domingo, 5 de julho de 2015

Atos contra redução da maioridade

Comitê gaúcho aborda deputados no aeroporto

Diante da possibilidade de aprovação na Câmara dos Deputados da proposta que reduz a idade para a condenação por crimes hediondos, integrantes do Comitê Gaúcho contra a Redução da Maioridade Penal realizaram ontem um ato no Aeroporto Salgado Filho em Porto Alegre. Junto à área de embarque, jovens abordaram e conversaram com deputados federais, com Luiz Carlos Busato e Afonso Motta, que seguiam para Brasília.
A intenção era mobilizar os parlamentares para que rejeitem o projeto, que estava na pauta de votações do dia em plenário. Foi entregue a eles um documento que resultou de um debate na Assembleia Legislativa gaúcha e que defende a rejeição a proposta. O ato, organizado pelo Movimento Educação e Trabalho, reuniu considerações refentes à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 171/93. Segundo a Unicef, menos de 1% dos homicídios praticados no Brasil tem como autores adolescentes entre 16 e 17 anos e 70% dos ex-detentos do sistema prisional voltam a cometer crimes.
O movimento contra a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos é formado por mais de 100 entidades, como a Ajuris, OAB/RS e Instituto Tolerância. Além de seus integrantes, representantes de centrais sindicais estiveram no aeroporto para apoiar a mobilização. Com cerca de 30 pessoas ligadas à CUT protestaram, com faixas e bandeiras. Antônio Guntzel, secretário de Relações de Trabalho da CUT, afirmou que, infelizmente, o grupo não conseguiu falar com os parlamentares. “creio que alguns embarcaram mais cedo e outros na segunda-feira”. Além da PEC da maioridade, os sindicalistas protestavam contra projeto que flexibiliza a administração do pré-sal, que também constava na pauta de votações da Câmara.

Violência aumentaria, diz psicóloga

O Comitê Gaúcho contra a Redução da Maioridade Penal, integrado pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, OAB e Defensoria Pública, realizou ontem um protesto no Largo Glênio Peres. A psicóloga Luciane Engel afirmou que a aprovação do projeto na Câmara dos Deputados não resultará na diminuição da violência. “O aprisionamento dos jovens como querem os deputados não vai diminuir a criminalidade no país. Pelo contrário, ela aumentará.”
Segundo Luciane, integrante do Conselho, os jovens irão conviver nos presídios com o crime organizado. “Estar preso no Brasil é uma violência devido às condições das prisões. Aqui existe a cultura da punição. Não tratamos a causa da violência, que começa pela desigualdade social, que é absurda, e pela precariedade da condição de vida da maior parte da população.”
O Conselho é contrário à redução da maioridade penal por acreditar que crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento. “O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê medidas essenciais socioeducativas a jovens em conflito com a lei”, disse a psicóloga. Durante a manifestação, houve uma performance teatral, com uma adolescente presa em uma cela.


Fonte: Correio do Povo, 1º de julho de 2015, página 13.

Atentado no Kuwait – Cúmplices são presos

Cidade do Kuwait – O Ministério do Interior enviou à Justiça cinco homens suspeitos de ter ajudado o terrorista saudita no violento atentado contra uma mesquita xiita na sexta-feira passada, no Kuwait. Trata-se do motorista que levou o terrorista para perto da mesquita, do proprietário do veículo e de seu irmão, ambos apátridas. Também foram detidos o proprietário da casa onde o motorista foi ocultado e seu irmão, os dois kuwaitianos. O atentado suicida deixou 26 mortos e 227 feridos na mesquita Al-Iãn al-Adeq durante a oração semanal da segunda sexta-feira do Ramadã (mês do jejum muçulmano).


Fonte: Correio do Povo, página 6 de 30 de junho de 2015.

Atentado mata procurador no Egito

Cairo – O procurador-geral do Egito, Hicham Barakat, morreu ontem em um atentado a bomba no Cairo, anunciou o ministro da Justiça. Barakat, de 65 anos, sofreu ferimentos que provocaram uma hemorragia interna. Ele chegou a ser operado, mas não resistiu. Em 21 de maio, o ansar Beit al-Maqdis – ramo egípcio do Estado Islâmico - fez apelos por ataques contra membros do Judiciário local, em represália pela condenação de vários de seus simpatizantes. O atentado foi reivindicado pela organização.



Fonte: Correio do Povo, página 6 de 30 de junho de 2015.

Atenas ratifica calote ao FMI

Atenas – O governo grego confirmou ontem ao jornal britânico Financial Times que não vai pagar a dívida de 1,6 bilhão de euros ao Fundo Monetário Internacional (FMI), que vence hoje. A falta de pagamento expõe o país a uma série de sanções que podem incluir até sua expulsão da zoa do euro.
Sem caixa, o país depende de um empréstimo dos outros países europeus para fazer esse pagamento. Mas, no fim de semana, o primeiro-ministro grego, Alexis Tsipras, decidiu que vai fazer um referendo no próximo dia 5 para saber se aceita as condições desse empréstimo, que incluem alta de impostos. Tsipras pediu que o povo rejeite as propostas dos credores.
Ontem, a agência de classificação de risco Standard & Poor's (S&P) rebaixou a nota de crédito soberano da Grécia de “CCC” para “CCC-”. A perspectiva foi mantida em negativa, o que indica que a nota pode ser novamente rebaixada. Os bancos ficarão fechados até 6 de julho. A possibilidade de que o calote ocorra derrubou ontem as principais Bolsas de Valores.


Fonte: Correio do Povo, página 5 de 30 de junho de 2015.

As Revoltas Econômicas

Os desmandos do sistema colonial – suas tributações, seus impostos, sua própria natureza espoliadora – foram responsáveis pela eclosão de uma série de revoltas contra a Metrópole. Eventualmente, esses conflitos acabavam se tornando também lutas em prol da autonomia, unidade e independência do Brasil e, com frequência, se voltaram também contra os rivais ou “marinheiros”, como os portugueses eram ironicamente chamado pelos nativos.
A primeira dessas insurreições foi a chamada Revolta de Beckman, ocorrida em 1684 no Maranhão. As causas do protesto armado que o senhor de engenho Manuel Beckman, o Bequimão, liderou estão claras num trecho do manifesto que ele mesmo leu para os seus companheiros: “As duas coisas devemos pôr termo – aos jesuítas e ao monopólio - , a fim de que tenhamos as mãos livres quanto ao comércio e quanto aos índios”. O monopólio a que Beckman se referia era exercido, então, pela Companhia do Comércio do Maranhão.
Fundada em 1682, a Companhia detinha direitos de importação e exportação na região. Ao mesmo tempo, estava obrigada a introduzir 500 escravos negros por ano na província, já que os jesuítas tinham conseguido proibir a escravização dos índios. Quando a companhia não só aumentou os preços dos importados (trigo, vinho, azeite e bacalhau) como deixou de trazer os africanos, a revolta eclodiu. Em fevereiro de 1684, o grupo de Beckman formou um governo provisório, expulsou os jesuítas, fechou a companhia e escravizou índios em massa.
Em março de 1685, aproveitando-se de brigas internas entre os rebeldes, o governador Gomes Freire de Andrade desferiu o ataque a São Luís. Apesar de refugiar-se no mato, Beckman foi preso e enforcado. Mas a companhia de comércio do Maranhão acabou sendo extinta um ano depois e a própria Cia de Jesus seria expulsa do Brasil. Aos índios restou a escravidão.
Outra rebelião econômica, a chamada revolta de Vila Rica, estourou em 1720. Foi uma antecipação da Inconfidência Mineira, de 1789.
Na noite de 27 de junho de 1720, sete homens, acompanhados por seus escravos armados, saíram às ruas de Vila Rica conclamando o povo a rebelar-se contra as medidas absurdas impostas pela Coroa. A criação das casas de fundição, que facilitariam a cobrança do quinto sobre o ouro, a proibição da circulação do ouro em pó, os desmandos do ouvidor Martinho Vieira e do governador, conde de Assumar, eram motivos mais do que suficientes para a revolta. E ela explodiu, embora desorganizada demais para sobreviver. De início, o conde de Assumar recebeu os rebeldes e até assinou um documento em que se comprometia a cumprir os 18 tópicos propostos pelos revolucionários. Era só uma manobra diversionista: assim que conseguiu reunir tropas fiéis, Assumar prendeu os revoltosos. Apenas um, Felipe dos Santos – foragido da justiça portuguesa por “abandono do lar” e figura menor no levante - , foi condenado e, após um julgamento sumário executado com requintes de crueldade. Não seria uma morte inútil: em fins de 1720, Minas se tornou capitania independente, de São Paulo.


Fonte: História do Brasil (1996), página 82.

Aprovada redução da maioridade penal

A Câmara dos Deputados aprovou na madrugada de hoje, após polêmica sobre a validade da votação e com as galerias do plenário vazias. Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a maioridade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. A aprovação ocorreu após 323 votos favoráveis, 155 contrários e duas abstenções. Eram necessários ao menos 308 votos a favor para a matéria seguir tramitando.
Pelo texto, os jovens de 16 e 17 anos terão que cumprir a pena em estabelecimento penal separados dos menores de 16 e maiores de 18. Os parlamentares ainda terão que votar a PEC em segundo turno, o que deve ocorrer após o recesso de julho, já que é preciso cumprir o prazo de cinco sessões antes da próxima votação.
A aprovação da proposta ocorre depois de a Casa derrubar, na madrugada de quarta-feira, texto semelhante, que estabelecia a redução para casos de crimes cometidos com violência ou grave ameaça, crimes hediondos (como estupro), homicídios doloso, lesão corporal grave ou lesão corporal seguida de morte, tráfico de drogas e roubo qualificado. A decisão do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, de votar um texto semelhante gerou bate-boca e questionamentos por parte de deputados contrários ao texto.


Fonte: Correio do Povo, capa da edição de 2 de julho de 2015.

Anglo Saxão

Individuo dos anglo saxões povos germânicos que invadiram a Inglaterra entre os séculos V e VI, e lá se fixaram.

Anglicano – Referente ao, ou que é partidário do anglicismo.
Anglicismo – Palavra ou locução inglesa introduzida noutra língua.

Anglicanismo – A Igreja oficial da Inglaterra desde o século XVI.

Álcool causa a maioria dos acidentes

Dados se referem ao país. No RS, 45% das ocorrências em 2003 estão ligadas à bebida e às drogas

Mais da metade dos acidentes de trânsito no Brasil são causados pelo uso de bebidas alcoólicas. O pais gasta cerca de R$ 5 bilhões com o problema por ano. Os dados foram debatidos ontem no Fórum Volvo pela Segurança n Trânsito, realizado pela Volvo e pelo Detran-RS na Fiergs. No Estado, a estimativa é que 45% dos 11 mil acidentes ocorridos em 2003 tiveram sua origem no consumo de álcool, drogas ou excesso de medicamentos. Mas as estatísticas estão longe de retratar a situação, disse o coordenador do Programa Volvo de Segurança no Trânsito J. Pedro Corrêa.
O trânsito como prioridade dos governos foi defendido por Corrêa. Segundo ele, esse é um dos maiores desafios, ao lado da conscientização dos motoristas. Entre os problemas, além do álcool e da falta de interesse dos gestores públicos, estão a frota desatualizada que circula nas cidades e a deficiência na formação de condutores. “Avançamos quanto ao cinto e a faixas de segurança e sinalização eletrônica, mas ainda há muito o que fazer.”
Estudo realizado pela Federação das Seguranças em cidades com mais de 100 mil habitantes revelou que a sociedade reivindica mais rigor com os infratores. A necessidade de leis duras para quem causa acidentes por embriaguez foi defendida por 85% dos entrevistados. A falta de uma estatística detalhada no RS impossibilita saber a influência exata do álcool nos acidentes. Isso acontece, segundo o presidente do Detran-RS. Carlos Ubiratan dos custos dos exames.
Visando obter números mais fiéis à realidade, o Detran irá custear os insumos para realizar os exames, por meio de convênio com o IGP. Há expectativa de que, em três meses, sejam disponibilizados. Segundo ele, é preciso pressionar os governos para tornar obrigatório o teste de bafômetro.

Belga: 'É preciso repressão'

A combinação álcool e direção mata cerca de dez mil pessoas por ano na União Europeia. A afirmação é do diretor-geral do Instituto Belga de Segurança no Trânsito (ISBR), Patric Derweduwen, um dos destaques do Fórum Volvo de Segurança no Trânsito, que ocorreu ontem, na Fiergs, numa parceria entre o Detran-RS e a Volvo. O palestrante apontou a falta de avaliações sistemáticas do nível de álcool no sangue e dados não confiáveis para o desenvolvimento de projetos de redução de acidentes. Derweduwen expôs ainda o case “Bob”, projeto fundado pelo IBSR com a Confederação das Cervejarias Belgas a fim de diminuir os acidentes de trânsito por consumo de álcool. Bob seria o escolhido da turma para não beber e ser o condutor responsável pelos outros amigos. Porém, ele salientou que apenas campanhas educativas não são suficientes. “É preciso repressão e força para diminuir o consumo de álcool entre os jovens motoristas.”
O diretor-presidente do Detran-RS, Carlos Ubiratan dos Santos, destacou a mobilização da comunidade do trânsito gaúcho e brasileiro sobre o tema direção e álcool. “Tivemos um movimento intenso para que se encontrem saídas e procedimentos que possam reduzir o problema da mistura direção e álcool, drogas ou medicamentos.” O uso do bafômetro despontou como uma das medidas capazes de reduzir o total de acidentes causados pela mistura. Serão feitas ainda mobilizações junto ao Judiciário e a parlamentares.


Fonte: Correio do Povo, página 5 de 12 de agosto de 2004.

A Vila Rica dos Poetas

Em 1780, um século após a descoberta das minas, Vila Rica já havia muito deixara de ser um acampamento mineiro embarrado e sem atrativos. Situada no sopé do grandioso penedo do Itacolomi, a cidade se constituía de uma teia de ruas pavimentadas percorrendo ladeiras íngremes, ladeadas por graciosas construções de dois pisos, muitas das quais possuíam terraços ajardinados e floridos. No topo das colinas, ou em frente a praças amplas a arejadas, havia inúmeras igrejas barrocas, com altares reluzindo em ouro e paredes repletas de ornamentações suntuosas. Não era uma cidade: era uma obra de arte urbana. Vila Rica, disse um poeta, era “pérola preciosa do Brasil¨. Mas a riqueza da cidade – seja ouro preto, seus diamantes reluzentes, suas minas opulentas – era também fonte de suas desgraças. Submetida a uma sangria feroz, que se manifestava na forma impostos de entrada e impostos de saída (qualquer produtos levado às minas era duramente taxado; cada grama de ouro que saía pagava em tributo oneroso), Vila Rica via sua formatura se esvair.
Levado para além-mar, o ouro de Minas permitiria a D. João V reinar numa luxuosa ostentação a ponto de se tornar conhecido como o Roi-Soleil português. O mais grave é que o “fulvo metal”, nem sequer servia para enriquecer a metrópole: era apenas o ouro “que Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa”, como observou o viajante inglês Henry Fielding. Nada mais natural, portanto, que a jovem sociedade mineira – tão diferenciada da elite rural de indignação e revolta. E essa revolta não demoraria muito para eclodir.
Pelo menos algumas vantagens Vila Rica conseguiu auferir de sua opulência. Além de constituir uma sociedade essencialmente urbana, possuía uma estrutura bem mais complexa do que aquela que se reduzia a senhores e escravos. Havia uma “classe média”: comerciantes, mercadores, artistas e, é claro, poetas. Outra possibilidade aberta pelo ouro foi a chance concedida a alguns filhos da elite local de realizarem seus estudos na Europa. Muitos herdeiros de mineradores bem-sucedidos foram enviados para a Universidade de Coimbra, em Portugal. E lá, vários deles tomaram contatos com ideias liberais e republicanas, acompanhando o furor provocado pela Revolução Francesa e pela independência dos Estados Unidos. Um desses estudantes, José da Maia e Barbalho, chegou a entrar em contato com Thomas Jefferson, embaixador dos EUA na França, sondando-o sobre um possível apoio norte-americano à independência do Brasil. Enquanto isso, em Vila Rica, mudanças políticas tornaram insustentável o que já era ruim. Em outubro de 1783, o governador Rodrigo José de Meneses, homem de grande cultura, amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa e liberal com os contrabandistas, foi substituído por Luís da Cunha Meneses, um sujeito em tudo diferente dele. Para atacar a elite descontente, Cunha fez uma aliança populista com as classes inferiores de Vila Rica. Mas era um corrupto que saqueava os cofres públicos e desfilava ostensivamente pelas ruas de Vila Rica com suas muitas concubinas. Foi satirizado pelas Contas Chilenas, livro provavelmente escrito por Tomás Antônio Gonzaga, no qual era chamado de “Fanfarrão Minésio”.


Fonte: História do Brasil (1996), página 84.  

A Vida de Eça de Queiroz

José Maria Eça de Queirós nasceu aos 25 de novembro de 1845, em Póvoa de Varzim, filho natural (e depois legitimado) de José Maria de Almeira Teixeira de Queiroz e de Dona Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz. Em dezembro do mesmo ano, foi levado para a Vila do Conde e batizado na Igreja Matriz pelo padre Pedro Antônio da Silva Coelho. O pequeno Eça ficou entregue aos cuidados de uma modesta família de Vila do Conde, Ana Joaquina Leal de Barros e Antônio Fernandes do Carmo. Recebia a visita dos pais frequentemente. Sua legitimação como filho se deu com o casamento dos pais, em Viana do Castelo, em 1849. Algum tempo depois, deixou o Minho e foi levado para Verdemilho, para a casa dos avós paternos, Dona Teodora Joaquina de Almeida e Joaquim José de Queiroz e Almeida. Aos 10 anos, após a morte dos avós, os pais internaram. Eça no Colégio da Lapa, no Porto. Em julho de 1858, fez exame de instrução primária. Entre 1858 e 1861, fez uma série de exames que o habilitaram a frequentar a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1861), onde se formou humana e literariamente dentro da filosofia positivista e materialista da época. Durante o tempo em que esteve em Coimbra, Eça de Queiroz travou relações com Teófilo Braga e Antero de Quental, que viria a ser o líder dos componentes da geração chamada realista. Desta fase da sua vida afirma Feliciano Ramos: “Sob o ponto de vista escolar, foi Queiroz um estudante apagado. Da Universidade e dos professores não lhe ficaram recordações lisonjeiras. Sua passagem por Coimbra nada tem de espetacular e é quase silenciosa”.
Em 1866, Eça enviou ao Teatro D. Maria I a tradução da peça de José Bouchardy, Philidor. Nesse mesmo ano, em 23 de março, saiu, na Gazeta de Portugal, o seu primeiro escrito conhecido, intitulado Notas Marginais. Formado em Direito (1866), partiu para Lisboa, instalando-se na casa paterna. Pendendo sempre para as letras, publicou até fins de 1866 uma dezena de folhetins. Em 1867, vamos encontrá-lo em Évora como fundador e diretor do jornal da operação Distrito de Évora, cujo primeiro número saiu no dia 6 de janeiro. Regressou, no mesmo ano, a Lisboa e recomeçou a sua colaboração na Gazeta de Portugal, publicando o seu décimo segundo folhetim, O Milhafre. Nessa ocasião, começou a formar-se o grupo do Cenáculo, Centro de Convívio intelectual, na Travessa do Guarda-Mor, em Lisboa. Participavam só grupo Salomão Saraga, Santos Valente, Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça de Queiroz partiu em companhia do Conde de Resende para o Oriente, a fim de assistir à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem resultou o livro O Egito, relato de suas experiências como repórter. Em 1870, publicou uma série de folhetins sob o título De Port Said a Suez. Foi nomeado administrador do Conselho de Leiria. Entre 24 de junho e 27 de setembro de 1870, saiu em folhetins o Mistério da Estrada de Sintra, no Diário de Notícias. Com a intenção de seguir carreira diplomática, entrou em concurso para cônsul de 1ª classe, na Sala de Corpo Diplomático do Ministério dos Estrangeiros, tendo sido classificado em primeiro lugar. O ano de 1871 marcou uma série de acontecimentos importantes: realizaram-se as famosas “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense”, sendo Eça de Queiroz o quarto conferencista com a dissertação “Realismo como Nova Expressão da Arte”. Foi exonerado do cargo de administração em Leiria. Em 1872, dois anos após o concurso, partiu para Havana, nomeado cônsul de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas. No ano seguinte conheceu os Estados Unidos em missão oficial. Transferiu-se, em novembro de 1874, para New Castle, na Inglaterra. Comçou a elaborar os primeiros romances naturalistas: O Crime do Padre Amaro, colocado a venda em volume em julho de 1876, e O Primo Basílio.
Nos anos de 1877 e 1878 colaborou no Jornal A Atualidade, do Porto, com as Cartas de Londres. Sua atividade intelectual e diplomática era intensa: transferiu-se para o consulado de Bristol (1878), colaborou no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro e publicou, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de Portugal (1880). No início de 1880, viajou a Portugal, em férias, ali permanecendo até junho. Três anos após foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências. Em uma de suas viagens, estando em Paris em 1885, entrou em contato com Emile Zola, o mestre do naturalismo francês. Entretanto, apesar da intensa atividade como cônsul e literato, Eça de Queiroz sentia-se só. Tinha conhecido, no verão de 1884,, na praia da Granja, em Portugal, D. Emília Resende.
Mantinha com ela um romance, alimentado por farta correspondência. Resolveu, então, se casar. Em fevereiro de 1886, no oratório particular da Quinta de Santo Ovídio, contraiu matrimônio com D. Emília. O seu casamento e, dois anos depois, a sua nomeação como cônsul de Portugal em Paris mudaram radicalmente de vida. Instalou definitivamente sua casa em Neuilly, Paris, e passou a viver como burguês, dedicando-se ao lar, a família e aos seus escritos. Fez nova viagem a Portugal. Dirigiu a Revista de Portugal. Em 1889, agregou-se ao grupo dos Vencidos da Vida, de que faziam parte Guerra Junqueira, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, dentre outros. Em 1897, começou a publicar, na Revista Moderna, o romance A Ilustre Casa de Ramires. Doente já há algum tempo, Eça de queiroz deixou Paris, na companhia de Ramalho Ortigão, indo para a Suíça, “onde vai procurar alívio para os males de que padece há muito e nos últimos tempos se agravaram”. Seu estado de saúde piora. Regressa a Paris e falece aos 16 de agosto de 1900, em sua casa, as quatro e meia da tarde. No dia seguinte, foi transportado a bordo do navio “África”, para ser enterrado no Cemitério do Alto São João.

A obra de Eça de Queiroz

Eça de Queiroz escreveu romances e contos dedicando-se, ainda, à literatura de viagens e ao jornalismo. Romances. O Mistério da Estada de Sintra (1871, em colaboração com Ramalho Ortigão), O Crime do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1880), A Relíquia (1887), Os Maias (1888), A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Correspondência de Fradique Mendes (1900), A Cidade e as Serras (1901), A Capital (1925), O Conde de Abranhos (1925), Alves & Cia (1925).
Possui um exemplar Contos (1902). Sua obra como jornalista, relator de viagens e hagiógrafo estende-se nos seguintes livros: Uma Campanha Alegre (1890-1891), Cartas de Inglaterra (1903), Prosas Bárbaras (1905), Ecos de Paris (1905), Cartas Familiares e Bilhetes de Paris (1907), Notas Contemporâneas (1909), Últimas Páginas (1912), Correspondência (1926), O Egito (1926), Crônicas de Londres (1944), Cartas de Lisboa (1944), Cartas (1945) etc.
Embora Eça de Queiroz tenha sido crítico literário, epistológrafo, polemista e hagiógrafo, cronista e jornalista, foi como cotista e romancista que se destacou como o maior escritor português do século XIX e um dos maiores escritores da língua portuguesa. A crítica literária costuma dividir a obra queiroziana em três fases distintas: a primeira, de 1866 a 1875, denominada “romântica”; a segunda, de 1875 a 1888, chamada “realista”, a terceira, de 1888 a 1900, fase “social nacionalista”.
A primeira fase inicia-se com as primeiras publicações de artigos e crônicas na Gazeta de Portugal, trabalhos coligidos mais tarde por Jaime Batalha Reis no volume Prosas Bárbaras, e termina com a publicação de O Crime do Padre Amaro, em 1875, em sua primeira versão na Revista Ocidental. Caracteriza-se por ser fase de iniciação, de indecisão e por apresentar Eça de Queiroz múltipla influência do satanismo de Baudelaire, do lirismo de Heine, do macabrismo de Poe e Hoffmann. As obras desta fase demonstram um gosto pela linguagem nebulosa, um emprego incomum de adjetivos, uma certa tendência pela ordem direta e a criação e a aceitação de grande número de neologismos. As prosas Bárbaras são narrativas – uma espécie de conto – com a temática sinistra, macabra, situada em ambiente s exóticos, em geral, nos países nórdicos. Pertencem ainda a esta primeira fase O Mistério da Estrada de Sinistra, escrito em colaboração com Ramalho Ortigão, e Uma Campanha Alegre, produto do material publicado por Eça de Queiroz em As Farpas, jornal Satírico dirigido por Ortigão. O primeiro é um tipo de romance policial, cujo assunto se desenrolou a partir da agressão praticada por um grupo de mascarados na pessoa de um médico que regressava, com alguns amigos, de Sintra a Lisboa. Alguns veem na obra uma intenção em satirizar o romantismo de Camilo Castelo Branco, cujas obras estão repletas de atentados desse gênero. Eça de Queiroz reuniu em Uma Campanha Alegre, em dois volumes, toda a sua colaboração em As Farpas, matéria satírica e humorística, “Crônica mensal da política, das letras e dos costumes”.
A segunda fase tem início com a publicação de O Crime do Padre Amaro, e termina com a publicação de Os Maias. É uma fase em que, “aderindo as teorias do Realismo iconoclasta a partir de 1871, Eça coloca-se sob a bandeira da República e da Revolução, e passa a escrever, em coerência com as ideias aceitas, obras de combate as instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia) e de ação e reforma social”, afirma Massaud Moisés. O Crime do Padre Amaro, o Primo Basílio, O Mandarim, A Relíquia e os Maias são o que há de melhor nesta fase. O Mandarim, de todos talvez o menos realista, é um volume de fantasias em que Eça de Queiroz pretendeu demonstrar que o dinheiro ganho honestamente, com o suor do trabalho, é o único que pode trazer satisfação e felicidade ao homem. O Crime do Padre Amaro, inspirado em La Faute de L'Abbé Mouret, de Zola, e no Monsieur de Boisdhyver, de Champfleury, é um romance de costumes, romance de “atualidade”, cuja ação decorre em Leiria. Era de Queiroz, com esse romance, pretendeu apontar a corrupção existente no meio eclesiástico da época. Constitui-se O Crime do Padre Amaro num retrato fiel e minucioso da sociedade leiriense, muito influenciada pelos membros do clero, como é comum, aliás, entre a gente dos pequenos aglomerados da província. O enredo de O Primo Basílio situa-se na cidade de Lisboa e é verossímil.
Se em O Crime do Padre Amaro as personagens pecam porque são muito fáceis e reagem sem grande oposição interior (o próprio Amaro não demonstrava esforço pra resistir as tentações), em O Primo Basílio as personagens vivem, são autênticas, Basílio é um conquistador vulgar e a sua prima Luísa, vítima do ambiente social que a retém fechada em casa, alheia a tudo o que acontece no mundo, e vítima ainda da leitura de obras românticas, torna-se adúltera. Eça de Queiroz pretendeu provar que uma educação em bases românticas é falha. O romance A Relíquia pode ser enquadrado como realista devido aos seus propósitos de crítica social. Tentou demonstrar a inutilidade da hipocrisia e fê-lo com tom irônico e caricatural. Finalmente, em Os Maias temos um caso de incesto, o amor físico entre dois irmãos, que se desvenda no final do romance. Eça de Queiroz retrata e critica a alta sociedade lisboeta do último quartel do século XIX. Antônio José Barreiros escreve: “Quis pintar nele a sociedade portuguesa tal qual a fez o Constitucionalismo de 1830, como expressamente disse em carta a Teófilo Braga. Porque teria de abranger todas as infraestruturas dessa sociedade, política e finanças, religião e moral, literatura e jornalismo, festas e jogos e espetáculos, amizades e relações entre famílias, a obra resultou muito complexa.”
A terceira fase limita-se pela publicação de Os Maias e vai até a morte do romancista. Eça de Queiroz, abandonando a sátira aos vícios da sociedade, começa a desenvolver temas de caráter social e nacionalista. Adquire mais interesse pelos problemas intelectuais, estéticos e históricos. Vendo que pouco ou nada adiantava com a sátira ao vício, abandona-a e ergue uma obra de sentido construtivo, contactando com o outro lado do mundo que ainda não estava podre. É uma fase em que atinge a maturidade intelectual. Representam-na, principalmente, três obras: A Ilustre Casa de Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes e A Cidade e as Serras. A ação do romance A Ilustre Casa de Ramires decorre entre Douro e Minho e nele Eça de Queiroz realiza, levemente, a decadência de Portugal do século XIX, pondo-o em confronto com a Portugal da Idade Média. Gonçalo Mendes Ramires é a personagem principal. Descende de nobre linhagem, mas vive burguesamente dos seus rendimentos. A correspondência de Fradique Mendes consta duas partes: a primeira em que Eça se preocupa com a criação da personalidade de Fradique Mendes; a outra em que apresenta a correspondência trocada entre o protagonista e conhecidas figuras do tempo. (Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros). Embora ainda aqui apareça um pouco da crítica social empreendida nos romances da segunda fase, o autor aproveita-se das cartas para expor suas ideias sobre literatura, filosofia, religião, arte e política. A Cidade e as Serras é considerada a obra-prima desta fase. Publicado em 1901, teve grande parte da sua revisão feita por Ramalho Ortigão. Eça de Queiroz, seu autor, tinha sido surpreendido pela morte. Eça desenvolveu no romance o assunto que já esboçará nos contos Civilização Suave Milagre e Adão e Eva no Paraíso. Em A Cidade e as Serras, Eça de Queiroz defende a tese de que o homem só pode encontrar a verdadeira felicidade longe da civilização, na vida simples do campo, em contato com a natureza.
“Enquanto escritor, pelo poder de transmitir pela palavra a carga de sentimentos e de cores cuja expressão constitui problema para o comum de seus confrades e dos homens não-escritores, ocupa lugar de topo, legando um rol de soluções expressivas de largo e profundo curso no século XX. Por esse lado, Eça mantém-se extraordinariamente vivo e atuante no espírito de grande massa de leitores ainda hoje”, diz Massaud Moisés, em “A Literatura Portuguesa”.
Pesquisa do Professor Carlos Alberto Iannone, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília.

Cronologia

1845 – Aos 25 de novembro nasce em Póvoa de Varzim, José Maria Eça de Queiroz. É batizado em dezembro.
1849 – Casam-se em Viana de Castelo seus pais, José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz.
1855 – Eça de Queiroz, com 10 anos de idade, é internado no Colégio da Lapa, na cidade do Porto.
1861 – Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
1866 – Forma-se advogado. Sai na Gazeta de Portugal, o primeiro folhetim de Eça de Queiroz, Notas Marginais.
1867 – dirige em Évora o jornal da oposição, Distrito de Évora. Em julho regressa a Lisboa e colabora na Gazeta de Portugal. Participa do grupo do Cenáculo.
1869 – Eça de Queiroz parte como o Conde de Resende para o Egito, onde assiste à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem nasceria O Egito, publicado em 1926.
1870 – Publica, em folhetins, no Diário de Notícias, o romance O Mistério da Estrada de Sintra. É nomeado administrador do conselho de Leiria. Classifica-se em 1º lugar num concurso para cônsul de 1ª classe.
1871 – Profere a 4ª conferência do Casino, O Realismo como Nova Expressão de Arte. É exonerado do cargo administrativo de Leiria.
1872 – Vai para Havana como cônsul de 1ª classe nas Antilhas Espanholas.
1873 – Embarca para os Estados Unidos, em missão oficial.
1874 – Transfere-se para o consulado de New Castle, na Inglaterra.
1875 – Saem em folhetins, na Revista Ocidental, os primeiros capítulos da 1ª versão de O Crime do Padre Amaro.
1878 – É transferido para o consulado de Bristol. Sai O Primo Basílio.
1880 – Publica, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de Portugal.
1885 – Vai a Paris e visita Émile Zola.
1886 – Casa-se com Emília de Castro Pamplona Resende, filha dos Condes de Resende.
1887 – A Relíquia
1888 – toma posse oficial do consulado de Paris. Passa a residir em Neuilly. Publica Os Maias.
1889 – Agrega-se ao grupo dos Vencidos da Vida.
1890 – Uma Campanha Alegre.
1897 – Começa a publicar na Revista Moderna, em Paris, a Ilustre Casa de Ramires.
1900 – Vai para a Suíça, em companhia de Ramalho Ortigão. Regressa a Paris e morre aos 16 de agosto, na sua casa de Neuilly.

Nota da 2ª Edição O Crime do Padre Amaro

O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da crítica, quando publicado anteriormente ao romance intitulado - O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efetiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do senhor E. Zola – La Faute de L'Abbé Mouret, ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, os personagens, a intenção do Crime do Padre Amaro.
Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correto. O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do Senhor Zola, La Faute de L'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875.
Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do Senhor Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do Abade Mouret, - exatamente como o venerável Anquises no Vale dos Elísios podia ver, entre as sombras das raças vindouras flutuando na névoa luminosa do Letes, aquele que um dia devia ser Marcelo. Tais coisas são possíveis. Nem o homem prudente as deve considerar mais extraordinárias que o carro de fogo que arrebatou Elias aos céus – e outros prodígios provados.
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exatidão, é a simples comparação dos dois romances. La Faute de L'Abbé Mouret é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da primeira mulher no amor. O Abade Mouret (Sérgio), tendo sido atacado de uma febre cerebral, trazida principalmente pela sua exaltação mística no culto da Virgem, na solidão de um vale abrasado da Provença (primeira parte do livro), é levado para convalescer ao Paradou, antigo parque do século XVII a que o abandono refez uma virgindade selvagem, e que é a representação alegórica do Paraíso. Aí, tendo perdido na febre a consciência de si mesmo a ponto de se esquecer do seu sacerdócio e da existência da aldeia, e a consciência do universo a ponto de ter medo do sol e das árvores do Paradou como de monstros estranhos – era, durante meses, pelas profundidades do bosque inculto, com Albina que é o gênio, a Eva desse lugar de legenda; Albina e Sérgio, seminus como no paraíso, procuram sem cessar, por um instinto que os impede, uma árvore misteriosa, da ramada qual cai a influência afrodisíaca da matéria provocadora; sob este símbolo da Árvore da Ciência se possuem, depois de dias angustiosos em que tenham descobrir, na sua inocência paradisíaca, o meio físico de realizar o amor; depois, numa mútua vergonhosa súbita, notando a sua nudez, cobrem-se de folhagens; e daí os expulsa, os arranca o Padre Arcângias, que é a personificação teocrática do antigo Arcanjo. Na última parte do livro O Abade Mouret recupera a consistência de si mesmo, subtrai-se a influência dissolvente da adoração da Virgem, obtém por um esforço da oração e um privilégio da graça a extinção da sua virilidade, torna-se um asceta sem nada de humano, uma sombra caída aos pés da cruz; e, é sem que lhe mude a cor do rosto que asperge a responsa o esquife de Albina, que se asfixiou no Paradou sob um montão de flores de perfumes fortes.
Os críticos inteligentes que acusaram O Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação de Faute de L'Abbé Mouret, não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do Senhor Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois títulos induziu-os em erro.
Com conhecimento dos dois livros, só a obtusidade córnea ou má-fé cínica poderia assemelhar esta bela alegoria idílica, a que está misturado o patético drama de uma alma mística, ao Crime do Padre Amaro que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada a sombra de uma velha Sé de província portuguesa.
Aproveito este momento para agradecer a crítica do Brasil e de Portugal a atenção que ela tem dado aos meus trabalhos.

Bristol, 1 de janeiro de 1880.



Eça de Queiroz