Decisão atendeu ao pedido de senador que integra campanha de Lula; a solicitação do parlamentar foi feita em outro inquérito
A quebra de sigilo bancário e o bloqueio de contas de oito empresários suspeitos de defender um golpe de Estado no Brasil não foram solicitadas pela Polícia Federal ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Segundo a polícia, eles pediram apenas a busca e apreensão dos celulares dos envolvidos.
O pedido foi acatado por Moraes, que ampliou a determinação para a quebra dos sigilos bancários e bloqueio de contas do grupo. A decisão do ministro acabou atendendo a um pedido formulado em outra ação pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que integra a campanha do candidato à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A petição foi feita no inquérito que apura a existência de milícias digitais.
No início da decisão, que tem 32 páginas, ao trazer as informações sobre o caso e os pedidos formulados em relação aos empresários, Moraes cita o trecho da petição do senador. No documento, o parlamentar pede que sejam apurados os fatos noticiados "com a imediata remessa ao Ministério Público e à Polícia Federal para a tomada de depoimento dos envolvidos, a quebra dos sigilos, o bloqueio de contas e as necessárias prisões preventivas”.
Na semana passada, por determinação de Moraes, a PF realizou uma operação que teve como alvo empresários suspeitos de defender um golpe de Estado no Brasil, caso o presidente Jair Bolsonaro (PL) perca a eleição neste ano, em um grupo de troca de mensagens.
Na decisão, o magistrado justificou que "os indícios trazidos aos autos revelam a necessidade de bloqueio de contas bancárias que possam financiar a organização criminosa, sendo importante destacar, conforme representação da autoridade policial, que 'os envolvidos não negam a autoria das mensagens, o que demonstra a necessidade das ações ora propostas para que o Estado não se fie somente em informações de fontes abertas e consiga aprofundar para completo esclarecimento dos fatos'".
O ministro do STF é relator de um inquérito que apura a existência de milícias digitais antidemocráticas. Moraes defendeu que, no caso envolvendo os empresários, os requisitos para quebra de sigilo foram "plenamente atendidos". "Os elementos de prova colhidos até o momento revelam fortes indícios de prática de delitos por pessoas devidamente individualizadas, sendo indispensável a obtenção dos dados bancários e telemáticos para a elucidação dos fatos", afirmou.
O ministro ainda disse que "o poder de alcance das manifestações ilícitas fica absolutamente potencializado considerada a condição financeira dos empresários apontados como envolvidos nos fatos, eis que possuem vultosas quantias de dinheiro, enquanto pessoas naturais, e comandam empresas de grande porte, que contam com milhares de empregados, sujeitos às políticas de trabalho por elas implementadas".
"Esse cenário, portanto, exige uma reação absolutamente proporcional do Estado, no sentido de garantir a preservação dos direitos e garantias fundamentais e afastar a possível influência econômica na propagação de ideais e ações antidemocráticas", defendeu.
Para Vera Chemin, especialista em direito constitucional e mestra em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV), o magistrado pode tomar decisões por iniciativa própria, sem pedidos da Polícia Federal ou da PGR, mas ela diz que a medida é polêmica e que o comum é que o Judiciário tome decisões com base em uma solicitação anterior.
"O normal seria que ele [Alexandre de Moraes] tomasse essas medidas se elas fossem solicitadas pela PGR que, por sua vez, estaria amparada em um pedido da PF. Ele pode fazer isso por iniciativa própria, mas é polêmico", explicou.
Pedido da PF
No pedido de busca e apreensão dos telefones dos empresários, a PF aponta o receio de que eles pudessem usar da sua influência para organizar atos antidemocráticos. No documento, a PF diz que existem indícios de que os empresários atuavam com o mesmo objetivo, de "atacar integrantes de instituições públicas, desacreditar o processo eleitoral brasileiro, reforçar o discurso de polarização; gerar animosidade dentro da própria sociedade brasileira, promovendo o descrédito dos Poderes da República, além de outros crimes".
"Mensagens de apoio a atos violentos, ruptura do Estado democrático de Direito, ataques ou ameaças contra pessoas politicamente expostas têm um grande potencial de propagação entre os apoiadores mais radicais da ideologia dita conservadora, principalmente considerando o ingrediente do poder econômico e político que envolvem as pessoas integrantes do grupo”, destaca o documento.
Aras e empresários
Na última segunda-feira, Moraes pediu à PGR (Procuradoria-Geral da República) que se manifestasse sobre um pedido feito por senadores para que seja retirado o sigilo de mensagens que teriam sido trocadas entre o procurador-geral Augusto Aras e os empresários investigados pela Polícia Federal.
Empresários se defendem
Na semana passada, os empresários lamentaram a operação e afirmaram que são vítimas de perseguição política e de denúncias falsas. Um dos alvos da ação, Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamentos Havan, disse que as opiniões dos empresários não podem ser entendidas como crime.
"Que eu saiba, no Brasil, ainda não existe crime de pensamento e opinião. Em minhas mensagens em um grupo fechado de WhatsApp está claro que eu nunca, em momento algum, falei sobre golpe ou sobre STF [Supremo Tribunal Federal]", declarou.
A defesa de Meyer Nigri, fundador da construtora Tecnisa, afirmou que o empresário rechaça "qualquer envolvimento com associação criminosa ou práticas que visam à abdicação do Estado democrático ou preconizam golpe de Estado".
De acordo com os advogados, Nigri respondeu a todas as perguntas formuladas pela Polícia Federal durante a operação e concordou em ser ouvido para colaborar com as investigações. A defesa disse que o empresário "reafirmou sua firme crença na democracia e seu respeito incondicional aos poderes constituídos da República".
Afrânio Barreira, dono da rede de restaurantes Coco Bambu, reclamou de que "a operação é fruto de perseguição política e de denúncias falsas, as quais não têm nenhum fundamento". Segundo a defesa, o empresário está "absolutamente tranquilo e colaborando com a busca da verdade, a qual resultará no arquivamento da investigação".
Ivan Wrobel, sócio da W3 Engenharia, criticou o material jornalístico que o acusa de defender um golpe de Estado no país. "A matéria não buscou conhecer a biografia e o pensamento do sr. Ivan antes de atacá-lo. E a tentativa banal de ouvi-lo 'pro forma' apenas deixa evidente a falta de imparcialidade no vazamento de conversas particulares", respondeu a defesa do empresário.
Os advogados afirmaram: "Transmitir fake news a respeito de pessoas que levam uma vida correta, pagam seus impostos e contribuem com a sociedade não parece que seja um caminho que se deva perseguir".
"O sr. Ivan teve a sua honra e a sua credibilidade abaladas simplesmente por participar de um grupo de WhatsApp", destacaram. Ainda segundo a defesa, Wrobel vai colaborar com o que for preciso para demonstrar que as acusações contra ele não condizem com a realidade dos fatos.
Marco Aurélio Raymundo, fundador da rede de vestuário Mormaii, também se manifestou por meio dos seus advogados. De acordo com a defesa, o empresário "ainda desconhece o inteiro teor do inquérito, mas se colocou e segue à disposição de todas autoridades para esclarecimentos".
Luiz André Tissot, José Isaac Peres e José Koury, do Barra World Shopping, não se manifestaram à época quando procurados pelo R7.
R7 e Correio do Povo