Serviços de ambulância têm papel essencial e enfrentam obstáculos logísticos
Serviços de ambulância tem papel essencial e enfrentam obstáculos logísticos | Foto: Guilherme Almeida
Eles trabalham dia e noite para salvar vidas. Em sua linguagem, estão sempre em QAP (código adotado internacionalmente que significa “na escuta”), ou seja, à disposição de quem mais precisa. Esses são os profissionais do resgate, tanto os do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), quanto os voluntários de grupos que atuam em formato de Organização Não Governamental (ONG).
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), atualmente o Rio Grande do Sul conta com 161 bases do Samu. Por meio de pactuação entre os gestores locais, atendem 286 municípios, totalizando 10.259.390 habitantes, o que representa 90,89% da população gaúcha. O governo do Estado repassa aos municípios, mensalmente, R$ 90 mil para cada Unidade de Suporte Avançado (USA) e o Ministério da Saúde, R$ 38,5 mil. A USA é a ambulância que faz os atendimentos de maior complexidade. Àqueles que têm a Unidade de Suporte Básico (USB), a SES destina, como forma de custeio, R$ 10.232,09 mensais e o Ministério da Saúde, R$ 13.125,00.
Para as motolâncias, o valor é de R$ 3,5 mil e do governo federal, R$ 7 mil. Através da SES, o valor repassado como contrapartida no Programa Samu 192, em 2017, foi de R$ 60.035.984,68. As motolâncias, criadas para dar ainda mais agilidade ao atendimento, ainda não estão na maioria das cidades. Somente 17 contam com esses veículos. Porto Alegre ainda não oferece o serviço, porém, na região Metropolitana, São Leopoldo atendem com as unidades, que exigem treinamento e cuidado.
O Samu é um programa tripartite, reúne União, Estado e municípios, que tem como objetivo chegar precocemente à vítima após ter ocorrido um agravo à sua saúde (de natureza clínica, cirúrgica, traumática, obstétrica, pediátricas, psiquiátricas, entre outras). O serviço por meio do 192 é gratuito e funciona 24 horas por meio da prestação de orientações e do envio de ambulâncias por equipe capacitada.
Porto Alegre é uma das cidades do Estado que possui regulação própria, assim como Caxias do Sul e Pelotas. A data do início do serviço móvel pré-hospitalar é controverso. A SES diz que o atendimento começou em 1996, com o Samu Porto Alegre, mas há relatos de que o serviço teria iniciado um ano antes. A primeira base implantada pelo Samu estadual foi em 2005, em Canoas, na região Metropolitana.
Porto Alegre
Diferente da maioria das cidades que possuem o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, Porto Alegre tem uma central reguladora, localizada na avenida Ipiranga, no bairro Partenon. O coordenador do Samu de Porto Alegre, Marcos Mottin, diz que toda a Capital é coberta pelo serviço e o número de atendimentos diários variam. No dia 14 de maio, por exemplo, foram 850 ligações, sendo que apenas 35% destas são ocorrências. “Muitos são casos de orientações, 59 foram trotes, ligações repetidas, interrompidas ou de engano e 188 para pedir informações”, conta o profissional. Atualmente, os principais horários de pico são no fim da manhã e no fim da tarde, até as 23h.
Segundo Mottin, a maioria dos atendimentos feitos pelo serviço na Capital são cardiológicos, respiratórios e neurológicos. Cerca de 30% incluem crises asmáticas, dor torácica, Acidente Vascular Cerebral (AVC) e trauma (arma de fogo, branca e agressões). Há ainda os chamados psiquiátricos, que são 15%, em que estão incluídos casos que vão de surto psicótico até drogadição.
A cidade tem 12 ambulâncias básicas e três avançadas. Elas estão distribuídas nas unidades dos bairros Belém Novo, Restinga, Lomba do Pinheiro, Serraria (unidade avançada), posto da Cruzeiro e Cavalhada, duas no Hospital de Pronto Socorro (HPS), Navegantes, duas na nova base Petrópolis (que compreende Partenon e Bom Jesus), Morro Santana, Centro Vida, Cristo Redentor (avançada na Zona Norte) e avançada na sede do Samu, para atender a área central.
Mottin salienta que também são feitos transportes de urgência, quando o paciente está em risco iminente de vida ou de sequela no lugar em que ele está. “Por exemplo, se há suspeita de AVC e ele está em um pronto atendimento, lá não há estrutura adequada, então a gente regula e remove com máxima urgência. Seguimos protocolos para isso”, afirma. Ele lembra que apenas Porto Alegre é atendida por essas equipes, reguladas pela central própria. “As pessoas querem ajuda, mas muitas vezes não têm bom acesso à atenção primária ou pronto atendimento e recorrem ao Samu. É o serviço mais democrático da cidade. Todos têm acesso. A gente não vê por telefone cor, raça, sexo, se é rico ou pobre, atende igual e da mesma maneira.”
O coordenador explica que, por meio das perguntas feitas pela central e respostas obtidas, o médico regulador faz um diagnóstico sindrômico do pedido de socorro. Se é trauma, clínico, psiquiátrico ou outra demanda. “São vários profissionais na regulação, desde técnicos de telefonia que recebem o chamado até os médicos”, pontua. Os radioperadores, por exemplo, fazem o contato com o solicitante e buscam informações que facilitem a chegada do socorro até o requerente. O profissional avalia o contato, classifica pela tipologia e dispara o recurso mais adequado. “Às vezes não é o melhor recurso, como, por exemplo, disparar a unidade básica que está mais próxima em um caso grave, suspeito de parada cardíaca. Porém, é melhor chegar logo e mandar a avançada para apoio, do que a avançada direto que levará mais tempo.”
O serviço do Samu por meio do 192 é gratuito e funciona 24 horas por meio da prestação de orientações e do envio de ambulâncias por equipe capacitada
80% da frota renovada, mas faltam condutores
Em Porto Alegre, o Samu iniciou o trabalho em 1995, desde lá muita coisa mudou. Em 2018 a cidade está com a frota renovada e com equipamentos recém-adquiridos. “Em abril do ano passado, quando assumi, nossos carros estavam envelhecidos. Hoje os veículos devem ter até cinco anos de uso, depois dá mais prejuízo pelas manutenções”, explica Mottin. De acordo com o coordenador, a manutenção das ambulâncias antigas gastava uma ambulância nova por mês, ou seja, R$ 190 mil. “Nós tínhamos um tempo prolongado fora de atuação para troca de ambulância, tinha 26 para 15 equipes e uma rotatividade alta durante todo o ano passado. Elaborei um relatório e fui até a Secretaria Municipal de Saúde. Hoje 80% da frota é renovada, mais duas devem estar chegando até o segundo semestre.” Mottin diz que há veículos com quatro anos de uso, sendo que os mais antigos são de 2014.
O coordenador frisa que a maior dificuldade encontrada atualmente pelo serviço é a falta de condutores. Sem concurso para as vagas, Mottin elaborou um projeto básico para que fosse feita uma contratação e, em dezembro do ano passado, encaminhou para a Secretaria de Saúde. “Por eles já teria saído, mas há muitos trâmites. Há muita burocracia, é necessário licitação”, pondera. A previsão de saída é para o segundo semestre.
A abertura de vagas é necessária, segundo Mottin, para preencher postos vagos devido à aposentadoria de muitos profissionais, além de outros que tiveram doenças graves que precisaram se afastar. “Hoje são 71 ativos. A necessidade, para ficarmos tranquilos, era de 100 condutores. O contrato para o posto de trabalho é diferente do concurso público, que tem número de horas específicas. O posto segue o regramento da CLT. Vamos preencher todas as vagas, inclusive, o contrato poderá ser aditado em 25% se tivermos necessidade.”
Foco na qualificação
A área do Samu que planeja, organiza, realiza capacitações e atividades com os servidores das diferentes categorias – como equipes de higienização, técnicos auxiliares de regulação médica, radioperadores, médicos, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, condutores e administrativos − é o Núcleo de Educação Permanente (NEP). Conforme a enfermeira Dinorá Cenci, integrante do núcleo da unidade de Porto Alegre, o grupo é formado por ela, o médico Gustavo Laporte – responsável pelas capacitações dos médicos reguladores e assistenciais –, e a técnica de enfermagem Vera Centeno de Souza. “Além das atividades direcionadas ao público interno, nós desenvolvemos com a população em outros dois projetos, o Samuzinho e o Samu Cidadão”, conta.
O primeiro deles teve início em 2013 e focou nas escolas. Os temas abordados eram assuntos voltados aos primeiros socorros e ao próprio Samu. “Buscávamos a redução dos trotes ao 192 que era, na época, próximo dos 30%. Iniciou-se, então, uma parceria direta com a Secretaria de Educação do município, que nos direcionou às escolas que acolhem crianças especiais”, relembra. Atualmente, é realizado o trabalho conforme a agenda do setor e também as demandas das instituições de ensino.
De acordo com Dinorá, a procura tem sido cada vez maior para o público adulto, principalmente professores e cuidadores de crianças e idosos. “Desde o início do projeto foram mais de 10 mil pessoas abordadas. Só em 2017 foram quase 3 mil pessoas. Não tenho o número exato, mas em minha avaliação pessoal, cerca de 40% são crianças, o restante é adulto.” Já o Samu Cidadão é um curso de quatro horas, realizado mensalmente, com o tema dos primeiros socorros. “Quando possível abrimos turmas extras. As aulas ocorrem aqui na nossa sede, com direito a certificado aos participantes e aberto a qualquer interessado.” Desde o início das ações, em julho de 2016, foram certificadas 1.270 pessoas.
Os resultados refletem-se nos números dos chamados feitos ao serviço. “Reduzimos o número de chamados ao Samu, certamente de situações não pertinentes e trotes. Em 2012 foram 454.819 chamados e 2017, 362.841. Totalizamos 26,63% trotes em 2012 e, em 2017, caiu para 10,75%”, diz ela, que lembrou que ele foi caindo de forma gradativa. “Agora chegamos aos 10%.” A enfermeira pede atenção da população, que muitas vezes deixa o aparelho celular nos bolsos ou bolsas e, no balançar, acabam discando sem querer. “Hoje 25,65% dos chamados que recebemos são por ‘engano’, maior parte destes de telefones nos bolsos dos distraídos.” Para agendar o Samuzinho na Escola ou solicitar mais informações, basta entrar em contato pelo e-mail nep.samu@portoalegre.rs.gov.br ou pelo telefone 3289-2539.
Na ONG Anjos do Asfalto, com sede em Gravataí, trabalham de forma voluntária 80 socorristas
Anjos do asfalto: 15 anos de resgate
De médico a professor. De enfermeiro a agente penitenciário. De colegas do Samu a policiais. Essas são algumas das profissões dos cerca de 80 socorristas que atuam no Anjos do Asfalto, com sede em Gravataí, na Região Metropolitana. A ONG, que tem como lema “Uma mão amiga num momento de muito medo e angústia”, é voluntária, filantrópica e sem fins lucrativos. Sempre das 19h das sextas-feiras até as 7h das segundas-feiras, a organização presta atendimento pré-hospitalar (APH) a vítimas de trauma.
O horário diferenciado de atendimento é, justamente, porque a maioria tem outra profissão e utiliza o fim de semana para salvar vidas. Há 15 anos, o Anjos faz o trabalho em Cachoeirinha e Gravataí. Ao longo desse tempo, incontáveis foram os atendimentos feitos. “Em 2017 foram 470 ocorrências em Gravataí e 190 em Cachoeirinha”, diz o vice-presidente, Rafael Oliveira. De acordo com ele, o maior índice é de acidentes de trânsito envolvendo motocicleta. No ano passado, 77% foram relacionados a esse tipo de ocorrência. “Verificamos também que 22% é atropelamento. As estradas estaduais como as ERSs 020, 030 e 118, além das principais vias municipais, são as que mais têm chamados.”
Oliveira explica que o grupo paga suas despesas com recursos próprios. “Não fazemos pedágio solidário, não pedimos dinheiro em sinaleira. A cada três meses nós temos nosso curso próprio de atendimento pré-hospitalar”, conta. Ele é obrigatório para todos que quiserem entrar na organização e também pode ser feito por aqueles que gostam da área e pretendem se especializar. Ele salienta que serve para padronizar o trabalho dos socorristas. “Fizemos um em abril e teremos outro em agosto, até 40 interessados podem participar. O valor é de R$ 500,00, sendo R$ 50,00 de inscrição.”
Em caso de emergência, os socorristas do Anjos podem ser acionados pelo telefone (51) 3421-1999, das 19h de sexta-feira às 7h de segunda. Os voluntários também podem ser contatados pelo e-mail atendimento@resgateanjosdoasfalto.com. O 39° curso de APH do Anjos, em formato de treinamento básico, com atividades teóricas e práticas, ocorrerá em dois fins de semana de agosto, nos dias 4 e 5 e em 11 e 12. O conteúdo será ministrado por instrutores voluntários. Serão aceitas inscrições de maiores de 18 anos, com ensino médio completo. Não é necessário experiência ou formação anterior na área da saúde. Mais informações podem ser obtidas por meio da página do grupo no Facebook ou pelo telefone citado anteriormente.
De menor aprendiz a socorrista
O vice-presidente do Anjos começou a trabalhar na organização quando tinha 15 anos, em 2008. Foi menor aprendiz, quando ficava apenas na parte interna, mas sempre participando dos cursos e treinamentos ofertados. “Eu atendia telefone, despachava ambulâncias para as ocorrências, entre outras ações que podiam ser feitas dentro da base, porque eu era menor”, informa. Aos 18 anos fez o curso e, por toda a trajetória dentro da organização, foi nomeado supervisor.
Quatro anos depois, se tornou coordenador. Ano passado, aos 24 anos, ele e um colega montaram uma chapa para concorrer à presidência da ONG. Deu certo. Há duas gestões trabalham para manter o padrão Anjos de atendimento. Mesmo jovem e, recentemente, atuando na área da saúde remunerada em Porto Alegre, Rafael conta que amadureceu mais cedo e prefere estar na sede do grupo ao se arriscar em algumas festas que o público da idade dele costuma frequentar.
“Não me arrependo de nada, gosto de trabalhar com os jovens, mas tenho posicionamentos e visões diferenciadas pelo trabalho que tenho. Hoje em dia é complicado, a rua é complicada, festas requerem atenção, a droga está em todos os lugares”, detalha. Segundo ele, ser socorrista é uma filosofia de vida. Quando as pessoas reclamam da vida, ele sempre diz: faça um plantão. “Tu vê muitas situações, em um momento de dificuldade, de dor, as pessoas se apegam a quem está tentando salvá-las. Tu vê famílias aflitas e isso é um choque de realidade, dá para ver que não vale a pena reclamar.”
Entre as incontáveis ocorrências que já participou, Oliveira afirma que nenhuma foi tão impactante quanto a da Boate Kiss, em Santa Maria. Foram três dias, de domingo até terça-feira, junto com outros quatro socorristas do Anjos do Asfalto auxiliando familiares a localizarem seus entes. “Nós colocávamos os nomes nos sacos e, assim que identificados, no caixão, e depois eram encaminhados para o velório coletivo. Para mim foi a pior ocorrência de todas”, declara.
No ginásio em que estavam cerca de 200 mortos, era impossível não se envolver com a dor e sofrimento dos pais e familiares que chegavam em busca dos seus. “O jovem é sempre parecido com alguém, seja a barba, o cabelo, o que sempre lembra um conhecido teu. Foi muito triste.”
O vice-presidente conta que até 2012 nunca havia perdido ninguém pelo trânsito. Naquele ano, perdeu um tio, que morreu devido a uma doença em Gravataí. No mesmo dia em que era velado, a avó, que estava na estrada rumo à Região Metropolitana também faleceu. “Eles estavam em Cachoeira do Sul quando pararam em um posto de combustível e ela foi atropelada por um ônibus. Ela foi socorrida, internada, mas não resistiu.”
Abalado com o fato, permaneceu três meses sem colocar os pés na sede do Anjos. Passado o período de luto e aceitação, pouco tempo depois do retorno, atendeu a uma ocorrência semelhante. O grupo foi acionado para prestar socorro em um atropelamento por ônibus em que a vítima era uma idosa. “Um dia um rapaz ligou para nós, se identificando como filho dela. Contou que ela havia morrido e que precisava da ficha de atendimento para acionar DPVAT”, relata.
O socorrista diz que nunca tinha passado por uma situação semelhante, porém pegou o documento e o carro e foi até a residência do solicitante fazer a entrega. “Ele começou a chorar no portão e me agradeceu por tudo o que fizemos. Ele sabia que a lesão era irreversível e, que se não fosse por nós, ela não teria ficado viva por três dias e, assim, conseguiu se despedir dos filhos que moravam em outras cidades. Aprendi que mesmo que não consiga salvar a vida da pessoa, a gente faz um a mais.”
Vanessa conta que, mesmo sendo uma profissional da área da saúde, nunca tinha vivido uma situação de urgência dentro da própria casa. “Imediatamente acionei os serviços do Samu. No período em que aguardei a chegada da ambulância prestei os primeiros socorros com manobras de ressuscitação. Pela gravidade da situação, cada minuto era fundamental para sua sobrevivência”, revela.
Foi essa agilidade que permitiu que a criança sobrevivesse e, melhor, sem nenhuma sequela. O resgate, a remoção e a recuperação da menina ocorreu sem nenhum imprevisto.
De acordo com a mãe, os profissionais demoraram cerca de cinco minutos para chegarem à casa. “Em seguida, chegou outra e, em 11 minutos, chegaram mais duas motocicletas”, conta. Em um curto espaço de tempo oito socorristas estavam trabalhando para salvar a menina. “Eram médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem. Após a estabilizarem, foi levada até o hospital para avaliação.”
A história de Vanessa não é a única, há centenas, milhares de pessoas espalhadas pelo Estado salvas por esses homens e mulheres. O motorista porto-alegrense Cléberson Dutra, 41 anos, foi outro caso de resgate bem-sucedido.“Sou grato ao Samu por tudo o que fizeram, se estou aqui, devo isso a eles.” Em 2001, ele sofreu um acidente de moto na Serra, durante um passeio de fim de semana, e foi resgatado pela equipe do serviço. “Era inverno e eu me perdi em uma das curvas, quando o primeiro enfermeiro se aproximou de mim apaguei e só acordei três dias depois no hospital.”
Em Gravataí, a doméstica Valéria de Medeiros, 30 anos, acompanhou um dos resgates feitos pela equipe do Anjos do Asfalto no bairro Morada do Vale. Enquanto os socorristas atendiam o motociclista que havia se envolvido em um abalroamento, ela contava da admiração que têm pela profissão. “Queria trabalhar com eles, mas não consigo lidar com a dor do outro. Isso é dom e eles são abençoados por abrirem mão de ficar em casa, com suas famílias e amenizarem o sofrimento alheio.”
Em 2017, os Anjos do Asfalto atenderam 470 ocorrências no município de Gravataí e 190 em Cachoeirinha
Em Sapucaia do Sul, 10 anos de atendimentos
Trinta e cinco mil atendimentos. Esse é o número de pessoas que foram auxiliadas pelos socorristas em Sapucaia do Sul, no Vale do Sinos. O serviço completou em junho uma década no município. Entre as histórias de gratidão, está a do comerciante Joizer Martins, 36 anos, que sofreu um grave acidente de moto há cerca de um ano. Poucos minutos após colidir em um poste, foi atendido pelo Samu.
Há 10 anos atuando no serviço da cidade, Kátia Terezinha de Mello iniciou como condutora. Ao observar o trabalho feito pelos profissionais, criou amor e se apaixonou pela área da saúde. Depois de muito estudar, é técnica de enfermagem. Apaixonada pelo trabalho, diz que o desafio é diário, mas gratificante. “Temos poucos segundos para avaliar uma situação e realizar nosso trabalho. Porém, é um prazer imensurável, pois temos a oportunidade de salvar vidas.”
Entre os tantos atendidos por ela, está Joizer, que fraturou coluna, costela, braços e ainda teve perfuração de um dos pulmões no acidente de moto. Ele, que afirma não lembrar muita coisa do acidente e, muito menos, do atendimento, soube como foi socorrido pela mãe. “Eu perdi a consciência, então ela relatou que a equipe chegou rapidamente até onde eu estava. Sou a prova que eles sabiam o que estavam fazendo. O Samu salvou a minha vida.”
A enfermeira e coordenadora da unidade, Letícia Santomé, informa que 57,6% dos resgates são de trauma e o restante, 42,4%, são clínicos. “A maioria é de acidentes de trânsito, seguidos por atendimentos clínicos por parada cardiorrespiratória, acidente vascular cerebral, entre outros.” Ela explica que não são todas as regiões que possuem ambulância de suporte avançado, como Sapucaia do Sul. Devido a isso, quando é necessário, os profissionais que atuam na cidade também prestam apoio em Esteio. “Os socorros prestados por nós ocorrem a partir da indicação da Central de Regulação Estadual.”
Motolância
O coordenador do Samu de São Leopoldo, enfermeiro Roberto Tyska Bueno, conta que a motolância é um acréscimo de possibilidades de deslocamento rápido e ágil. Atualmente, no município, a média diária de atendimento é de sete ocorrências, sempre durante o dia, das 7h às 19h. Além das motos, a cidade tem duas ambulâncias de suporte básico e uma de suporte avançado.
A facilidade sob duas rodas faz com que o deslocamento em grandes centros, onde o trânsito é carregado, seja mais rápido, o que colabora com o sucesso no socorro de vítimas. O tempo de resposta é relativamente inferior ao deslocamento de uma ambulância, principalmente em horários de fluxo mais intenso. O Ministério da Saúde implantou esse serviço em 2009. “Além de São Leopoldo, temos outra cidade da região Metropolitana que utiliza o socorro com motos, que é Canoas. No Interior, temos outros municípios que também possuem a modalidade, como Caxias do Sul, Pelotas, Palmeira das Missões, Tramandaí, Torres e Bagé, além de outras em fase de implantação”, afirma ele.
O coordenador ressalta que, antes de colocar o serviço na rua, é necessário ter um condutor bem treinado e apto para pilotar com cautela e agilidade. “A vantagem é expressiva na utilização das motos. O socorrista precisa estar apto a executar o suporte básico de vida, estar mais cedo na cena tem impacto extremamente positivo na sobrevivência, diminuição de sequelas e de traumas secundários devido ao tempo.” Tyska enfatiza que, em caso de um grande sangramento ou uma obstrução das vias aéreas, essa rapidez na chegada à cena do sinistro, pode evitar desfechos negativos e até mesmo o óbito.
Conforme o enfermeiro, as motolâncias sempre são acionadas nas ocasiões traumáticas graves, como atropelamento, ferimento por arma de fogo e arma branca, afogamentos, queda de altura e colisões, e também nos cenários clínicos com grave ameaça a vida, como infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral. “Sempre que o médico regulador entender que no caso solicitado existir risco de morte iminente ou que os colegas da ambulância receberem a notificação de uma emergência com risco imediato ou necessidade de deslocamento ágil, as motos são deslocadas.”
Na visão do coordenador, o serviço está aos poucos sendo percebido pela comunidade e, em algumas cidades, dados estatísticos do trabalho estão sendo levantados para uma possível ampliação das equipes. “Em nosso município, já tivemos várias ocorrências em que a chegada da motolância foi determinante para o salvamento. Entre eles houve o caso de um grande engasgamento, inclusive sendo uma criança recém-nascida.” O tempo resposta é, de acordo com ele, o principal diferencial desse tipo de serviço.
Correio do Povo