pedro Cardoso.

A castel gala tem origem numa mutação genética natural da planta. Seccon conta que lhe chamou à atenção a um único ramo da muda já brotado e florescido em pleno inverno. “Cortei ele e comecei a enxertar e multiplicar. Fiz 30 mudas, acompanhando a floração, produção e incidência de doenças e pragas”. Depois, firmou parceria com a Epagri para realização de novos testes. Novos enxertos foram feitos sobre Maruba / M-9 e, para confirmação, sobre a M-9. “No ciclo 2003/04, constatou-se que todas as plantas apresentavam brotação e floração uniformes, bem mais precoces que a gala, confirmando mutação homogênea e estável para essas características. “A Epagri já fez o registro e proteção da variedade junto ao Mapa. “Quando começar a produzir as mudas, repassei um percentual da venda à Epagri”, diz Secoon, detentor dos direitos comerciais para multiplicação e venda das mudas.

Fonte: Correio do Povo, página 15 de 3 de novembro de 2004.

sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Reencontrando o tempo, redescobrindo a literatura, por Moacyr Scliar

Receita para diferenciar uma pessoa comum de grande escritor: dar a ambos uma dessas pequenas tortas que os franceses conhecem como madeleines. A pessoa comum gostará ou não gostará, mas ficará nisso. O grande escritor imediatamente mergulhará em recordações do passado, que resultarão numa notável obra literária. Observação: a madeleine não precisa ser de qualidade excepcional, mas o escritor deve ser Marcel Proust.

Nascido em Auteil, perto de Paris, em 1871, Proust era filho de um casal peculiar. O pai, o médico Adrien Proust, era um homem enérgico, autoritário mesmo. A mãe, Jeanne Wiell, vinha de uma próspera família judaica da Alsácia e foi um pequeno Marcel o tipo da mãe judia superprotetora. Proteção de que ele aliás precisava: era um menino enfermiço, sujeito a crises de asma. Apesar disso, foi à escola e até fez um ano de serviço militar. Depois cursou Direito na universidade.

Ainda jovem escrevia para revistas simbolistas e frequentava salões como o de madame Arman, amiga do famoso escritor Anatole France. Graças a este conseguiu publicar (1896) seu primeiro livro, Les Plaisirs et les Jours, coletânea de contos, ensaios e poemas, que não teve maior repercussão. Tentou um romance, que ficou inacabado (mas foi publicado em 1952, com o título de Jean Santeuil). Dedicou-se então à tradução e à redação de artigos. Com a morte do pai (1903) e da mãe (1905), abandonou a alta sociedade. Financeiramente independente, refugiou-se em seu apartamento no Boulevard Haussmann e ali dedicou-se a escrever. Em 1907, publicou no Le Figaro um artigo sugestivamente intitulado Sentimentos Filiais de um Parricida, no qual analisa dois elementos que seriam fundamentais em seu trabalho: culpa e memória. Estava pronto para começar sua obra monumental Em Busca do Tempo Perdido (La Recherche du Temps Perdu), tarefa a que dedicaria boa parte de sua curta vida (faleceu de pneumonia em 1922).

São sete partes, a primeira das quais, No Caminho de Swann, financiou com seu próprio bolso em 1913, depois que André Gide aconselhou a editora Gallimard a rejeitá-la. O livro provocou estranheza (E. M. Forster considerou-o “caótico”). Mas Gide voltou atrás, apoiando a publicação dos volumes restantes, que acabaram por fazer sucesso. Um sucesso que ele não chegou a presenciar: os três últimos volumes foram publicados após a sua morte.

No Caminho de Swann está dividido em três partes. A primeira intitula-se “Combray”, nome da vila onde o narrador passou a infância. Toda a ação se desenrola em uma noite. Deitado, ele evoca sua infância e os personagens que nela foram importantes. A segunda, Um Amor de Swann, é focada neste parisiense elegante, mundano, amante da arte. Swann conhece a fútil e inconstante Odette de Crecy com quem se casa, apenas para concluir que está perdendo tempo com ela (e a questão do “tempo perdido” remete ao título geral da obra). A terceira parte conta com a adolescência do narrador em Paris e seu amor por Gilberte. Passado e presente se fundem, e as lembranças mudam de acordo com o momento em que são evocadas. Enfim, a memória, e o questionamento da memória dão o tom da novela. O estilo é peculiar: longos parágrafos que, segundo Mário Quintana, um dos tradutores de Proust no Brasil, “davam a volta ao quarteirão”. Mas foi uma literatura renovadora, que influenciou autores como Virgini Woolf e James Joyce e permanece como um monumento literário do modernidade.

Fonte: Zero Hora

quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Nós, os covardes, por Rosane de Oliveira

O tom pode ter sido de brincadeira, mas o conteúdo da declaração do presidente Lula em Santo Domingo é inequívoco: - Vocês são um bando de covardes mesmo. Não tiveram coragem de defender o conselho nacional de jornalistas.
Ou seja: o presidente da República acha que foi por falta de coragem que não defendemos o monstrengo que o Palácio do Planalto patrocinou, atendendo à reivindicação da Federação Nacional dos Jornalistas.
No Aurélio, covardia e sinônimo de falta de coragem, medo, timidez, poltronice, fraqueza de ânimo, pulsilaminidade. A frase contém uma insinuação nas entrelinhas: a de que os jornalistas adorariam defender o projeto mas não o fazem por medo.
Se lesse o que o jornalista de norte a sul do Brasil têm escrito sobre esse projeto, o presidente saberia que não se trata de falta de coragem para defender a proposta. É convicção mesmo.
Talvez Lula tenha razão em um ponto: é medo também. Não medo de desagradar aos seus empregadores, como insinua, mas de ter o registro profissional cassado por colegas investidos no papel de juiz, decidindo o que é certo e o que é errado, como se jornalismo fosse uma ciência exata.
É verdade que muitos jornalistas ainda não tinham nascido e os sindicalistas já reivindicavam a criação de um conselho ou coisa parecida. Nunca se consultou um a um para saber o que achamos. Talvez por saberem que a maioria dos jornalistas em atividade não deu procuração à Fenaj para falar em seu nome, os presidentes que antecederam Lula nunca propuseram a criação de um conselho para “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade jornalística.
Criticado pelos principais colunistas do país, o assunto começava a morrer. Até o presidente do PT, José Genoíno, tinha sugerido a retirada do projeto. O presidente boquirroto se encarregou de ressuscitá-lo.


Fonte: Coluna página 10, Zero Hora, página 8 de 18 de agosto de 2004.

Declaração de Lula é repudiada


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu unir oposição e aliados ao rotular como “covardes” os jornalistas que são contrários à criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Lula criticou um grupo de repórteres, segunda-feira, em Santo Domingo, quando foi cumprimentar o novo presidente da República Dominicana, Leonel Fernandez. No Senado, os líderes do PSDB, Arthur Virgílio, e do PFL, Agripino Maia, repudiaram o autoritarismo do presidente. Até a representante do governo, senadora Ideli Salvati, líder do PT na Casa, contestou a posição de Lula, lamentou a generalização e sugeriu que ele faça uma retificação.
Dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), responsável pelo projeto do CFJ encaminhado ao governo rechaçaram a tentativa de associar a resistência da categoria a grupos que desejam politizar o tema. Para o presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, o comentário foi inadequado. Na opinião do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, Lula “fez um desserviço à Nação e aos jornalistas”. A organização dos Repórteres Sem Fronteira divulgou comunicado em que pede a retirada do projeto no Congresso, argumentando que “não cabe ao Estado garantir o respeito à ética por parte da imprensa”.


Fonte: Correio do Povo, capa da edição de 18 de agosto de 2004.