por Julio Wiziack e Mariana Carneiro
Ministro Edson Fachin contrariou o Tesouro e permitiu que Rondônia parcelasse dívida atrasada
A recente vitória de Rondônia contra a União no STF (Supremo Tribunal Federal) abriu um precedente para que outros estados que refinanciaram suas dívidas possam postergar as parcelas em atraso.
O processo foi relatado pelo ministro Edson Fachin, que, há cerca de duas semanas, concedeu o desbloqueio de repasses federais para Rondônia e o parcelamento, em dois anos, de R$ 126 milhões da dívida total refinanciada que o estado deixou de pagar desde 2014.
Durante a fase de conciliação aberta pelo ministro Fachin, o Tesouro Nacional afirmou que o não pagamento compromete ainda mais a situação de Rondônia e que o parcelamento configura uma operação de crédito da União com o estado, o que é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
Para a AGU (Advocacia-Geral da União), que defende a União, a dívida está constituída e, por se tratar de uma execução, poderia ser feito o parcelamento.
Nos bastidores, advogados da AGU pressionaram o Tesouro em nome do “interesse público”. Disseram que seria melhor receber em quatro vezes, como chegou a propor o governo de Rondônia, do que em dois anos. Mas, no final, a AGU defendeu a Fazenda.
Diante do impasse, Fachin decidiu permitir o parcelamento. O ministro entendeu que Rondônia deveria ter o mesmo direito dado aos demais estados que ingressaram no programa de refinanciamento de dívidas aberto pelo governo federal em 2016.
O prazo de adesão venceu no final do ano passado.
Segundo o secretário de Finanças de Rondônia, Franco Maegaki Ono, todos que aderiram ao programa de refinanciamento tiveram a carência de dois anos.
“Nós teríamos direito a essa ‘escadinha’, mas como estávamos sob efeito de liminar [STF autorizou o não pagamento], não pagamos”, disse Ono. “Os demais estados já se utilizaram desse parcelamento. Nós, não. É uma situação diferenciada.”
O balanço mais recente do Tesouro mostra que, dentre os 21 estados com refinanciamento em curso, seis não solicitaram o parcelamento de dívidas não pagas por decisão do STF. Rondônia está entre eles. Outros oito ainda estão sob análise. Somente quatro foram deferidos.
Para o Tesouro, a decisão de Fachin abriu caminho para que esses 14 estados também consigam renegociar suas parcelas não pagas por decisão do Supremo.
Por meio de sua assessoria, o Tesouro diz que “parcelamentos judiciais, como esse autorizado pelo STF, transferem para as próximas gestões dívida que deveria ser honrada pela atual administração”.
“Ao permitir parcelamentos sem avaliação dos riscos de inadimplência e comprometimento fiscal, enfraquecem-se e desautorizam-se os ditames básicos da Lei de Responsabilidade Fiscal”, disse o Tesouro.
“Isso serve de estímulo para que outros entes da federação ajam de forma pouco prudente na gestão fiscal.”
A situação é dramática. Os estados têm R$ 476 bilhões refinanciados, e a retomada econômica ocorre em ritmo mais lento que o previsto, o que prejudica a arrecadação. São Paulo (R$ 225,2 bilhões), Minas Gerais (R$ 74,8 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 68,2 bilhões) são os mais endividados.
Como parte da renegociação, vinte estados se comprometeram a fazer reformas para assegurar que a dívida não cresça acima da inflação.
Parte dessa reestruturação foi a edição de leis estaduais para travar o crescimento de gastos à inflação do ano anterior —a chamada de “regra do teto”.
“O essencial no relacionamento fiscal entre a União e os estados é assegurar um endividamento sustentado”, disse à Folha a secretária-executiva da Fazenda, Ana Paula Vescovi.
“Para isso, são fundamentais incentivos alinhados por meio do PAF [como foi batizado o programa de refinanciamento de 2016], a reforma da Previdência, a desvinculação de receitas e as regras que regem carreiras do serviço público, diz Vescovi”
Segundo a secretária, neste ano, os 20 estados já teriam de estar enquadrados pelo teto.
Essa avaliação será feita no ano que vem, mas há sinais de que boa parte descumpriu a regra —muitos não realizaram todas as reformas previstas ou se valeram de decisões judiciais para contratarem novos endividamentos ou parcelarem dívidas renegociadas. Ou seja: tudo isso, no final, significa aumento da dívida devido à incidência de juros.
Os pagamentos feitos pelos estados são usados pela União para o abatimento da dívida pública. “O não pagamento obriga a União a emitir mais títulos públicos, e o custo é suportado por toda a população”, diz o Tesouro.
Como forma de estimular as boas práticas, o Ministério da Fazenda prepara uma portaria que incentiva os estados a “fazerem a lição de casa”.
A ideia é permitir que, aqueles que se enquadrarem, poderão usar possíveis folgas no teto de gastos para tomarem novos empréstimos —com ou sem garantias da União.
Essa folga, batizada de espaço fiscal, será definida levando-se em conta a capacidade de pagamento, o nível de endividamento e a receita corrente líquida. Esse indicador será recalculado uma vez a cada ano.
Consultada, a assessoria da AGU disse que, na conciliação com Rondônia no STF, defendeu a mesma tese do Ministério da Fazenda e que, agora, analisa “a estratégia processual a ser adotada em relação à decisão do ministro Fachin”.
O Ministério da Fazenda não quis comentar sobre a divergência com a AGU.
O ministro do STF Edson Fachin não respondeu até a conclusão desta reportagem.
Fonte: Folha Online - 01/10/2018 e SOS Consumidor
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