Moeda norte-americana segue pressionando e encerrou pregão com alta de 1,16%
Dólar alcança R$ 5,65 com risco doméstico no radar e pressão internacionalApós trocas de sinal pela manhã e no início da tarde, o dólar à vista disparou nas duas últimas horas de negociação e encerrou o pregão desta segunda-feira em alta de 1,16%, cotado a R$ 5,6533 - no maior valor de fechamento desde 10 de janeiro de 2022 (R$ 5,6743). Na máxima, a divisa atingiu R$ 5,6578. Foi o quinto pregão consecutivo de valorização do dólar, que já acumula ganhos de 16,48% no ano. A nova rodada de alta da moeda americana por aqui ocorreu em ambiente desfavorável a divisas emergentes.
As taxas dos Treasuries renovaram máximas ao longo da tarde, atingindo o maior nível em um mês - movimento atribuído pelos analistas ao aumento das chances do republicano Donald Trump na corrida presidencial após o desempenho ruim do presidente Joe Biden em debate no fim da semana passada. Além disso, hoje a Suprema Corte dos EUA determinou que Trump tem direito a imunidade parcial em processos que responde na Justiça.
A moeda brasileira não apenas terminou o dia com perdas bem maiores que a de seus pares latino-americanos, como os peso chileno e mexicano, como apresentou o pior desempenho entre as principais divisa globais. Apenas o rand sul-africano e o rublo russo tiveram também queda maior que 1% em relação ao dólar. O real segue castigado pelo que os analistas já classificam como uma crise de confiança no governo Lula, associada ao ceticismo com o cumprimento do novo arcabouço fiscal e a temores de ingerência nas decisões de política monetária a partir de 2025, quando o atual presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, será substituído por nome indicado pelo presidente Lula. Operadores notaram um movimento comprador mais intenso no mercado futuro na reta final dos negócios, com possível disparada de ordens para limitação de perdas (stop loss) por investidores que ainda carregam posições vendidas em dólar (que apostam na queda da moeda americana).
Principal termômetro do apetite por negócios, o contrato de dólar futuro movimentou mais de US$ 18 bilhões, um volume bem expressivo e pouco usual para um pregão de segunda-feira - o que sugere mudança relevante no posicionamento dos agentes. Há uma busca por hedge cambial e um aparente movimento especulativo que exacerba a depreciação da moeda, talvez numa tentativa de levar o Banco Central a intervir no mercado com nova oferta de swaps cambias ou até venda no mercado spot.
Segundo dados da B3, na sexta-feira, os investidores estrangeiros ampliaram a posição comprada em derivativos cambiais em US$ 3,7 bilhões, para cerca de US$ 82 bilhões, novo pico histórico. Parte desse movimento pode ser atribuído à rolagem de posições no último pregão de junho. Para o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, não há motivos para o Banco Central intervir no câmbio neste momento, porque o mercado se mostra funcional. 'Não tem motivo para fazer leilão. Não houve saídas como no pagamento de NTN-As (títulos indexados à taxa de câmbio)', diz Weigt, em referência à oferta extra de swaps feita em abril. 'Desta vez, a alta do dólar é motivada por risco. O preço está reagindo por aumento de risco. E o Banco Central não tem que entrar nessas horas'. Para Weigt, uma intervenção do BC pode até trazer um alívio pontual na taxa de câmbio, mas o dólar provavelmente voltaria a subir em seguida, dado que não haveria mudança na percepção de risco. 'Uma hora o mercado vai se equilibrar.
O BC artificialmente defender uma taxa não funciona. Intervir apenas se for por volatilidade. Em vez de o dólar subir 1% como hoje, subir 3%. Aí o BC poderia entrar', diz Pela manhã, em entrevista a uma rádio da Bahia, Lula voltou a atacar o BC e a gestão da política monetária. 'Quem quer o Banco Central autônomo é o mercado', disse 'Nós não precisamos ter política de juro alto neste momento. A taxa Selic a 10,50% está exagerada'. As declarações são mais um capítulo na série de investidas do presidente contra o BC e Campos Neto nos últimos dias. À tarde, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que o governo Lula trouxe de volta o reequilíbrio fiscal, após a gastança da era Bolsonaro, e que o compromisso com o novo arcabouço será reafirmado no envio do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025.
'O governo vai cumprir o que está no arcabouço', disse Padilha. 'O resto é especulação, e quem fica especulando sobre qualquer irresponsabilidade fiscal vai errar de novo'. O economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, afirma que as divisas emergentes sofreram hoje com a alta dos Treasuries, que vem desde que o debate presidencial nos EUA, no fim da semana passada, levou à percepção de favoritismo de Trump na eleição dos EUA. 'Tem um movimento mais global de aversão ao risco que é potencializado pelo lado doméstico, com a indefinição da questão fiscal', afirma Costa, ressaltando que o governo busca dar sinais de compromisso fiscal, como em declarações de autoridades hoje. 'Mas o mercado quer esperar efetivamente as medidas concretas, como bloqueio e contingenciamento de despesas, e um orçamento viável para 2025'.
Ibovespa
A recuperação parcial do Ibovespa seguiu adiante neste começo de mês e de semana, a despeito da contínua pressão sobre o câmbio - que colocou o dólar à vista a R$ 5,65 no fechamento de hoje - e na curva de juros doméstica, em meio à persistência de incertezas sobre a condução fiscal e ao fogo aberto pelo presidente Lula contra o Banco Central e o sistema financeiro, ainda em modo ativo nesta segunda-feira. Hoje, o índice da B3 oscilou dos 123.735,19 aos 125.219,91 pontos, máxima intradia desde 28 de maio, saindo de abertura aos 123.904,75. No fechamento, mostrava alta de 0,65%, aos 124.718,07 pontos, com giro a R$ 20,6 bilhões na sessão, em que atingiu o maior nível de encerramento desde 23 de maio (124.729,40).
Na mínima de fechamento no ano, em 17 de junho, aos 119.137,86 pontos, o Ibovespa acumulava perda de 11,21% em 2024 - agora, reduzida a 7,06%. Nas últimas 10 sessões - desde o último dia 18, quando iniciou recuperação -, o Ibovespa registrou perda em apenas duas, incluindo a de sexta-feira, quando cedeu 0,32% - o outro revés no intervalo também foi discreto (-0,25%), no dia 25. O avanço desta segunda-feira foi sustentado pelos carros-chefes das commodities e da B3, Petrobras (ON +1,21%, PN +1,52%) e Vale (ON +1,48%), o que compensou o mau desempenho do setor financeiro, com os grandes bancos mostrando perda de até 1,31% (BB ON) no fechamento. A ação da B3, por sua vez, subiu 2,25%. O avanço nos preços das commodities foi impulsionado nesta abertura de semana por leitura acima do esperado para o índice de atividade (PMI) do setor industrial na China, na medição da S&P Global - embora o dado oficial não tenha mostrado o mesmo fôlego. Na ponta do Ibovespa nesta segunda-feira, SLC Agrícola (+7,22%), CSN Mineração (+5,01%) e Equatorial (+4,37%).
No lado oposto, Assaí (-3,29%), Pão de Açúcar (-2,96%) e Vibra (-2,70%). 'O mercado ainda mostra preocupação com as recentes falas do presidente Lula a respeito da presidência do BC e dos juros elevados. Com o fiscal em risco, há saída de dólar do País', resume Daniel Teles, especialista da Valor Investimentos. Dessa forma, a recuperação puxada na sessão pelos preços do petróleo, em alta de cerca de 2%, contribuiu para que Petrobras avançasse em dia mais uma vez desfavorável às ações com sensibilidade a juros e exposição ao ciclo doméstico, como as de construtoras (MRV -1,65%, Cyrela -1,27%). Por sua vez, o desempenho de Vale contou com o apoio do minério, que subiu 2,5% em Dalian, China.
Exportadoras, de forma geral, têm se beneficiado também da escalada do dólar frente ao real. Hoje, além de Vale, Suzano subiu 1,12% e Klabin, também do segmento de papel e celulose, avançou 1,68%, em dia positivo para frigoríficos como JBS (+1,24%) e Marfrig (+1,70%). Por outro lado, a pressão no câmbio, refletida ainda na curva de juros doméstica, impediu que o Ibovespa testasse novos limites, tendo batido nos 125,2 mil pontos no melhor momento do dia. Em entrevista a uma rádio baiana nesta segunda-feira, o presidente Lula afirmou que 'quem quer Banco Central autônomo é o mercado'. 'Não precisamos de política de juro alto neste momento. A Selic a 10,50% está exagerada', prosseguiu Lula. 'Como é que pode um presidente da República ganhar as eleições e depois não poder indicar o presidente do Banco Central? Eu estou há dois anos com o presidente do Banco Central do Bolsonaro. Não é correto.'
Juros
Os juros futuros fecharam a sessão desta segunda-feira em forte alta, sob pressão do câmbio e exterior. O dólar subiu além dos R$ 5,60 e a taxa da T-Note de 10 anos ficou novamente perto dos 4,50%. Esse contexto levou a ajuste técnicos que culminaram em movimentos fortes de zeragem de posições vendidas, inflando o volume de contratos negociados. No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 estava em 10,835%, de 10,733% no ajuste de sexta-feira e a do DI para janeiro de 2026 subia de 11,55% para 11,77%. O DI para janeiro de 2027 tinha taxa de 12,06%, de 11,93% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2029 tinha taxa de 12,38%, de 12,31%.
Pela manhã, a pressão sobre a curva estava relativamente sob controle, com as taxas curtas e intermediárias em leve alta e as longas perto dos ajustes, enquanto o dólar ainda não tinha direção firme. À tarde, o cenário piorou, puxado especialmente pelo exterior.
Os juros dos Treasuries aceleraram o avanço. A decisão da Suprema Corte de que Donald Trump pode receber imunidade parcial nos processos que enfrenta na Justiça aumentou as apostas em uma vitória republicana na eleição presidencial de novembro nos EUA, que tende a atuar de forma mais expansionista. No fim da tarde, o yield da T-Note de dez anos estava em 4,469%, mais distante das máximas na casa de 4,49%. Dada a pressão dos Treasuries, o dólar renovou máximas nos R$ 5,65 e os juros ampliaram a alta para mais de 20 pontos-base nos vencimentos de curto prazo, com movimentos de stop loss. Além da disparada do dólar provocar uma corrida dos players para proteger suas posições em real, a percepção de que a taxa de câmbio acima de R$ 5,50 pode ter vindo para ficar acentua o temor com relação à inflação. Em ajuste puxado pela expectativa de preços de bens industrializados devido à depreciação do real no último mês, a Bradesco Asset elevou a projeção de IPCA de 2024 de 3,7% para 3,8%, mas manteve a de 2025 em 3,8%, diante da perspectiva de uma Selic em nível elevado por mais tempo. Ao mesmo tempo, se avolumam os receios com as contas públicas enquanto o calendário avança rumo ao dia 22 de julho, quando o governo vai apresentar o relatório bimestral de receitas e despesas, e por mais que tente sinalizar disciplina.
Nesta tarde, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse que quem especula acreditando numa 'irresponsabilidade fiscal' do governo vai 'errar de novo' e apontou o envio do Orçamento de 2025 como um marco para o Executivo confirmar seu compromisso com o arcabouço fiscal e o limite para o crescimento de despesas imposto pela regra. 'Mais uma vez esse governo vai surpreender os pessimistas que tentam incutir no Lula a imagem de gastador. Lula já surpreendeu a todos em seus outros governos', disse. Apesar da retórica, o mercado quer ações concretas antes de dar o benefício da dúvida. 'Há muita expectativa com o relatório do dia 22, com os ajustes a serem feitos, pois muita coisa terá de ser arrumada para viabilizar o cumprimento das metas. Temos de ter medidas críveis pelo lado dos gastos, mas por ora é só busca por receitas. E todos os gatilhos a serem acionados são impopulares', afirma o economista da Guide Investimentos Victor Beyruti, lembrando que os indicadores fiscais atualmente mostram resultados 'muito, mas muito longe' dos objetivos definidos no arcabouço.
Pela manhã, o presidente Lula voltou a dizer que não pretende desatrelar do salário mínimo os benefícios da Previdência. E, como tem feito quase que diariamente nas últimas semanas, voltou a criticar o Banco Central e o presidente do BC, Roberto Campos Neto. 'Como é que pode um presidente da República ganhar as eleições e depois não poder indicar o presidente do Banco Central? Eu estou há dois anos com o presidente do Banco Central do Bolsonaro.' No Boletim Focus, o primeiro após o Relatório de Inflação (RI), houve nova deterioração nas medianas de IPCA e câmbio. A expectativa de inflação de 2024 subiu para 4% e a de 2025, para 3,87%. Para a taxa de câmbio, a estimativa passou de R$ 5,15 para R$ 5,20 no final de 2024 e de R$ 5,15 para R$ 5,19 no fim de 2025. Para a Selic, não houve mudanças. As medianas para 2024, 2025 e 2026 seguem em 10,5%, 9,5% e 9,0%.
Estadão Conteúdo e Correio do Povo