José
Maria Eça de Queirós nasceu aos 25 de novembro de 1845, em Póvoa
de Varzim, filho natural (e depois legitimado) de José Maria de
Almeira Teixeira de Queiroz e de Dona Carolina Augusta Pereira de Eça
de Queiroz. Em dezembro do mesmo ano, foi levado para a Vila do Conde
e batizado na Igreja Matriz pelo padre Pedro Antônio da Silva
Coelho. O pequeno Eça ficou entregue aos cuidados de uma modesta
família de Vila do Conde, Ana Joaquina Leal de Barros e Antônio
Fernandes do Carmo. Recebia a visita dos pais frequentemente. Sua
legitimação como filho se deu com o casamento dos pais, em Viana do
Castelo, em 1849. Algum tempo depois, deixou o Minho e foi levado
para Verdemilho, para a casa dos avós paternos, Dona Teodora
Joaquina de Almeida e Joaquim José de Queiroz e Almeida. Aos 10
anos, após a morte dos avós, os pais internaram. Eça no Colégio
da Lapa, no Porto. Em julho de 1858, fez exame de instrução
primária. Entre 1858 e 1861, fez uma série de exames que o
habilitaram a frequentar a Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra (1861), onde se formou humana e literariamente dentro da
filosofia positivista e materialista da época. Durante o tempo em
que esteve em Coimbra, Eça de Queiroz travou relações com Teófilo
Braga e Antero de Quental, que viria a ser o líder dos componentes
da geração chamada realista. Desta fase da sua vida afirma
Feliciano Ramos: “Sob o ponto de vista escolar, foi Queiroz um
estudante apagado. Da Universidade e dos professores não lhe ficaram
recordações lisonjeiras. Sua passagem por Coimbra nada tem de
espetacular e é quase silenciosa”.
Em 1866,
Eça enviou ao Teatro D. Maria I a tradução da peça de José
Bouchardy, Philidor. Nesse mesmo ano, em 23 de março, saiu, na
Gazeta de Portugal, o seu primeiro escrito conhecido, intitulado
Notas Marginais. Formado em Direito (1866), partiu para
Lisboa, instalando-se na casa paterna. Pendendo sempre para as
letras, publicou até fins de 1866 uma dezena de folhetins. Em 1867,
vamos encontrá-lo em Évora como fundador e diretor do jornal da
operação Distrito de Évora, cujo primeiro número saiu no dia 6 de
janeiro. Regressou, no mesmo ano, a Lisboa e recomeçou a sua
colaboração na Gazeta de Portugal, publicando o seu décimo segundo
folhetim, O Milhafre. Nessa ocasião, começou a formar-se o
grupo do Cenáculo, Centro de Convívio intelectual, na Travessa do
Guarda-Mor, em Lisboa. Participavam só grupo Salomão Saraga, Santos
Valente, Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça de Queiroz
partiu em companhia do Conde de Resende para o Oriente, a fim de
assistir à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem resultou o
livro O Egito, relato de suas experiências como repórter. Em
1870, publicou uma série de folhetins sob o título De Port Said a
Suez. Foi nomeado administrador do Conselho de Leiria. Entre 24 de
junho e 27 de setembro de 1870, saiu em folhetins o Mistério da
Estrada de Sintra, no Diário de Notícias. Com a intenção de
seguir carreira diplomática, entrou em concurso para cônsul de 1ª
classe, na Sala de Corpo Diplomático do Ministério dos
Estrangeiros, tendo sido classificado em primeiro lugar. O ano de
1871 marcou uma série de acontecimentos importantes: realizaram-se
as famosas “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense”,
sendo Eça de Queiroz o quarto conferencista com a dissertação
“Realismo como Nova Expressão da Arte”. Foi exonerado do cargo
de administração em Leiria. Em 1872, dois anos após o concurso,
partiu para Havana, nomeado cônsul de 1ª Classe nas Antilhas
Espanholas. No ano seguinte conheceu os Estados Unidos em missão
oficial. Transferiu-se, em novembro de 1874, para New Castle, na
Inglaterra. Comçou a elaborar os primeiros romances naturalistas: O
Crime do Padre Amaro, colocado a venda em volume em julho de
1876, e O Primo Basílio.
Nos anos
de 1877 e 1878 colaborou no Jornal A Atualidade, do Porto, com
as Cartas de Londres. Sua atividade intelectual e diplomática
era intensa: transferiu-se para o consulado de Bristol (1878),
colaborou no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro e
publicou, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de
Portugal (1880). No início de 1880, viajou a Portugal, em férias,
ali permanecendo até junho. Três anos após foi eleito sócio
correspondente da Academia Real das Ciências. Em uma de suas
viagens, estando em Paris em 1885, entrou em contato com Emile Zola,
o mestre do naturalismo francês. Entretanto, apesar da intensa
atividade como cônsul e literato, Eça de Queiroz sentia-se só.
Tinha conhecido, no verão de 1884,, na praia da Granja, em Portugal,
D. Emília Resende.
Mantinha
com ela um romance, alimentado por farta correspondência. Resolveu,
então, se casar. Em fevereiro de 1886, no oratório particular da
Quinta de Santo Ovídio, contraiu matrimônio com D. Emília. O seu
casamento e, dois anos depois, a sua nomeação como cônsul de
Portugal em Paris mudaram radicalmente de vida. Instalou
definitivamente sua casa em Neuilly, Paris, e passou a viver como
burguês, dedicando-se ao lar, a família e aos seus escritos. Fez
nova viagem a Portugal. Dirigiu a Revista de Portugal. Em 1889,
agregou-se ao grupo dos Vencidos da Vida, de que faziam parte Guerra
Junqueira, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, dentre outros. Em
1897, começou a publicar, na Revista Moderna, o romance A Ilustre
Casa de Ramires. Doente já há algum tempo, Eça de queiroz
deixou Paris, na companhia de Ramalho Ortigão, indo para a Suíça,
“onde vai procurar alívio para os males de que padece há muito e
nos últimos tempos se agravaram”. Seu estado de saúde piora.
Regressa a Paris e falece aos 16 de agosto de 1900, em sua casa, as
quatro e meia da tarde. No dia seguinte, foi transportado a bordo do
navio “África”, para ser enterrado no Cemitério do Alto São
João.
A obra
de Eça de Queiroz
Eça de
Queiroz escreveu romances e contos dedicando-se, ainda, à literatura
de viagens e ao jornalismo. Romances. O Mistério da Estada de
Sintra (1871, em colaboração com Ramalho Ortigão), O Crime
do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O
Mandarim (1880), A Relíquia (1887), Os Maias
(1888), A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Correspondência
de Fradique Mendes (1900), A Cidade e as Serras (1901), A
Capital (1925), O Conde de Abranhos (1925), Alves & Cia
(1925).
Possui
um exemplar Contos (1902). Sua obra como jornalista, relator
de viagens e hagiógrafo estende-se nos seguintes livros: Uma
Campanha Alegre (1890-1891), Cartas de Inglaterra (1903),
Prosas Bárbaras (1905), Ecos de Paris (1905), Cartas
Familiares e Bilhetes de Paris (1907), Notas Contemporâneas
(1909), Últimas Páginas (1912), Correspondência
(1926), O Egito (1926), Crônicas de Londres (1944),
Cartas de Lisboa (1944), Cartas (1945) etc.
Embora
Eça de Queiroz tenha sido crítico literário, epistológrafo,
polemista e hagiógrafo, cronista e jornalista, foi como cotista e
romancista que se destacou como o maior escritor português do século
XIX e um dos maiores escritores da língua portuguesa. A crítica
literária costuma dividir a obra queiroziana em três fases
distintas: a primeira, de 1866 a 1875, denominada “romântica”; a
segunda, de 1875 a 1888, chamada “realista”, a terceira, de 1888
a 1900, fase “social nacionalista”.
A
primeira fase inicia-se com as primeiras publicações de artigos e
crônicas na Gazeta de Portugal, trabalhos coligidos mais tarde por
Jaime Batalha Reis no volume Prosas Bárbaras, e termina com a
publicação de O Crime do Padre Amaro, em 1875, em sua primeira
versão na Revista Ocidental. Caracteriza-se por ser fase de
iniciação, de indecisão e por apresentar Eça de Queiroz múltipla
influência do satanismo de Baudelaire, do lirismo de Heine, do
macabrismo de Poe e Hoffmann. As obras desta fase demonstram um gosto
pela linguagem nebulosa, um emprego incomum de adjetivos, uma certa
tendência pela ordem direta e a criação e a aceitação de grande
número de neologismos. As prosas Bárbaras são narrativas – uma
espécie de conto – com a temática sinistra, macabra, situada em
ambiente s exóticos, em geral, nos países nórdicos. Pertencem
ainda a esta primeira fase O Mistério da Estrada de Sinistra,
escrito em colaboração com Ramalho Ortigão, e Uma Campanha Alegre,
produto do material publicado por Eça de Queiroz em As Farpas,
jornal Satírico dirigido por Ortigão. O primeiro é um tipo de
romance policial, cujo assunto se desenrolou a partir da agressão
praticada por um grupo de mascarados na pessoa de um médico que
regressava, com alguns amigos, de Sintra a Lisboa. Alguns veem na
obra uma intenção em satirizar o romantismo de Camilo Castelo
Branco, cujas obras estão repletas de atentados desse gênero. Eça
de Queiroz reuniu em Uma Campanha Alegre, em dois volumes, toda a sua
colaboração em As Farpas, matéria satírica e humorística,
“Crônica mensal da política, das letras e dos costumes”.
A
segunda fase tem início com a publicação de O Crime do Padre
Amaro, e termina com a publicação de Os Maias. É uma fase em que,
“aderindo as teorias do Realismo iconoclasta a partir de 1871, Eça
coloca-se sob a bandeira da República e da Revolução, e passa a
escrever, em coerência com as ideias aceitas, obras de combate as
instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia) e de ação e
reforma social”, afirma Massaud Moisés. O Crime do Padre Amaro, o
Primo Basílio, O Mandarim, A Relíquia e os Maias são o que há de
melhor nesta fase. O Mandarim, de todos talvez o menos realista, é
um volume de fantasias em que Eça de Queiroz pretendeu demonstrar
que o dinheiro ganho honestamente, com o suor do trabalho, é o único
que pode trazer satisfação e felicidade ao homem. O Crime do Padre
Amaro, inspirado em La Faute de L'Abbé Mouret, de Zola, e no
Monsieur de Boisdhyver, de Champfleury, é um romance de costumes,
romance de “atualidade”, cuja ação decorre em Leiria. Era de
Queiroz, com esse romance, pretendeu apontar a corrupção existente
no meio eclesiástico da época. Constitui-se O Crime do Padre Amaro
num retrato fiel e minucioso da sociedade leiriense, muito
influenciada pelos membros do clero, como é comum, aliás, entre a
gente dos pequenos aglomerados da província. O enredo de O Primo
Basílio situa-se na cidade de Lisboa e é verossímil.
Se em O
Crime do Padre Amaro as personagens pecam porque são muito fáceis e
reagem sem grande oposição interior (o próprio Amaro não
demonstrava esforço pra resistir as tentações), em O Primo Basílio
as personagens vivem, são autênticas, Basílio é um conquistador
vulgar e a sua prima Luísa, vítima do ambiente social que a retém
fechada em casa, alheia a tudo o que acontece no mundo, e vítima
ainda da leitura de obras românticas, torna-se adúltera. Eça de
Queiroz pretendeu provar que uma educação em bases românticas é
falha. O romance A Relíquia pode ser enquadrado como realista devido
aos seus propósitos de crítica social. Tentou demonstrar a
inutilidade da hipocrisia e fê-lo com tom irônico e caricatural.
Finalmente, em Os Maias temos um caso de incesto, o amor físico
entre dois irmãos, que se desvenda no final do romance. Eça de
Queiroz retrata e critica a alta sociedade lisboeta do último
quartel do século XIX. Antônio José Barreiros escreve: “Quis
pintar nele a sociedade portuguesa tal qual a fez o
Constitucionalismo de 1830, como expressamente disse em carta a
Teófilo Braga. Porque teria de abranger todas as infraestruturas
dessa sociedade, política e finanças, religião e moral, literatura
e jornalismo, festas e jogos e espetáculos, amizades e relações
entre famílias, a obra resultou muito complexa.”
A
terceira fase limita-se pela publicação de Os Maias e vai até a
morte do romancista. Eça de Queiroz, abandonando a sátira aos
vícios da sociedade, começa a desenvolver temas de caráter social
e nacionalista. Adquire mais interesse pelos problemas intelectuais,
estéticos e históricos. Vendo que pouco ou nada adiantava com a
sátira ao vício, abandona-a e ergue uma obra de sentido
construtivo, contactando com o outro lado do mundo que ainda não
estava podre. É uma fase em que atinge a maturidade intelectual.
Representam-na, principalmente, três obras: A Ilustre Casa de
Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes e A Cidade e as
Serras. A ação do romance A Ilustre Casa de Ramires decorre entre
Douro e Minho e nele Eça de Queiroz realiza, levemente, a decadência
de Portugal do século XIX, pondo-o em confronto com a Portugal da
Idade Média. Gonçalo Mendes Ramires é a personagem principal.
Descende de nobre linhagem, mas vive burguesamente dos seus
rendimentos. A correspondência de Fradique Mendes consta duas
partes: a primeira em que Eça se preocupa com a criação da
personalidade de Fradique Mendes; a outra em que apresenta a
correspondência trocada entre o protagonista e conhecidas figuras do
tempo. (Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e
outros). Embora ainda aqui apareça um pouco da crítica social
empreendida nos romances da segunda fase, o autor aproveita-se das
cartas para expor suas ideias sobre literatura, filosofia, religião,
arte e política. A Cidade e as Serras é considerada a obra-prima
desta fase. Publicado em 1901, teve grande parte da sua revisão
feita por Ramalho Ortigão. Eça de Queiroz, seu autor, tinha sido
surpreendido pela morte. Eça desenvolveu no romance o assunto que já
esboçará nos contos Civilização Suave Milagre e Adão e Eva no
Paraíso. Em A Cidade e as Serras, Eça de Queiroz defende a tese de
que o homem só pode encontrar a verdadeira felicidade longe da
civilização, na vida simples do campo, em contato com a natureza.
“Enquanto
escritor, pelo poder de transmitir pela palavra a carga de
sentimentos e de cores cuja expressão constitui problema para o
comum de seus confrades e dos homens não-escritores, ocupa lugar de
topo, legando um rol de soluções expressivas de largo e profundo
curso no século XX. Por esse lado, Eça mantém-se
extraordinariamente vivo e atuante no espírito de grande massa de
leitores ainda hoje”, diz Massaud Moisés, em “A Literatura
Portuguesa”.
Pesquisa
do Professor Carlos Alberto Iannone, da Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras de Marília.
Cronologia
1845 –
Aos 25 de novembro nasce em Póvoa de Varzim, José Maria Eça de
Queiroz. É batizado em dezembro.
1849 –
Casam-se em Viana de Castelo seus pais, José Maria de Almeida
Teixeira de Queiroz e Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz.
1855 –
Eça de Queiroz, com 10 anos de idade, é internado no Colégio da
Lapa, na cidade do Porto.
1861 –
Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
1866 –
Forma-se advogado. Sai na Gazeta de Portugal, o primeiro folhetim de
Eça de Queiroz, Notas Marginais.
1867 –
dirige em Évora o jornal da oposição, Distrito de Évora.
Em julho regressa a Lisboa e colabora na Gazeta de Portugal.
Participa do grupo do Cenáculo.
1869 –
Eça de Queiroz parte como o Conde de Resende para o Egito, onde
assiste à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem nasceria O
Egito, publicado em 1926.
1870 –
Publica, em folhetins, no Diário de Notícias, o romance O
Mistério da Estrada de Sintra. É nomeado administrador do
conselho de Leiria. Classifica-se em 1º lugar num concurso para
cônsul de 1ª classe.
1871 –
Profere a 4ª conferência do Casino, O Realismo como Nova
Expressão de Arte. É exonerado do cargo administrativo de
Leiria.
1872 –
Vai para Havana como cônsul de 1ª classe nas Antilhas Espanholas.
1873 –
Embarca para os Estados Unidos, em missão oficial.
1874 –
Transfere-se para o consulado de New Castle, na Inglaterra.
1875 –
Saem em folhetins, na Revista Ocidental, os primeiros capítulos da
1ª versão de O Crime do Padre Amaro.
1878 –
É transferido para o consulado de Bristol. Sai O Primo Basílio.
1880 –
Publica, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de
Portugal.
1885 –
Vai a Paris e visita Émile Zola.
1886 –
Casa-se com Emília de Castro Pamplona Resende, filha dos Condes de
Resende.
1887 –
A Relíquia
1888 –
toma posse oficial do consulado de Paris. Passa a residir em Neuilly.
Publica Os Maias.
1889 –
Agrega-se ao grupo dos Vencidos da Vida.
1890 –
Uma Campanha Alegre.
1897 –
Começa a publicar na Revista Moderna, em Paris, a Ilustre Casa de
Ramires.
1900 –
Vai para a Suíça, em companhia de Ramalho Ortigão. Regressa a
Paris e morre aos 16 de agosto, na sua casa de Neuilly.
Nota
da 2ª Edição O Crime do Padre Amaro
O Crime
do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da
crítica, quando publicado anteriormente ao romance intitulado - O
Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se
aduzir nenhuma prova efetiva) que O Crime do Padre Amaro era uma
imitação do romance do senhor E. Zola – La Faute de L'Abbé
Mouret, ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais
estudos sociais sugerira a ideia, os personagens, a intenção do
Crime do Padre Amaro.
Eu tenho
algumas razões para crer que isto não é correto. O Crime do Padre
Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado
em 1874. O livro do Senhor Zola, La Faute de L'Abbé Mouret (que é o
quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em
1875.
Mas
(ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas
como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no
cérebro, no pensamento do Senhor Zola, e ter avistado, entre as
formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do Abade
Mouret, - exatamente como o venerável Anquises no Vale dos Elísios
podia ver, entre as sombras das raças vindouras flutuando na névoa
luminosa do Letes, aquele que um dia devia ser Marcelo. Tais coisas
são possíveis. Nem o homem prudente as deve considerar mais
extraordinárias que o carro de fogo que arrebatou Elias aos céus –
e outros prodígios provados.
O que,
segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exatidão, é
a simples comparação dos dois romances. La Faute de L'Abbé Mouret
é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do
primeiro homem e da primeira mulher no amor. O Abade Mouret (Sérgio),
tendo sido atacado de uma febre cerebral, trazida principalmente pela
sua exaltação mística no culto da Virgem, na solidão de um vale
abrasado da Provença (primeira parte do livro), é levado para
convalescer ao Paradou, antigo parque do século XVII a que o
abandono refez uma virgindade selvagem, e que é a representação
alegórica do Paraíso. Aí, tendo perdido na febre a consciência de
si mesmo a ponto de se esquecer do seu sacerdócio e da existência
da aldeia, e a consciência do universo a ponto de ter medo do sol e
das árvores do Paradou como de monstros estranhos – era, durante
meses, pelas profundidades do bosque inculto, com Albina que é o
gênio, a Eva desse lugar de legenda; Albina e Sérgio, seminus como
no paraíso, procuram sem cessar, por um instinto que os impede, uma
árvore misteriosa, da ramada qual cai a influência afrodisíaca da
matéria provocadora; sob este símbolo da Árvore da Ciência se
possuem, depois de dias angustiosos em que tenham descobrir, na sua
inocência paradisíaca, o meio físico de realizar o amor; depois,
numa mútua vergonhosa súbita, notando a sua nudez, cobrem-se de
folhagens; e daí os expulsa, os arranca o Padre Arcângias, que é a
personificação teocrática do antigo Arcanjo. Na última parte do
livro O Abade Mouret recupera a consistência de si mesmo, subtrai-se
a influência dissolvente da adoração da Virgem, obtém por um
esforço da oração e um privilégio da graça a extinção da sua
virilidade, torna-se um asceta sem nada de humano, uma sombra caída
aos pés da cruz; e, é sem que lhe mude a cor do rosto que asperge a
responsa o esquife de Albina, que se asfixiou no Paradou sob um
montão de flores de perfumes fortes.
Os
críticos inteligentes que acusaram O Crime do Padre Amaro de ser
apenas uma imitação de Faute de L'Abbé Mouret, não tinham
infelizmente lido o romance maravilhoso do Senhor Zola, que foi
talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois
títulos induziu-os em erro.
Com
conhecimento dos dois livros, só a obtusidade córnea ou má-fé
cínica poderia assemelhar esta bela alegoria idílica, a que está
misturado o patético drama de uma alma mística, ao Crime do Padre
Amaro que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo,
uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada a sombra de
uma velha Sé de província portuguesa.
Aproveito
este momento para agradecer a crítica do Brasil e de Portugal a
atenção que ela tem dado aos meus trabalhos.
Bristol,
1 de janeiro de 1880.
Eça de
Queiroz