domingo, 6 de novembro de 2022

A SOCIEDADE DO RESSENTIMENTO

 A doutrina política da revolta é mera versão intelectualizada da soma da frustação social, emocional, econômica — e, frequentemente, amorosa

Roberto Motta


“[…] este mundo é um vale de lágrimas.
Não espere que haja justiça nele.
Os ímpios, em sua arrogância, crescem como um cedro frondoso.
Os bons estão fadados a ser permanentemente traídos e decepcionados.
O melhor que podemos esperar é que um equilíbrio entre diferentes senhores,
entre males maiores e menores, permita que os humildes desfrutem de uma prosperidade moderada e temporária.
Dê o melhor de si para encontrar o seu caminho até essa clareira na selva.”
James Burnham, O Suicídio do Ocidente, Vide Editorial, 2020, p.9

Avida é dura. Viver é difícil para a maioria das pessoas. Todo mundo tem um inventário de derrotas e perdas para chamar de seu. Todos travamos batalhas contra os acidentes, incidentes e perigos da vida: doenças, desemprego, falta de dinheiro. Em cada esquina nos espera um criminoso ou um pilantra.

A maioria dessas batalhas lutamos sozinhos.

Ao longo da vida conquistamos e perdemos oportunidades, pessoas queridas, empregos, patrimônio e saúde. Às vezes, conseguimos recuperar as perdas; muitas vezes, não. A vida é feita dessa instabilidade.

A maioria das conquistas requer esforço, sacrifício, preparo e, sempre, boa dose de sorte. Sorte é essencial: o mundo está cheio de pessoas generosas, brilhantes, trabalhadoras e estudiosas que lutam diariamente no limite da sobrevivência e terminam a vida sem ter seu valor reconhecido — e, muitas vezes, doentes, pobres e sós.

Essa é a realidade da vida.

Nós todos conhecemos histórias de pessoas que vieram do nada e construíram fortunas e impérios. Todos conhecem Steve Jobs, o fundador da Apple, e Elon Musk, o bilionário dos carros elétricos. Mas quem já ouviu falar de Leandro, que investiu suas economias para abrir uma lanchonete, faliu e hoje, aos 54 anos, voltou a morar na casa dos pais idosos?

A verdade é que a maioria da humanidade será sempre desconhecida de nós: são pessoas honradas, que trabalharam para pagar as contas e sustentar a família, mas nunca alcançaram fama ou celebridade; apenas viveram vidas normais, nas quais altos e baixos se sucederam. Nas palavras de Guimarães Rosa: “Foram felizes e infelizes, alternadamente”.

A maioria dessas pessoas — a esmagadora maioria — nunca teve poder sobre nada ou ninguém. O rumo e a qualidade de suas vidas sempre estiveram sujeitos a forças maiores e completamente fora do seu controle: sistemas políticos corruptos, leis complexas, caprichos de governantes, revoluções sangrentas e recessões devastadoras.

Temos planos e sonhos, mas somos um pequeno barco de papel em um oceano revolto. A verdade dura é essa: é grande o contraste entre o muito que pretendemos ser e o pouco que, na realidade, a maioria de nós consegue conquistar. Isso não é pessimismo; é constatação.

Diante disso, o ser humano se divide, basicamente, em dois grupos.

O primeiro grupo é formado por pessoas que encaram essa realidade e seguem em frente, motivadas pela determinação de superar obstáculos. Apesar das perdas e derrotas, essas pessoas seguem amando, trabalhando, cuidando de suas famílias e investindo em planos e projetos, grande ou pequenos. Esse grupo lida com suas limitações e frustrações — incluindo saúde frágil, falta de dinheiro e pouca instrução — e vive normalmente, trabalhando, produzindo e encontrando alegria e satisfação onde é possível.

Mas as mesmas dificuldades provocam, em outras pessoas, sentimentos de inferioridade e derrota insuperáveis, que arruínam suas vidas.

Incapazes de aceitar as limitações impostas pela dura realidade, elas se entregam ao rancor, ao ressentimento e à tentação de culpar alguém — a sociedade, a classe opressora, a desigualdade, os alimentos transgênicos, o aquecimento global ou a “mais valia” — por tudo que deu errado em suas vidas.

Essas pessoas encontram na ideologia revolucionária de esquerda — variadamente chamada de marxismo, comunismo, socialismo ou progressismo — a expressão perfeita para seu rancor. A frustração existencial e os sonhos nunca realizados alimentam esse ressentimento coletivo, transformando-o em estrutural: uma chama gigante que se propõe a queimar o imperfeito mundo e recomeçá-lo do zero.

A doutrina política da revolta é mera versão intelectualizada — ou, no dizer dos intelectuais, uma versão dialética — da soma da frustação social, emocional, econômica — e, frequentemente, amorosa — de milhões de ressentidos. Esse rancor se fermenta em uma disposição violenta para “fazer a revolução” — não importa muito o que isso signifique.

O fracasso absoluto de todos os regimes socialistas não representa nada diante da oportunidade de redimir o ressentimento, a frustração e os erros de toda uma vida

A ideologia da revolta fornece justificativas e explicações “científicas” para o catálogo de perdas e danos que todos trazemos conosco. Se você não conseguiu comprar uma casa depois de toda uma vida de trabalho, é porque a propriedade privada é um crime. Se você não conseguiu formar uma família estável, é porque a família é uma invenção opressora burguesa que precisa ser destruída. Se as drogas, o álcool ou a promiscuidade te impediram de encontrar a realização emocional ou uma carreira estável, é melhor então que todo mundo também seja promíscuo e dependente químico.

O pensamento do revolucionário rancoroso pode ser resumido da seguinte forma: quero obrigar os outros a sofrerem os males que eu sofri e a cometerem os erros que eu cometi, porque isso reduz minha sensação de derrota e solidão.

Diante disso, parece justo dizer que podemos classificar os ativistas revolucionários em dois grupos. O primeiro é o grupo ideológico. Ele é formado pela pequena porcentagem de militantes que realmente entende e subscreve as propostas socialistas. Eles representam, no máximo — é meu palpite — 5% dos ativistas.

O segundo grupo, que compõe a maioria restante, é formado por pessoas em busca de uma expressão social e política para seu rancor, e de uma explicação dialética e “científica” para fracassos, derrotas e frustrações que eles não conseguiriam aceitar ou superar de outra forma.

O que a ideologia de esquerda lhes diz é que os períodos amargos ou o resultado infrutífero de suas vidas não são culpa deles e nem do acaso. A derrota do esquerdista é sempre culpa da superestrutura capitalista, do mercado selvagem ou de um mecanismo terrível de opressão que precisa ser destruído.

Nessa fantasia ideológica o militante esquerdista encontra mais do algo para ocupar seu tempo ou uma forma de justificar erros e pecados; ele encontra o preenchimento de um vazio existencial.

Em épocas passadas esse vazio era preenchido pela religião, por relações familiares ou até por afiliações a uma tribo ou a um soberano. Hoje, para muitos, isso tudo foi substituído pelas fantasias do progressismo.

A vida é injusta, dolorosa e incerta. Mas, para o esquerdista, quando a revolução vencer, tudo será só felicidade.

A contradição entre a realidade objetiva do mundo — os problemas complexos que precisam ser entendidos e resolvidos — e a resposta dada a esses problemas pelas políticas esquerdistas, que sempre produzem ruína e massacres, são irrelevantes para os ativistas do rancor.

O fracasso absoluto de todos os regimes socialistas não representa nada diante da oportunidade de redimir o ressentimento, a frustração e os erros de toda uma vida. Diante dessa possibilidade — por mais fantasiosa que possa ser —, o impulso para a rendição ao totalitarismo vingativo se torna irresistível.

Mas a fantasia socialista não muda a realidade da vida.

“Todas as sociedades”, disse James Burnham, “inclusive as ditas democráticas, são governadas por uma minoria”. Embora essa minoria, a elite governante, procure legitimar seu poder aos olhos da sociedade, no final, segundo Burnham, “o objetivo primordial de toda elite, ou classe governante, é manter o próprio poder e privilégio”.

O melhor que podemos esperar é que sempre exista, no nosso meio, uma massa crítica de indivíduos informados e independentes, exercendo vigilância permanente contra o arbítrio e o totalitarismo. No mundo atual, a grande ameaça à liberdade vem da ideologia marxista, uma erva violentamente venenosa que germina e cresce no solo fértil do ressentimento.

Que nossa revolta e nossa indignação, diante das injustiças e dos crimes, nunca fertilizem esse solo infame.

Revista Oeste 

Idoso chora com medo que o Brasil volte a ficar nas mãos de bandidos

 


POBRE NORDESTE

 A única região do Brasil onde Lula liderou a votação coleciona os piores resultados em índices de educação, emprego formal e riqueza per capita

Artur Piva



No primeiro discurso depois de ser declarado eleito presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez agradecimentos especiais ao Nordeste. A Região foi a única em que o petista conseguiu mais votos que Jair Bolsonaro. A diferença que compensou o resultado no restante do país veio dos brasileiros que convivem com os piores indicadores sociais da nação.

“Obrigado, Nordeste maravilhoso, que nos deu mais uma vitória na vida”, disse Lula, no domingo 30, em um discurso para apoiadores na capital paulista. Comparando ao resultado do presidente Jair Bolsonaro (PL), o petista conseguiu 12,5 milhões de eleitores nordestinos a mais — quase 70% dos votos válidos locais.

Os baixos desempenhos socioeconômicos ocorrem apesar das belezas naturais e de todo o potencial da região. Contrastando com algumas das mais belas praias do mundo, paisagens exuberantes no interior e um agronegócio pujante no cerrado local, o Nordeste tem a menor produção de riqueza por habitante em todo o território nacional. A comparação entre a quantidade de habitantes e a produção econômica da região mostra que o Produto Interno Bruto (PIB) per capita local bateu pouco mais de R$ 18 mil por ano.


Muito potencial na mão esquerda

O PT conseguiu liderar a corrida à Presidência em todos os Estados nordestinos. As únicas quatro disputas por governos estaduais que a sigla conseguiu vencer neste ano são dessa região do Brasil. Na lista, Bahia (Jerônimo Rodrigues), Ceará (Elmano de Freitas), Piauí (Rafael Fonteles) e Rio Grande do Norte (Fátima Bezerra).

Esse pedaço do país também é o único em que a maior parte dos governos estaduais segue controlada por partidos de esquerda. Fora os quatro Estados petistas, Paraíba e Maranhão estão com o PSB. Nos outros, a escolha foi por MDB (Alagoas), PSDB (Pernambuco) e PSD (Sergipe). Nas urnas maranhenses, estado que registrou o pior índice de riqueza por habitante (pouco menos de R$ 14 mil por ano), Lula teve uma de suas melhores votações: 71% dos votos.

Paralelamente, o Centro-Oeste, com quase R$ 45 mil de PIB per capita, teve o melhor índice do Brasil em 2019. Famosa pelo agronegócio, a região despejou 60% dos votos em Bolsonaro.

Campeão no Auxílio Brasil

Na primeira posição do ranking de pobreza, o Nordeste lidera a quantidade de famílias que recebem o Auxílio Brasil. Apenas em outubro, foram enviados R$ 6 bilhões à população local por meio do benefício. O valor se aproximou da metade dos cerca de R$ 13 bilhões distribuídos em todo o território nacional em igual período.

Praticamente 10 milhões de famílias nordestinas precisaram do programa para sobreviver no mês passado. Pelas estimativas da Secretaria Nacional de Renda e Cidadania, são quase 25 milhões de habitantes, ou seja, 45% da população local depende do governo.

Ao mesmo tempo, no Centro-Oeste, menos de 20% dos habitantes receberam o Auxílio Brasil. No Sul do país, que tem a menor dependência do programa, a proporção de beneficiários não chegou a 13%. O PIB per capita sulista ficou em cerca de R$ 42 mil por ano em 2019. Outra vez, mais que o dobro do nordestino.

Proporcionalmente, os eleitores sulistas deram o melhor desempenho a Bolsonaro: praticamente, 62% dos votos válidos locais. Tanto no Centro-Oeste quanto no Sul, o presidente em exercício ganhou em todos os Estados.

Para votar na eleição para a Presidência do Brasil, é preciso ter 16 anos ou mais de idade. No Nordeste, a quantidade de trabalhadores com carteira assinada equivale a cerca de 16,5% do número de eleitores. Fazendo a mesma comparação no Sul, a proporção da mão de obra em empregos formais mais do que dobra, atingindo 35% — o melhor índice nacional. A segunda posição ficou para o Sudeste: praticamente 33%.

População analfabeta

De acordo com o IBGE, as Regiões Sul e Sudeste têm a menor taxa de analfabetismo do país: 3,3%. Na sequência, aparece o Centro-Oeste, com pouco menos de 5%. Mais uma vez, o pior resultado é do Nordeste, onde quase 14% dos moradores com mais de 15 anos não sabem ler nem escrever. É mais que o dobro da média nacional: 6,6%. Com esses números, a região conseguiu concentrar sozinha mais da metade dos analfabetos brasileiros.

O levantamento revelou que três em cada cinco adultos que moram nessa parte do país não completaram o ensino médio, o que corresponde a 60% do total

“A taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais no Brasil ficou em 6,6% em 2019, o que corresponde a 11 milhões de pessoas”, informa o instituto. “Mais da metade (56,2%, ou 6,2 milhões) vive na Região Nordeste.”

Além disso, o levantamento revelou que três em cada cinco adultos que moram nessa parte do país não completaram o ensino médio, o que corresponde a 60% do total. No restante do Brasil, mais da metade da população nessa faixa etária concluiu esse ciclo educacional.

A pesquisa mostrou ainda que os nordestinos com mais de 25 anos tinham pouco menos de nove anos de estudo formal — o mais baixo nível entre as regiões do país. O Sudeste teve o melhor resultado: pouco mais de 10 anos.

Um vizinho menos pobre

Apenas o Norte tem números próximos aos do Nordeste em temas como educação, PIB per capita e empregos. Ainda assim, com indicadores levemente melhores. E apesar de Bolsonaro também ter conseguido melhores resultados que Lula entre na região, a diferença ficou em apenas 2 pontos porcentuais.

No Norte, a média de anos de estudos formais de um adulto também não chega a nove, parando em 8,9. Nas demais regiões, o número fica mais próximo de dez.

O PIB per capita do Norte em 2019 ficou em cerca de R$ 22 mil. Desse modo, ele foi capaz de superar apenas o resultado nordestino e está bem distante dos valores encontrados no restante do país. E a relação entre eleitorado e empregos formais é praticamente a mesma da Região Nordeste.

Apesar de atuais, esses números não ilustram uma realidade que nasceu recentemente. Quando Dilma Rousseff (PT) encerrou o primeiro mandato, o Nordeste também tinha a maior população analfabeta do país e já concentrava mais da metade dos brasileiros que não sabiam ler nem escrever. A pergunta que fica é se Lula fará na região em quatro anos o que ele próprio e sua sucessora não fizeram em 14.

Revista Oeste

DE VOLTA À CENA DO CRIME

 Após a campanha mais desonesta que já se viu na história política deste país, o líder supremo da esquerda nacional volta a mandar no Brasil

J. R. Guzzo


O ex-presidente Lula está de volta à cena do crime, de acordo com a descrição feita tempos atrás pelo próprio vice da sua chapa — eis ele aí de novo, aos 77 anos de idade, eleito presidente do Brasil pela terceira vez. Foi por pouco. Mas jogo que acaba em 5 a 0, ou 1 a 0, vale o mesmo número de pontos, e o que conta é o resultado marcado no placar do TSE. Após a campanha eleitoral mais desonesta que já se viu na história política deste país, com a imposição de uma ditadura judiciária que violou todo o tipo de lei para lhe devolver a presidência, o líder supremo da esquerda nacional volta a mandar no Brasil. Com ele não vêm “os pobres”, nem um “projeto de justiça social”, e nenhuma das coisas cheias de virtude de que falam as classes intelectuais, os parasitas que lhe dão apoio e a sua própria propaganda. Voltam a mandar os donos do Brasil do atraso — esses que querem manter os seus privilégios de 500 anos, não admitem nenhum governo capaz de atender aos interesses da maioria dos brasileiros que trabalha e exigem um “Estado” com poderes de Deus, e eternamente a seu serviço. São eles os que realmente ganharam. Conseguiram convencer a maior parte do eleitorado, segundo os números da autoridade que controla as eleições, que é uma boa ideia colocar de novo na presidência da República um cidadão condenado pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro. Começa agora o pagamento da conta — e quem vai pagar, como sempre acontece, são os brasileiros que têm menos.

Lula foi levado à presidência pelo colapso geral da Constituição e das leis brasileiras ao longo do processo eleitoral — resultado de uma inédita intromissão do alto Poder Judiciário, abertamente ilegal, em cada um dos passos da eleição. O fato objetivo é que a dupla STF-TSE, com o ministro Alexandre Moraes dando as ordens e Lula no papel de beneficiário único, fez tudo o que seria preciso para um observador neutro definir a disputa como uma eleição roubada — pode não ter sido, na contagem aritmética dos votos, mas com certeza fizeram o possível para dar a impressão de que foi. Basicamente, os ministros do Supremo Tribunal Federal e seu braço eleitoral, o TSE, montaram peça por peça um mecanismo desenhado para favorecer em tudo o candidato do PT. O primeiro passo foi a decisão de anular a lei, aprovada pelo Congresso Nacional, que permitia a prisão dos réus condenados em duas instâncias — como efeito imediato e direto dessa virada de mesa, Lula foi solto do xadrez de Curitiba onde cumpria há 20 meses a pena pelos crimes a que foi condenado na justiça. Em seguida veio o que deverá ficar na história como a sentença mais abjeta jamais dada nos 131 anos de existência do STF, do ponto de vista da moralidade comum e pelo princípio elementar que manda a justiça separar o certo do errado. Os ministros, simplesmente, anularam as quatro ações penais que havia contra Lula, incluindo as suas condenações — e, com isso, fizeram a mágica de desmanchar a ficha suja que impedia o ex-presidente de ser candidato. Não deram motivo nenhum para isso, não fizeram um novo julgamento em que ficasse provada a sua inocência, e nem o absolveram de coisa nenhuma — disseram apenas que o endereço do processo estava errado e, portanto, ficava tudo zerado. A partir daí, e até desfecho no dia 30 de outubro, o sistema STF-TSE passou a trabalhar sem qualquer disfarce para favorecer Lula e prejudicar o único adversário real de sua candidatura — o presidente Jair Bolsonaro

A campanha se fez debaixo da pior censura imposta à imprensa desde o AI-5 do regime militar. A liberdade de expressão individual foi liquidada nas redes sociais

A campanha eleitoral de 2022 foi uma fraude jurídica e política como jamais se viu neste país. O STF e os advogados de Lula, pagos com os bilhões do “Fundo Eleitoral” que foi extorquido do pagador de impostos, deram a si próprios o poder de violar as leis e a Constituição Federal para “defender a democracia” — e essa defesa, desde o primeiro minuto, foi fazer tudo para impedir que Bolsonaro ganhasse a eleição. A campanha se fez debaixo da pior censura imposta à imprensa desde o AI-5 do regime militar. A liberdade de expressão individual foi liquidada nas redes sociais. O TSE desviou para Lula, com desculpas de quinta categoria, tempo do horário eleitoral que pertencia legalmente a Bolsonaro. Houve trapaça direta, também — cerca 1.300 horas de mensagens devidas ao presidente em rádios do Nordeste simplesmente não foram levadas ao ar durante a campanha. O TSE não fez nada: a única providência que tomou foi ameaçar com processo criminal quem fez a queixa e demitir o funcionário que encaminhou a denúncia aos seus superiores. Inventaram, num momento especial de demência, multas de 150.000 por hora a quem não obedecesse aos decretos do sistema. O ex-ministro Marco Aurélio, até outro dia decano do STF, não teve permissão para dizer que Lula não foi absolvido de nada pela justiça brasileira; o homem é um jurista, mas não pode falar de uma questão puramente jurídica. Em outro momento extraordinário, Moraes proibiu que fossem mostrados vídeos em que ele próprio, Moraes, dizia que o PT fez um governo de ladrões — nos tempos em que não era o protetor de Lula, nem seu servidor. Proibiram uma foto em que Lula aparece com o boné usado por uma facção criminosa no Rio de Janeiro; na hora ele achou que era uma grande ideia, mas no fim os seus advogados decidiram que a coisa estava pegando mal e mandaram o TSE tirar. Uma ministra, para coroar este desfile de aberrações, anunciou em público que estava, muito a contragosto, violando a lei, mas só fazia isso de forma “excepcional” — porque tinham de impedir a reeleição de Bolsonaro e, com isso, salvar a “democracia”. Nunca se viu nada de parecido em nenhum país sério do mundo.

Mas é aí que está, justamente: o consórcio STF-TSE transformou o Brasil, do ponto de vista legal, numa ditadura de republiqueta bananeira em que eleição só é ganha por quem manda. Volta a vigorar, agora, o Brasil da senzala, com os donos do “Estado” no papel de senhores de engenho e com a população escalada de novo para trabalhar, pagar imposto e sustentar a casa-grande. Sabe-se, desde sempre, quem é essa gente. São as múltiplas modalidades de parasitas do Tesouro Nacional — dos que estão diretamente instalados dentro da máquina estatal até os que se servem dela para ganhar a vida sem risco, sem competição e sem trabalho. São as empreiteiras de obras públicas, que governaram o país nos quase 14 anos de Lula-Dilma e agora voltam ao Palácio do Planalto — a turma do “amigo do amigo do meu pai” e você sabe muito bem quem mais. São os eternos donos das estatais, que passaram esses últimos quatro anos longe delas — um desastre que jamais tinham experimentado antes. Foi um período em que as estatais deram lucro; o que poderia haver de pior para quem ganha bilhões com os seus prejuízos, como foi regra na era PT? São, obviamente, os ladrões do erário público — esses mesmos que confessaram livremente os seus crimes na Operação Lava Jato, devolveram fortunas em dinheiro roubado e fizeram do governo Lula, com base em provas materiais, o mais corrupto da história do Brasil. São os advogados criminalistas que defendem corruptos e o crime organizado. É a mídia, que voltará a receber verbas bilionárias em publicidade oficial pagas com dinheiro dos impostos; só a Globo, nos governos do PT, levou R$ 7 bilhões em valores corrigidos.

A vitória da associação Lula-STF é a vitória do Brasil da licença-prêmio, dos aumentos automáticos para o funcionalismo público e dos “penduricalhos” que fazem as castas mais elevadas do judiciário terem salários mensais de R$ 100.000 ou mais, sempre com uma explicação legal para isso. Ganham, com Lula, os 12 milhões de funcionários públicos de todos os níveis — é uma população inteira de eleitores, e a maioria vota no PT, por questões elementares de interesse pessoal. (No governo de Bolsonaro o número de servidores federais foi o menor desde 2011; alguma surpresa que Lula tenha aí um dos seus principais reservatórios de voto?) Ganham o “imposto sindical” e os proprietários de sindicatos, que enriquecem metendo esse dinheiro no próprio bolso. Ganha o “consórcio do Nordeste”, um bloco de governadores formalmente acusado de agir como organização criminosa durante a covid. Ganham os vendedores de navios-sonda para a Petrobras, que não extraíram uma gota de petróleo — mas embolsaram bilhões de reais até, convenientemente, suas empresas irem à falência. Ganham os artistas, ou quem se apresenta como tal, que em vez de público têm verbas do Estado, por força da infame “Lei Rouanet”. Ganha, em suma, o Brasil do antitrabalho — as classes que não admitem o mérito, o esforço e o talento individuais como a base da prosperidade pessoal, do crescimento econômico e da igualdade social. Em vez disso querem “políticas públicas” que sustentem o seu conforto e, como sempre, deixem a pobrada exatamente como está, com umas esmolas e a ficção de que “o governo” morre de preocupação com eles.

Na vida real, os 14 anos de governo petista deixaram o país com a maior recessão de sua história, inflação à beira do descontrole

Não há, a partir de agora, grandes notícias a esperar na economia. Lula, pelo que ele próprio vem dizendo aos gritos e há meses, é contra tudo o que foi posto em prática por este governo e deu certo — a começar pelo surgimento de estruturas produtivas que abriram a possibilidade de uma economia menos dependente do Estado. Quer mais estatal, mais ministério e mais funcionário público. Acha que desrespeitar o teto legal de gastos do governo é fazer “política social”. Acha que combater a inflação é coisa “de rico”; para ele, pobre precisa de aumento salarial e dinheiro no bolso, mesmo que esse dinheiro não valha nada. Acha que a Argentina é um modelo de administração econômica; só não está dando certo por culpa do capitalismo. Acha que os invasores de terra do MST devem fazer parte do governo — e por aí vai a procissão. Seu passado, em matéria de economia, é um pesadelo em formação. Ele passa o tempo todo dizendo que o Brasil vivia feliz, ninguém era pobre e todo mundo viajava de avião; na vida real, os 14 anos de governo petista deixaram o país com a maior recessão de sua história, inflação à beira do descontrole, taxas inéditas de desemprego, estatais à beira da bancarrota e a falência múltipla dos serviços prestados à população. Também não se pode contar com qualquer melhora no combate ao crime. As taxas de criminalidade ao fim dos governos petistas foram as piores da história; desde que saíram, todos os índices só tiveram melhoras. Qual a surpresa? Lula é contra a polícia; disse, para efeitos práticos, que os policiais não são seres humanos. Tirou foto com o tal boné de bandido numa favela governada pelo crime no Rio de Janeiro. Diz que é um absurdo prender “meninos” que roubam um mero celular — e mais uma porção de coisas do mesmo tipo. Pode-se contar com o pior, também, em matéria de transferência de dinheiro público brasileiro para a “América Latina”. Lula diz, o tempo todo, que os seus grandes modelos de sociedade são Cuba, Venezuela e Nicarágua. Proibiu, via TSE, que se dissesse que ele vive um caso de amor político com essas ditaduras, porque achou que isso não ficava bem na reta final da eleição, mas só provou a sua hipocrisia; é a favor, sim, e quis esconder que era até ser eleito. A partir de janeiro de 2023, esses três, mais Argentina, Chile, Colômbia e Bolívia, terão acesso de novo aos cofres do BNDES, à diretoria da Petrobras e aos US$ 400 bilhões que o Brasil mantém nas suas reservas internacionais. Por que não? Lula, o PT e o seu entorno acham que é bom juntar-se a países que são notórios perdedores; imaginam que vão ficar mais fortes, quando estão apenas somando os problemas dos outros a todos aqueles que o Brasil já tem.

Muito se falou, entre um turno e outro, no crescimento da direita e do “bolsonarismo” dentro do Congresso. As almas mais otimistas têm imaginado até que a nova composição da Câmara, e principalmente do Senado, poderia servir de freio para os desastres anunciados por Lula, pelo PT e pelo que passa por sua “equipe econômica”, sem contar o MST e outros componentes tóxicos. No Senado, em especial, os candidatos de Bolsonaro ficaram com a maioria das vagas em disputa nesta eleição — e isso poderia, quem sabe, abrir uma perspectiva de oposição à ditadura do STF, cujos ministros dependem dos senadores para continuar sentados nas suas cadeiras e nas suas canetas. Impossível não é. Mas também não parece provável, levando-se em conta o que mostra a experiência — deputado e senador brasileiro só fazem oposição de verdade a governo morto, como aconteceu com Dilma Rousseff. O Congresso não manda nada hoje; com Lula na presidência, promete mandar menos ainda. Obedece de olhos fechados, hoje, tudo o que o STF manda; no seu momento mais infame, concordou com a prisão ilegal de um deputado federal, por ordem e vontade de Alexandre Moraes, um caso sem precedentes na história da República. Por que iria enfrentar o STF com Lula, se não enfrenta nem com Bolsonaro?

O STF está com a vida ganha; não deve ser mais o que é hoje, quando manda em tudo, mas a lagosta fica garantida

Se o presidente tivesse ganhado, a história poderia ser diferente — seus senadores assumiriam com o dobro da força política, e os ministros poderiam se ver diante de um perigo real. Com Lula no governo, porém, o STF está com a vida ganha; não deve ser mais o que é hoje, quando manda em tudo, mas a lagosta fica garantida. O fato é que o grande objetivo do STF foi alcançado — tiraram Bolsonaro do Palácio do Planalto, depois de quatro anos inteiros de sabotagem e de oposição declarada a seu governo. Agora os ministros vão trocar o passo; em vez de dar ordens ao presidente, estarão a seu serviço. Foi assim durante toda a caminhada que levou Lula de novo à presidência. Por que ficariam contra, agora que ele ganhou? O Congresso, hoje, pode decidir o que quiser — é o STF quem diz se a decisão vale ou não vale. Vai continuar dizendo — só que, daqui para a frente, os ministros vão querer o que Lula quiser, e só vai valer aquilo que ele decidir que vale.

Lula tem desde já uma explicação pronta para todo e qualquer fracasso do seu governo — será culpa da “herança maldita” de Bolsonaro, assim como já foi com a “herança maldita” que recebeu de seu atual admirador Fernando Henrique Cardoso, como disse na época. É exatamente o contrário, num caso e no outro. Agora, em especial, ele vai receber uma casa em excelente situação — infinitamente melhor que as ruínas que sua sucessora Dilma deixou ao ser deposta da Presidência pelo Congresso Nacional. Mas e daí? Ele estará de volta ao que seu vice definiu como o local do crime. Pode começar tudo de novo.

Revista Oeste

A DIREITA ESTÁ AÍ

 Paralisação de caminhoneiros e protestos de rua mostram que o governo Lula vai enfrentar uma oposição tão feroz quanto a que praticou

Cristyan Costa


Edilson Salgueiro



Acompanhada do casal de filhos — uma menina de 8 anos e um menino de 10 — uma eleitora de Jair Bolsonaro saiu de Monte Alto no interior de São Paulo rumo à capital, na sexta-feira que antecedeu a eleição, exclusivamente para participar do pleito. Na segunda-feira, ao voltar para casa de ônibus, teve uma desalentadora surpresa. Por causa do bloqueio dos caminhoneiros na Rodovia dos Bandeirantes, em protesto contra o resultado oficial da eleição, ela demorou quase nove horas para completar o trajeto que leva pouco mais de cinco horas.

“Foi uma situação desesperadora, até porque, ao meu lado, havia uma senhora com o filho recém-operado de uma cirurgia que fizera no dia anterior”, relatou. “Meu marido sugeriu que eu pegasse um Uber e voltasse para São Paulo, mas nem isso era possível, porque os dois lados da pista estavam interditados. As pessoas estavam com fome e sede.”

Essas manifestações eclodiram um dia depois da disputa eleitoral. E acabaram atrapalhando a vida de muita gente, inclusive daqueles que apertaram 22 na urna. No ápice dos atos, mais de 300 interdições estabeleceram-se em 18 Estados, mais o Distrito Federal. Era visível o descontentamento com o desempenho do TSE na campanha eleitoral. Entretanto, as reivindicações não ficaram claras. Em vários focos dos protestos, os manifestantes pediam intervenção militar e intervenção federal.

Tanto o flerte com o autoritarismo quanto a obstrução de vias públicas são condenáveis, visto que desestabilizam as instituições, suprimem as liberdades individuais e tolhem o direito de ir e vir dos brasileiros. Segundo militares consultados pela Revista Oeste, as intervenções das Forças Armadas não podem ser adotadas por impulso, emoção ou indução. “É algo que obrigatoriamente encerra um apurado estudo da situação, que leva em conta a ordem pública, as conjunturas interna e externa, o interesse nacional e, principalmente, as suas consequências”, observou o general da reserva Paulo Chagas.

A vez mais recente em que uma intervenção federal ocorreu no Brasil foi em 2018, no Rio de Janeiro, para reduzir a criminalidade. Ela é prevista na Carta Magna para uma série de casos excepcionais, nos quais a União é autorizada a intervir nos Estados ou no Distrito Federal. Quando isso ocorre, o governo estadual perde totalmente ou em parte as suas competências, até que a situação seja normalizada. Já a intervenção militar seria uma ruptura institucional absoluta.

Em um vídeo publicado nas redes sociais, a mensagem de Bolsonaro aos caminhoneiros mostrou que as intervenções esperadas por eles não virão. “Quero fazer um apelo a vocês: desobstruam as rodovias”, pediu o presidente. “Isso aí não faz parte das manifestações legítimas. O fechamento de rodovias prejudica o direito de ir e vir das pessoas. Está na Constituição, e nós jogamos dentro das quatro linhas da Carta Magna.”

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), entrou em cena e determinou o desbloqueio imediato das vias. O juiz do STF chegou a definir multa de R$ 100 mil para quem desobedecesse à ordem. O magistrado mandou ainda as polícias militar, rodoviária e federal prenderem os manifestantes. “Serão tratados como criminosos”, disse o magistrado, durante uma sessão no Supremo.

A velha imprensa tratou de alimentar os devaneios autocráticos do presidente do TSE. A Folha de S.Paulo, por exemplo, qualificou todos os brasileiros que foram às ruas como “golpistas”. “É farto o acervo de registros das movimentações que exigem golpe militar, sob o eufemismo de ‘intervenção federal’ e de manifestantes que se recusam a aceitar o resultado das eleições brasileiras”, esbravejou o jornal.

A mesma Folha não utilizou adjetivos maledicentes para se referir aos militantes de esquerda que protestaram contra a vitória de Bolsonaro em 2018. Apenas dois dias depois das eleições daquele ano, os petistas convocaram manifestações em cinco capitais — São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Porto Alegre e Recife. Na ocasião, os protestos eram de “resistência” ao futuro governo, que ofereceria “um risco à democracia e à manutenção dos direitos”. Quatro anos depois, em um processo de metamorfose linguística incompreensível, a “resistência” se transformou em “golpismo”.

Sem o posicionamento claro e oficial de Bolsonaro, a situação poderia ter ficado pior. Em Mirassol, no interior de São Paulo, um motorista de esquerda atropelou pelo menos sete pessoas na Avenida Washington Luís. Entre as vítimas, havia dois policiais militares e uma criança de 12 anos. Até o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, liderado pelo deputado federal eleito Guilherme Boulos (Psol-SP), decidiu se manifestar. O grupo mobilizou seus militantes para “desbloquear” as estradas e confrontar os apoiadores do presidente da República.

O cientista político Paulo Kramer afirma que Bolsonaro agiu corretamente, visto que preservou o direito de ir e vir de todos os brasileiros. O especialista defendeu o direito de se manifestarem, desde que de maneira ordeira e pacífica. “As pessoas podem se expressar, como prevê a Constituição”, disse.

Oposição nas ruas muda estratégia

Depois da declaração do chefe do Executivo, as manifestações dos caminhoneiros arrefeceram, embora ainda houvessem 32 rodovias com bloqueio parcial ou total em 11 Estados nesta quinta-feira. Os atos violentos deram lugar a protestos mais ordeiros, que não tolheram o direito de ir e vir dos cidadãos. No Dia de Finados, milhares de pessoas reuniram-se em frente a Tiros de Guerra, Batalhões da Polícia e do Exército. Elas vestiam verde e amarelo, em uma demonstração de ofensiva ao presidente eleito.

Os atos foram registrados em 28 cidades, em cerca de dez Estados, mais o Distrito Federal. A maioria ocorreu em Santa Catarina. Em Brasília, a manifestação concentrou-se em frente ao Quartel General do Exército. Em São Paulo, em ao menos dois locais: perto do Comando Militar do Sudeste, na região do Ibirapuera, e em frente ao Centro de Preparação de Oficiais da Reserva, no bairro de Santana, zona norte. No Rio, um protesto gigantesco ocupou parte do centro, na Avenida Presidente Vargas, em frente ao Comando Militar do Leste. Outro grupo se reuniu na Vila Militar, em Deodoro, zona oeste da cidade.

Os manifestantes sustentam que houve fraude na contagem de votos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), embora as provas de trapaça não tenham sido apresentadas. Por isso, exigem que seja divulgada a auditoria das urnas eletrônicas pelo Ministério da Defesa. Também questionam o desempenho do Poder Judiciário, com destaque para o Tribunal Superior Eleitoral, numa campanha manchada por preferências políticas e ideológicas de autoridades obrigadas por lei a agir com imparcialidade.

Para Chagas, é “improvável” que o relatório da Defesa apresente deficiências nas urnas eletrônicas. “A minha avaliação é que não houve nada”, observou. “Se tivesse alguma coisa, todos estariam botando a boca no trombone.”

“Metade da nação não o aceita de forma alguma e outros muitos brasileiros que nele votaram desconhecem, por alienação intelectual, seu triste envolvimento com a justiça brasileira”, afirmou o general da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva. “Quando gigantescas parcelas da população bradam a plenos pulmões e em todo o Brasil que Lula deveria estar na prisão, ficam claras as consequências danosas da pessoa do futuro presidente para o autorrespeito e a autoestima de metade ou mais da metade da nação, hoje moral e ideologicamente rachada”. Rocha Paiva pondera, contudo, que “se não houve fraude no processo eleitoral, não há como reverter o resultado do pleito”, diz. “Porém, a reação popular servirá de alerta aos futuros dirigentes de que haverá cerrada vigilância por uma gestão honesta, sem corrupção, e em defesa da liberdade e da democracia contra a imposição da ideologia socialista, marxista-leninista e liberticida, almejada pelo PT.”

O cientista político Christopher Garman avalia que os conservadores saíram da eleição com o sentimento de que foram roubados, “principalmente ao observarem a forma como o STF e o TSE conduziram a disputa”. “As duas Cortes pesaram a mão no ativismo judicial durante as eleições”, constatou. “O que vejo é que os protestos vão continuar, mas de natureza mais ordeira e pacífica.”

Esse processo eleitoral viciado pôde ser observado especialmente nas decisões dos ministros, que foram sustentadas por preferências ideológicas. Os advogados de Lula, com a contribuição do senador Randolfe Rodrigues, atravessaram outubro pressionando os aliados no TSE com a média diária de cinco ações judiciais — ora exigindo direito de resposta, ora reivindicando a supressão de verdades, ora pedindo a imposição da censura a empresas de comunicação ou veículos jornalísticos. As ações emplacadas por assessores jurídicos de Bolsonaro não chegaram a dez. O TSE disse “sim” a quase todas as remetidas por lulistas. Até às que imploraram pela exumação da censura — abjeção sepultada em cova rasa na década de 1970.

Ainda que o petista consiga cooptar integrantes do centrão, o Parlamento tem novos membros que dificilmente dobrarão a espinha

Mas não é apenas isso. O processo que culminou na vitória de Lula teve um “empurrão” dos institutos de pesquisas, que, desde 1º de janeiro de 2019, travam uma batalha contra a reeleição de Bolsonaro. Se o resultado das eleições dependesse dos especialistas do Datafolha, por exemplo, a vitória do petista seria consumada ainda no primeiro turno. A realidade, contudo, desfez as fantasias. O presidente da República não apenas conquistou a vaga no segundo turno como a eleição foi a mais apertada da história do país.

A partir de agora, surge uma oposição que promete não dar descanso aos ladrões do Erário. O PT, que sempre liderou os protestos pela derrubada dos presidentes eleitos, terá de enfrentar um “Fora, Lula” antecipado. O petista venceu a batalha nas urnas, mas uma parcela considerável da população não o absolveu moralmente. O ex-presidente foi condenado em três instâncias, por nove juízes diferentes, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. E a manobra jurídica do ministro Luiz Edson Fachin não reescreve a História.

Trincheira no Congresso 

A direita também não pode se esquecer que tem um front no Congresso Nacional a ser pressionado. Nos próximos quatro anos, Lula será obrigado a lidar com algo que não havia em seus dois primeiros mandatos: uma oposição real no Parlamento.

Ainda que o petista consiga cooptar integrantes do centrão, o Parlamento tem novos membros que dificilmente dobrarão a espinha. Entre eles, estão nomes como os dos senadores eleitos Hamilton Mourão (Republicanos-RS), Sergio Moro (União Brasil-PR) e Tereza Cristina (PP-MS) e os deputados federais Deltan Dallagnol (União Brasil-PR), Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel van Hattem (Novo-RS), que, logo depois do primeiro turno das eleições, declararam oposição ferrenha a Lula.

É essa oposição que Bolsonaro deve e pretende liderar. O presidente e seu candidato a vice, o general Braga Netto, reuniram-se no início desta semana com o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. No encontro, delinearam as diretrizes que vão conduzir os 58 milhões de eleitores que não votaram em Lula, além da bancada no Congresso, para uma oposição responsável e efetiva ao governo do PT.

Nos bastidores, Bolsonaro definiu que seguirá como o maior porta-voz das pautas conservadoras nos costumes e liberais na economia. Em 1º de janeiro, o presidente retornará ao cenário de oposição. A atual base política do chefe do Executivo também conta com o apoio de 260 deputados eleitos e mais de uma dezena de governadores. O presidente pode ter perdido a batalha, mas não a guerra.

As ruas deram o recado: a vida de Lula não será fácil. Os recentes protestos, em sua maioria ordeiros e pacíficos, são apenas um aperitivo dos próximos anos. A despeito das críticas, Bolsonaro foi capaz de mobilizar uma oposição aguerrida, combativa e alerta. Nesse cenário, será mais difícil a ocorrência de escândalos como Mensalão e Petrolão. Quem se acostumou a governar em sistema de cleptocracia terá dificuldade para administrar um país de outra maneira. 

Revista Oeste

Vídeo informa que supermercados não serão desabastecidos

 


COMEÇOU A VINGANÇA

 Pressões do TSE e do PT apressaram demissões que modificaram o rosto da Jovem Pan 

Cristyan Costa


Em 11 de maio deste ano, durante um jantar na casa da senadora Kátia Abreu, que reuniu senadores e ministros do Supremo Tribunal Federal, uma frase acendeu o sinal amarelo: “É preciso calar Os Pingos nos Is“, resumiu um parlamentar, referindo-se ao programa de maior audiência da Jovem Pan. Neste 31 de outubro, horas depois de oficializada a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial, foi aceso pela própria empresa o sinal vermelho: Augusto Nunes e Guilherme Fiuza, integrantes do programa, foram demitidos.

O encontro no apartamento em Brasília incluiu Renan Calheiros (sete processos no STF),  Randolfe Rodrigues, Marcelo Castro (acusado pelo Ministério Público de ter recebido R$ 1 milhão para votar no então presidente da Câmara Eduardo Cunha), Jaques Wagner (ministro de Lula na época do Mensalão e de Dilma quando foi descoberto o Petrolão), Tasso Jereissati e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. A esta babel, juntaram-se os ministros Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.

“Um grupo de senadores teve conversas com vários ministros do STF e com o presidente do Senado, algumas vezes, sobre a necessidade de institucionalmente defendermos a democracia, a Constituição e a separação dos Poderes”, confessou Renan, ao admitir a realização do sarau numa entrevista à Folha de S.Paulo. “Continua o terror institucional e não podemos deixar o STF sozinho”, delirou. O emedebista alagoano acrescentou também que o grupo tivera encontros individuais com Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli, também ministros do Supremo.

“O alvo da conversa desse jantar foi o presidente Jair Bolsonaro e o inquérito das milícias digitais que se uniu ao ataque às urnas eletrônicas”, afirmou José Maria Trindade, correspondente da Jovem Pan em Brasília e integrante dos Pingos nos Is. “Dessa conversa saiu o nome da Jovem Pan e a independência dos Pingos nos Is ao falar sobre eleições e urnas eletrônicas. Essa união, que é uma novidade, entre o Supremo Tribunal Federal e a elite do Congresso Nacional é perigosa.” Rodrigo Pacheco considerou Augusto Nunes especialmente perigoso para a solidez das instituições.

A primeira ofensiva

O início dos ataques contra a Jovem Pan ocorrera nove meses antes. Um requerimento de Renan Calheiros, relator da CPI da Covid, pediu a quebra do sigilo bancário da empresa. O documento acusava a rádio de disseminar fake news e integrar um “gabinete do ódio” que nunca existiu. A emissora retrucou com um duro comunicado escrito por Augusto Nunes e lido por Joseval Peixoto. No dia seguinte, os articuladores do requerimento recuaram. “O próprio senador Renan ficou muito chateado, porque não tinha conhecimento, pediu para retirar e vai falar sobre isso hoje”, desculpou-se Omar Aziz, presidente da comissão. “Não cabe a nós quebrar sigilo de emissora de rádio e televisão ou coisa parecida. Não tem nada a ver com a CPI. Nosso comportamento, indiferente de posicionamento editorial, tem de dar liberdade à imprensa para se posicionar.”

A primeira rendição

Na noite do jantar oferecido por Kátia Abreu, Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da emissora, estava fora do Brasil, assim como Augusto Nunes. Foi Marcelo Carvalho, irmão de Tutinha e diretor da empresa, quem decidiu que a Jovem Pan não mencionaria o episódio. Até então, Os Pingos nos Is não havia sofrido qualquer restrição.

Idealizado por Tutinha, Os Pingos estreou em 28 de abril de 2014, ancorado pelo jornalista Reinaldo Azevedo, com a participação de Mona Dorf e Patrick Santos. O programa foi um sucesso desde o nascimento, logo alcançando a média de 100 mil ouvintes por minuto — na época, não era transmitido pela TV ou internet. Hoje partidário de Lula, Reinaldo era um dos mais ferozes críticos do PT, que atacou fortemente nos livros O País dos Petralhas e O País dos Petralhas II — O Inimigo Agora É o Mesmo.

Em 3 de julho de 2017, o comando dos Pingos foi assumido por Joice Hasselmann. A bancada era formada por Felipe Moura Brasil e Claudio Tognolli, substituído em 10 de outubro por Augusto Nunes, que recebeu de Tutinha a missão de elevar a audiência do programa, então em queda. Joice foi afastada, Felipe tornou-se âncora e José Maria Trindade completou a bancada ao lado de Nunes. Um marco na história dos Pingos aconteceu em 24 de setembro de 2018, quando Jair Bolsonaro, hospitalizado no Albert Einstein, concedeu a Nunes a primeira entrevista depois do atentado em Juiz de Fora. A partir daí, a audiência passou a subir expressivamente.

Às vésperas da eleição, a pedido da coligação lulista, o TSE determinou que a Jovem Pan afirmasse que o ex-presidente era inocente

O programa chegou ao auge em 2020, quando se consolidou o time formado por Nunes, Guilherme Fiuza, Ana Paula Henkel, José Maria Trindade e Vitor Brown. Só no YouTube, eram mais de 200 mil visualizações ao vivo, número que ultrapassava 1 milhão de espectadores em poucas horas. Na mesma época, Tutinha pediu a Nunes que montasse um programa de entrevistas campeão de audiência nas noites de segunda-feira.

O pedido foi atendido logo na estreia do Direto ao Ponto, em outubro daquele ano. A entrevista com o vice-presidente, general Hamilton Mourão, teve mais de 1 milhão de visualizações. A marca seria batida diversas vezes nas semanas seguintes, somando mais de 100 milhões de visualizações nas 99 entrevistas realizadas.

A segunda ofensiva

O sucesso crescente também aumentou a ciumeira de outros veículos, indignados também com o viés direitista da empresa que lançara a TV Jovem Pan News. Em agosto e setembro, a revista Piauí publicou uma série de reportagens acusando-a de ser “o braço mais estridente do bolsonarismo” (como se um braço pudesse ser estridente) e Os Pingos nos Is de “dar eco a ideias extremistas” (como se as paredes de um estúdio tivessem a mesma ressonância das que delimitam as melhores salas de teatro). O surto da Piauí tem origens evidentes. Enquanto a Jovem Pan só tem crescido, a revista que sobrevive graças ao dinheiro do banqueiro João Moreira Salles viu sua tiragem despencar de quase 40 mil exemplares, em 2018, para pouco mais de 20 mil, em 2021.

O alarido foi ampliado por um “braço estridente” — a Folha, que acusou a Jovem Pan de ser beneficiada por verbas do governo federal e receber tratamento privilegiado do YouTube. Segundo o jornal, a big tech estaria sugerindo os vídeos da emissora com frequência para os usuários da plataforma. “O grupo Jovem Pan repele, enfaticamente, as falsidades divulgadas em suspeita parceria pela revista Piauí e pela Folha”, informou a emissora, num editorial escrito e lido por Augusto Nunes. “Ao contrário do que afirmam a publicação semiclandestina que se arrasta em menos de 30 mil exemplares e o jornal decadente, as relações entre a Pan e o YouTube são normais.” A tiragem da Folha caiu de mais de 100 mil exemplares, em 2018, para cerca de 55 mil, em junho deste ano. O YouTube desmentiu o conteúdo das reportagens.

A segunda rendição 

A campanha eleitoral mal começara quando a Jovem Pan decidiu anexar a seus programas a figura do “contraponto”. No caso dos Pingos nos Is, Diogo Schelp foi o escalado. Os demais integrantes sempre afirmaram que o contraponto ao programa era feito por todas as emissoras e todos os jornais, que vocalizavam sem exceções o discurso esquerdista. A Rede Globo, por exemplo, não dá espaço a um único jornalista de direita e jamais foi cobrada por isso.

A terceira ofensiva

Com o início da campanha eleitoral, cresceu a ofensiva — agora estimulada pelo Tribunal Superior Eleitoral, em geral e, particularmente, por seu presidente, Alexandre de Moraes. A duas semanas da eleição, o TSE proibiu alusões à situação judicial de Lula. Um dos advogados da empresa interpretou a ordem com extraordinário rigor. Para livrar-se de punições das quais fazia parte uma multa pesadíssima, a Jovem Pan proibiu os comentaristas de associarem ao ex-presidente um punhado de expressões. Exemplos: ladrão, ex-presidiário, descondenado e amigo de ditadores.

Dias depois de oficializar a censura prévia, o TSE sustentou num vídeo que apenas exigira o cumprimento do direito de resposta. Foi apoiado por militantes de esquerda, que atribuíam a censura à própria Jovem Pan. Durante o programa, Nunes não perdeu a oportunidade de driblar o cerco: “Autorizado pelo site oficial do TSE, digo que o Lula é ladrão, amigo de ditadores, ex-presidiário e descondenado”.

A terceira rendição

Às vésperas da eleição, a pedido da coligação lulista, o TSE determinou que a Jovem Pan afirmasse que o ex-presidente era inocente. “Em resposta às declarações dos jornalistas Ana Paula Rodrigues Henkel, Guilherme Fiuza e Roberto Bezerra Motta no programa Os Pingos nos Is, da Jovem Pan News, é necessário restabelecer a verdade”, dizia o comunicado do PT. “O Supremo Tribunal Federal confirmou a inocência do ex-presidente Lula, derrubando condenações ilegítimas impostas por um juízo incompetente. “A ONU reconheceu que os processos contra Lula desrespeitaram o processo legal e violaram seus direitos políticos. Lula venceu também 26 processos contra ele. Não há dúvida: Lula é inocente.” Guilherme Fiuza e Ana Paula Henkel também ficaram fora dos Pingos naquela semana. Oficialmente, o trio voltaria em 31 de outubro, um dia depois da apuração, e o programa retomaria a antiga fórmula, sem contraponto.

“No momento em que órgãos de imprensa são proibidos de se manifestar no período pré-eleitoral, em que se pode dizer ‘não publique essa notícia’, ainda mais por antecipação, e retirar, inclusive, o aspecto financeiro de alguns veículos, isto é censura”, afirmou o jurista Ives Gandra Martins, em entrevista a Oeste. “O artigo 220 da Constituição Federal fala da liberdade absoluta de comunicação. Sete cidadãos do TSE dizem o que é e o que não é democracia, pessoas que não foram eleitas pelo povo. Tenho a impressão de que vivemos um momento terrível para a democracia brasileira.”

A capitulação

Na manhã de segunda-feira, começaram as demissões, que resultaram no desligamento de Augusto Nunes, Guilherme Fiuza, Caio Coppolla, Cristina Graemel, Fabiana Barroso, Carla Cecato e Guga Noblat. O petista Noblat foi afastado por não ter defendido a empresa afetada pela censura imposta pelo TSE. Os demais foram punidos por terem defendido a empresa afetada pela censura imposta pelo TSE. Talvez por isso, Noblat afirma que não entendeu direito por que perdeu o emprego. Tutinha jura que a orientação ideológica do grupo não vai mudar. Procurado por Oeste, não respondeu às mensagens. Nunes está impedido por contrato de se manifestar sobre o caso.

No cabo de guerra com a Jovem Pan, Alexandre de Moraes venceu.

Revista Oeste

O BRASIL DA DESORDEM

 Como pode haver democracia num país em que o alto judiciário dá a si próprio o direito de mandar em tudo?

J.R. Guzzo


O Brasil continua a caminhar, agora com passo mais rápido, para uma situação de desordem. O encerramento de uma eleição presidencial é sempre o fim da guerra e o começo da paz, sobretudo se é você quem ganha. Não no Brasil de hoje. A eleição acabou, Lula, a esquerda e o STF ganharam — mas em vez de uma volta à normalidade o que está se vendo, por parte dos ganhadores, é a promoção das tensões, o esforço para eliminar adversários e o avanço das ações totalitárias. Lula disse em seu primeiro discurso depois da eleição que quer governar o país “para todos”, e não apenas para os que votaram nele. Seria excelente se ele tivesse realmente essa intenção — e os meios práticos para fazer o que promete. Mas os primeiros dias que se seguiram à proclamação dos resultados pelo TSE indicam o contrário de uma pacificação geral. O ambiente é de reforço do regime de exceção criado pelo alto judiciário nos últimos anos — e da emergência, em torno do novo presidente, de um PT e uma esquerda mais extremistas, mais violentos e mais empenhados do que nunca em demolir com a sua “democracia popular” — a única que aceitam — a democracia das liberdades públicas, dos direitos individuais do cidadão e do respeito à lei.

Qual a lei que permite ao chefe da “justiça” eleitoral se intrometer em greve de motorista de caminhão?

O movimento dos caminhoneiros, que bloqueou estradas por todo o Brasil em protesto contra o resultado das eleições (veja matéria nesta edição) foi, sem dúvida, um fator de agitação — e, além disso, uma agressão clara ao direito de ir e vir, ao impedir o uso das mesmas estradas para todos os cidadãos. O consórcio esquerda-mídia-judiciário, naturalmente, explodiu em indignação automática contra esses “atos antidemocráticos” e contra o que descreveu como a “conivência” do governo com os caminhoneiros. Mas não é aí que está o foco da infecção. De um lado, e em meio a exigências histéricas de repressão ao movimento, o presidente da República acabou tendo a atuação mais efetiva de todas para acalmar os ânimos, ao pedir o fim dos bloqueios e o cumprimento da lei. De outro, os indignados com as ameaças à “democracia” são exatamente os mesmos que continuam a desrespeitar as leis e a bloquear o funcionamento normal dos mecanismos democráticos — ou os que lhes dão apoio.

O que pode haver de democrático na atuação do ministro Alexandre de Moraes em relação aos caminhoneiros? O ministro, na sua condição oficial de presidente do TSE, expediu ordens, exigiu providências, ameaçou a Deus e a todo mundo com punições extremadas. Mas a eleição não acabou? O seu dever funcional não está encerrado? Qual a lei que permite ao chefe da “justiça” eleitoral se intrometer em greve de motorista de caminhão? Ou em qualquer coisa que não tenha a ver com as suas funções legais de organizador da votação e da apuração dos votos? Como faz com o seu inquérito perpétuo contra tudo o que ele considera “atos antidemocráticos”, Moraes parece estar criando a eleição sem fim — continua a baixar decretos como fez sem parar durante a campanha eleitoral. Se ele se permite a entrar no movimento dos caminhoneiros, que deve ser tratado — e foi — com os instrumentos legais em vigor, porque não entraria na lei do zoneamento urbano, no horário de funcionamento da alfândega ou naquilo que lhe der na telha? Ninguém iria dizer nada, a começar pelos seus colegas de STF; não disseram agora, não disseram em seus três anos de inquérito ilegal e não vão dizer nunca. O ministro Moraes criou um governo paralelo no Brasil. Imaginou-se que seu propósito era tirar o presidente Bolsonaro da presidência e colocar Lula no seu lugar. Conseguiu, junto com os seus colegas, aquilo que pretendia. Qual o sentido de continuar fazendo, depois das eleições, o que tem feito até agora? Perseguir os opositores do futuro governo Lula? Isso é desordem — um passo a mais na caminhada que começou quatro anos atrás, quando a esquerda e o STF não admitiram a vitória de Bolsonaro nas eleições e 2018 e lançaram o projeto de sabotar seu governo e de impedir a sua reeleição.

O último ataque feito por Barroso às instituições e ao sistema legal do Brasil é um despacho que revoga, para efeitos práticos, o direito à propriedade privada da terra

O ministro Moraes, naturalmente, não é o único a operar esse governo paralelo. Um dos seus acionistas mais agressivos é o ministro Luís Roberto Barroso. Ele está empenhado, cada vez mais, em impor aos cidadãos obrigações que não existem nas leis. Serve-se de seu cargo no STF para desapropriar os poderes do Congresso e para escrever legislação por conta própria. Pior que tudo, está socando em cima da população o modelo pessoal de Brasil que tem em sua cabeça. Não é o Brasil que está definido na Constituição Federal, ou no resto do sistema legal em vigência no país. Como outros colegas, Barroso acredita que esse estado de coisas está “errado”, que nem o Legislativo e nem o Executivo têm capacidade para consertar os erros e que cabe ao STF, portanto, a tarefa de “melhorar” a sociedade. É a “justiça propositiva”, ou “ativismo judicial”. O Brasil, de acordo com os seus princípios, tem de se comportar como o ministro Barroso e os colegas acham que deve, e não como a lei determina; o único desenho que serve é o desenho deles mesmos, excluindo-se todos os demais. E quem está em desacordo com o desenho dos ministros? Não teria o direito de argumentar que só o Congresso, onde é representado, tem autorização para decidir como a sociedade brasileira deve ser? Não, não tem direito a nada. Tem apenas de obedecer aos ministros e viver no país que eles querem.

O último ataque feito por Barroso às instituições e ao sistema legal do Brasil é um despacho que revoga, para efeitos práticos, o direito à propriedade privada da terra — rural e urbana, pelo que deu para entender. Ele vinha cozinhando a coisa já há tempo; assim que foi proclamada a vitória de Lula, anunciou a sua decisão. A partir de agora, os juízes não podem mais dar sentenças de reintegração de posse, devolvendo aos seus legítimos donos propriedades que foram invadidas — mesmo nas ações em que já se decidiu a desocupação das áreas. Tribunais de justiça estaduais e tribunais regionais federais devem instalar “imediatamente” comissões de “conflitos fundiários”, que passam a fazer “inspeções judiciais” e “audiências de mediação” antes de qualquer decisão que determine a devolução da área ocupada a seus proprietários. As “comunidades afetadas” têm de ser ouvidas e o seu “direito à moradia” tem de ser “respeitado”; não pode haver, “de forma nenhuma”, separação dos membros de uma família. Ou seja: de hoje em diante, segundo Barroso, o cidadão que teve a propriedade invadida não pode pedir que a justiça devolva o que lhe pertence legalmente; tem de negociar o seu direito com o invasor, dentro das tais “comissões”. Também não pode se defender por conta própria. E se o MST, ou os movimentos de “sem teto” não quiserem sair, ou se não for feito acordo nenhum na “comissão” durante os próximos 25 anos? Não se sabe.

É tudo absolutamente ilegal. Que lei permite ao STF fazer uma coisa dessas? Quem autorizou o ministro ou o STF a criarem regras que mudam o exercício do direito de propriedade? As “comissões” de que fala o despacho não existem na legislação brasileira; só existem no mundo mental de Barroso. Quem vai estabelecer quantos membros elas devem ter, quem serão eles, quais os procedimentos que se devem seguir, que prazos tem de ser cumpridos? Quem tem sua propriedade invadida faz o que, enquanto isso tudo não se resolve? A alegação, da pior qualidade, é que a propriedade tem de se subordinar a uma “função social”. E por acaso são os ministros do STF que decidem qual é a “função social” disso ou daquilo? É uma alucinação. O direito à propriedade faz parte das chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição — aquelas que não podem ser mudadas nem com a aprovação de um projeto de emenda constitucional. Está entre os direitos fundamentais do cidadão brasileiro, estabelecidos no artigo 5 da lei fundamental da nação. Mas e daí? Para o STF não existe cláusula de pedra, ou de qualquer material — a única coisa que vale é a vontade dos ministros. É democracia, isso? Como pode haver democracia num país em que o alto judiciário dá a si próprio o direito de mandar em tudo? Não pode; só pode haver tumulto.

Os militares, hoje, são a última barreira que separa o Brasil de uma ditadura esquerdosa, do modelo Venezuela-Cuba-Nicarágua, e garante as liberdades constitucionais para o cidadão brasileiro

No mesmo momento em que ministro Moraes cria o estado de eleição perpétuo e o ministro Barroso revoga o direito à propriedade privada tal como ele é definido em lei, o PT se agita para jogar mais combustível na fogueira da desordem. Sua última ação é mexer com os militares. As Forças Armadas estão quietas desde que o general João Figueiredo encerrou o seu mandato como presidente da República, em 1985. De lá para cá, nunca mais interferiram em nada; não deram um pio durante os governos Lula-Dilma, não criaram problema nenhum para o regime democrático, não colocaram o mínimo obstáculo para a normalidade da campanha eleitoral ou para a volta de Lula à presidência. Têm agido de forma estritamente profissional e apolítica — não se sabe, francamente, o que estariam fazendo de errado, ou por que teriam de mudar alguma coisa. Mas o PT, mal encerrada a votação, já começa a inventar um “problema militar” no Brasil; na verdade, quer mudar os fundamentos que regem as Forças Armadas para transformá-las numa parte do aparelho petista, como um departamento qualquer lotado de companheiros” e obediente em tudo aos donos do governo.

Os militares, hoje, são a última barreira que separa o Brasil de uma ditadura esquerdosa, do modelo Venezuela-Cuba-Nicarágua, e garante as liberdades constitucionais para o cidadão brasileiro. O PT, já há muito tempo, quer eliminar esse estorvo aos seus projetos — acha que nunca conseguirá mandar 100% no Brasil enquanto as Forças Armadas forem o que são hoje. Agora, ainda a dois meses da posse de Lula, já falam em “reforma” do Exército, Marinha e Aeronáutica. Querem criar uma “Guarda Nacional” que substituirá Exército como a principal força armada do país e servirá de milícia para executar ordens do governo. Falam em eliminar o artigo 142 da Constituição, que prevê intervenção militar em caso de ameaça às instituições. Propõem um “comando político” para o Exército, e a substituição do atual sistema de promoções dos oficiais, baseado em critérios objetivos de mérito, por um modelo em que o governo nomeia quem sobe de patente. Pretendem mudar os currículos das academias de formação de oficiais — e fazer a “integração” das Forças Armadas brasileiras aos exércitos da “América Latina”, com o consequente rompimento de seus pontos de contato com o sistema de defesa dos Estados Unidos.

O que pode sair de bom disso aí? Rigorosamente nada — de novo, como no caso do STF, é uma agressão grosseira ao que está escrito na Constituição, e um fator de agitação pura e simples para a normalidade da vida nacional. Qual o problema concreto do Brasil que essas mudanças vão resolver? O que o brasileiro vai ganhar de útil com qualquer uma delas? Quem, a não ser o PT, tem o mínimo interesse em alguma dessas mudanças? Essa é, mais que qualquer outra, a questão central no Brasil de hoje — a ameaça objetiva à manutenção da democracia, através da anulação das regras constitucionais e da promoção da desordem. Com certeza, há preocupações sérias com a gestão da economia, com a volta da corrupção (agora garantida oficialmente pelas decisões do STF) e com a retomada do processo de destruição da Petrobras e outras estatais. Mas é a liquidação do regime democrático que aparece como o pior de tudo. O PT, a esquerda e o STF, mais a mídia em peso, estão falando há quatro anos que Bolsonaro é o maior perigo que jamais surgiu para a democracia brasileira; a única salvação era votar em Lula. Pois aí está: não há mais Bolsonaro nenhum, e querem continuar violando a lei para salvar as “instituições”, o estado de direito e todas as virtudes presentes sobre a face da Terra. É muito cedo, obviamente, para dizer que o governo Lula vai ser assim ou assado; ele não anunciou, sequer, os nomes dos seus principais ministros, nem deu alguma pista decente sobre o que pretende fazer, fora a declaração sobre um Brasil de “todos”. Sabe-se, com certeza, que a política fundamental de Lula é cuidar dos seus próprios interesses; se for bom para ele, qualquer coisa serve. Também é certo que nunca presidiu o país com um PT tão extremista como o de hoje, nem com um Supremo que se comporta como esse, e nem com uma mídia que está à esquerda de ambos. Se achar que o seu melhor interesse não está aí, a coisa tenderia a se acalmar. Se achar que a “democracia popular” lhe dará a chance de não sair nunca mais do governo, vai apostar tudo na desordem.

Revista Oeste

A SUPREMA COLHEITA