domingo, 5 de julho de 2015

Álcool causa a maioria dos acidentes

Dados se referem ao país. No RS, 45% das ocorrências em 2003 estão ligadas à bebida e às drogas

Mais da metade dos acidentes de trânsito no Brasil são causados pelo uso de bebidas alcoólicas. O pais gasta cerca de R$ 5 bilhões com o problema por ano. Os dados foram debatidos ontem no Fórum Volvo pela Segurança n Trânsito, realizado pela Volvo e pelo Detran-RS na Fiergs. No Estado, a estimativa é que 45% dos 11 mil acidentes ocorridos em 2003 tiveram sua origem no consumo de álcool, drogas ou excesso de medicamentos. Mas as estatísticas estão longe de retratar a situação, disse o coordenador do Programa Volvo de Segurança no Trânsito J. Pedro Corrêa.
O trânsito como prioridade dos governos foi defendido por Corrêa. Segundo ele, esse é um dos maiores desafios, ao lado da conscientização dos motoristas. Entre os problemas, além do álcool e da falta de interesse dos gestores públicos, estão a frota desatualizada que circula nas cidades e a deficiência na formação de condutores. “Avançamos quanto ao cinto e a faixas de segurança e sinalização eletrônica, mas ainda há muito o que fazer.”
Estudo realizado pela Federação das Seguranças em cidades com mais de 100 mil habitantes revelou que a sociedade reivindica mais rigor com os infratores. A necessidade de leis duras para quem causa acidentes por embriaguez foi defendida por 85% dos entrevistados. A falta de uma estatística detalhada no RS impossibilita saber a influência exata do álcool nos acidentes. Isso acontece, segundo o presidente do Detran-RS. Carlos Ubiratan dos custos dos exames.
Visando obter números mais fiéis à realidade, o Detran irá custear os insumos para realizar os exames, por meio de convênio com o IGP. Há expectativa de que, em três meses, sejam disponibilizados. Segundo ele, é preciso pressionar os governos para tornar obrigatório o teste de bafômetro.

Belga: 'É preciso repressão'

A combinação álcool e direção mata cerca de dez mil pessoas por ano na União Europeia. A afirmação é do diretor-geral do Instituto Belga de Segurança no Trânsito (ISBR), Patric Derweduwen, um dos destaques do Fórum Volvo de Segurança no Trânsito, que ocorreu ontem, na Fiergs, numa parceria entre o Detran-RS e a Volvo. O palestrante apontou a falta de avaliações sistemáticas do nível de álcool no sangue e dados não confiáveis para o desenvolvimento de projetos de redução de acidentes. Derweduwen expôs ainda o case “Bob”, projeto fundado pelo IBSR com a Confederação das Cervejarias Belgas a fim de diminuir os acidentes de trânsito por consumo de álcool. Bob seria o escolhido da turma para não beber e ser o condutor responsável pelos outros amigos. Porém, ele salientou que apenas campanhas educativas não são suficientes. “É preciso repressão e força para diminuir o consumo de álcool entre os jovens motoristas.”
O diretor-presidente do Detran-RS, Carlos Ubiratan dos Santos, destacou a mobilização da comunidade do trânsito gaúcho e brasileiro sobre o tema direção e álcool. “Tivemos um movimento intenso para que se encontrem saídas e procedimentos que possam reduzir o problema da mistura direção e álcool, drogas ou medicamentos.” O uso do bafômetro despontou como uma das medidas capazes de reduzir o total de acidentes causados pela mistura. Serão feitas ainda mobilizações junto ao Judiciário e a parlamentares.


Fonte: Correio do Povo, página 5 de 12 de agosto de 2004.

A Vila Rica dos Poetas

Em 1780, um século após a descoberta das minas, Vila Rica já havia muito deixara de ser um acampamento mineiro embarrado e sem atrativos. Situada no sopé do grandioso penedo do Itacolomi, a cidade se constituía de uma teia de ruas pavimentadas percorrendo ladeiras íngremes, ladeadas por graciosas construções de dois pisos, muitas das quais possuíam terraços ajardinados e floridos. No topo das colinas, ou em frente a praças amplas a arejadas, havia inúmeras igrejas barrocas, com altares reluzindo em ouro e paredes repletas de ornamentações suntuosas. Não era uma cidade: era uma obra de arte urbana. Vila Rica, disse um poeta, era “pérola preciosa do Brasil¨. Mas a riqueza da cidade – seja ouro preto, seus diamantes reluzentes, suas minas opulentas – era também fonte de suas desgraças. Submetida a uma sangria feroz, que se manifestava na forma impostos de entrada e impostos de saída (qualquer produtos levado às minas era duramente taxado; cada grama de ouro que saía pagava em tributo oneroso), Vila Rica via sua formatura se esvair.
Levado para além-mar, o ouro de Minas permitiria a D. João V reinar numa luxuosa ostentação a ponto de se tornar conhecido como o Roi-Soleil português. O mais grave é que o “fulvo metal”, nem sequer servia para enriquecer a metrópole: era apenas o ouro “que Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa”, como observou o viajante inglês Henry Fielding. Nada mais natural, portanto, que a jovem sociedade mineira – tão diferenciada da elite rural de indignação e revolta. E essa revolta não demoraria muito para eclodir.
Pelo menos algumas vantagens Vila Rica conseguiu auferir de sua opulência. Além de constituir uma sociedade essencialmente urbana, possuía uma estrutura bem mais complexa do que aquela que se reduzia a senhores e escravos. Havia uma “classe média”: comerciantes, mercadores, artistas e, é claro, poetas. Outra possibilidade aberta pelo ouro foi a chance concedida a alguns filhos da elite local de realizarem seus estudos na Europa. Muitos herdeiros de mineradores bem-sucedidos foram enviados para a Universidade de Coimbra, em Portugal. E lá, vários deles tomaram contatos com ideias liberais e republicanas, acompanhando o furor provocado pela Revolução Francesa e pela independência dos Estados Unidos. Um desses estudantes, José da Maia e Barbalho, chegou a entrar em contato com Thomas Jefferson, embaixador dos EUA na França, sondando-o sobre um possível apoio norte-americano à independência do Brasil. Enquanto isso, em Vila Rica, mudanças políticas tornaram insustentável o que já era ruim. Em outubro de 1783, o governador Rodrigo José de Meneses, homem de grande cultura, amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa e liberal com os contrabandistas, foi substituído por Luís da Cunha Meneses, um sujeito em tudo diferente dele. Para atacar a elite descontente, Cunha fez uma aliança populista com as classes inferiores de Vila Rica. Mas era um corrupto que saqueava os cofres públicos e desfilava ostensivamente pelas ruas de Vila Rica com suas muitas concubinas. Foi satirizado pelas Contas Chilenas, livro provavelmente escrito por Tomás Antônio Gonzaga, no qual era chamado de “Fanfarrão Minésio”.


Fonte: História do Brasil (1996), página 84.  

A Vida de Eça de Queiroz

José Maria Eça de Queirós nasceu aos 25 de novembro de 1845, em Póvoa de Varzim, filho natural (e depois legitimado) de José Maria de Almeira Teixeira de Queiroz e de Dona Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz. Em dezembro do mesmo ano, foi levado para a Vila do Conde e batizado na Igreja Matriz pelo padre Pedro Antônio da Silva Coelho. O pequeno Eça ficou entregue aos cuidados de uma modesta família de Vila do Conde, Ana Joaquina Leal de Barros e Antônio Fernandes do Carmo. Recebia a visita dos pais frequentemente. Sua legitimação como filho se deu com o casamento dos pais, em Viana do Castelo, em 1849. Algum tempo depois, deixou o Minho e foi levado para Verdemilho, para a casa dos avós paternos, Dona Teodora Joaquina de Almeida e Joaquim José de Queiroz e Almeida. Aos 10 anos, após a morte dos avós, os pais internaram. Eça no Colégio da Lapa, no Porto. Em julho de 1858, fez exame de instrução primária. Entre 1858 e 1861, fez uma série de exames que o habilitaram a frequentar a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (1861), onde se formou humana e literariamente dentro da filosofia positivista e materialista da época. Durante o tempo em que esteve em Coimbra, Eça de Queiroz travou relações com Teófilo Braga e Antero de Quental, que viria a ser o líder dos componentes da geração chamada realista. Desta fase da sua vida afirma Feliciano Ramos: “Sob o ponto de vista escolar, foi Queiroz um estudante apagado. Da Universidade e dos professores não lhe ficaram recordações lisonjeiras. Sua passagem por Coimbra nada tem de espetacular e é quase silenciosa”.
Em 1866, Eça enviou ao Teatro D. Maria I a tradução da peça de José Bouchardy, Philidor. Nesse mesmo ano, em 23 de março, saiu, na Gazeta de Portugal, o seu primeiro escrito conhecido, intitulado Notas Marginais. Formado em Direito (1866), partiu para Lisboa, instalando-se na casa paterna. Pendendo sempre para as letras, publicou até fins de 1866 uma dezena de folhetins. Em 1867, vamos encontrá-lo em Évora como fundador e diretor do jornal da operação Distrito de Évora, cujo primeiro número saiu no dia 6 de janeiro. Regressou, no mesmo ano, a Lisboa e recomeçou a sua colaboração na Gazeta de Portugal, publicando o seu décimo segundo folhetim, O Milhafre. Nessa ocasião, começou a formar-se o grupo do Cenáculo, Centro de Convívio intelectual, na Travessa do Guarda-Mor, em Lisboa. Participavam só grupo Salomão Saraga, Santos Valente, Jaime Batalha Reis, Antero de Quental e Eça de Queiroz partiu em companhia do Conde de Resende para o Oriente, a fim de assistir à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem resultou o livro O Egito, relato de suas experiências como repórter. Em 1870, publicou uma série de folhetins sob o título De Port Said a Suez. Foi nomeado administrador do Conselho de Leiria. Entre 24 de junho e 27 de setembro de 1870, saiu em folhetins o Mistério da Estrada de Sintra, no Diário de Notícias. Com a intenção de seguir carreira diplomática, entrou em concurso para cônsul de 1ª classe, na Sala de Corpo Diplomático do Ministério dos Estrangeiros, tendo sido classificado em primeiro lugar. O ano de 1871 marcou uma série de acontecimentos importantes: realizaram-se as famosas “Conferências Democráticas do Casino Lisbonense”, sendo Eça de Queiroz o quarto conferencista com a dissertação “Realismo como Nova Expressão da Arte”. Foi exonerado do cargo de administração em Leiria. Em 1872, dois anos após o concurso, partiu para Havana, nomeado cônsul de 1ª Classe nas Antilhas Espanholas. No ano seguinte conheceu os Estados Unidos em missão oficial. Transferiu-se, em novembro de 1874, para New Castle, na Inglaterra. Comçou a elaborar os primeiros romances naturalistas: O Crime do Padre Amaro, colocado a venda em volume em julho de 1876, e O Primo Basílio.
Nos anos de 1877 e 1878 colaborou no Jornal A Atualidade, do Porto, com as Cartas de Londres. Sua atividade intelectual e diplomática era intensa: transferiu-se para o consulado de Bristol (1878), colaborou no jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro e publicou, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de Portugal (1880). No início de 1880, viajou a Portugal, em férias, ali permanecendo até junho. Três anos após foi eleito sócio correspondente da Academia Real das Ciências. Em uma de suas viagens, estando em Paris em 1885, entrou em contato com Emile Zola, o mestre do naturalismo francês. Entretanto, apesar da intensa atividade como cônsul e literato, Eça de Queiroz sentia-se só. Tinha conhecido, no verão de 1884,, na praia da Granja, em Portugal, D. Emília Resende.
Mantinha com ela um romance, alimentado por farta correspondência. Resolveu, então, se casar. Em fevereiro de 1886, no oratório particular da Quinta de Santo Ovídio, contraiu matrimônio com D. Emília. O seu casamento e, dois anos depois, a sua nomeação como cônsul de Portugal em Paris mudaram radicalmente de vida. Instalou definitivamente sua casa em Neuilly, Paris, e passou a viver como burguês, dedicando-se ao lar, a família e aos seus escritos. Fez nova viagem a Portugal. Dirigiu a Revista de Portugal. Em 1889, agregou-se ao grupo dos Vencidos da Vida, de que faziam parte Guerra Junqueira, Oliveira Martins e Ramalho Ortigão, dentre outros. Em 1897, começou a publicar, na Revista Moderna, o romance A Ilustre Casa de Ramires. Doente já há algum tempo, Eça de queiroz deixou Paris, na companhia de Ramalho Ortigão, indo para a Suíça, “onde vai procurar alívio para os males de que padece há muito e nos últimos tempos se agravaram”. Seu estado de saúde piora. Regressa a Paris e falece aos 16 de agosto de 1900, em sua casa, as quatro e meia da tarde. No dia seguinte, foi transportado a bordo do navio “África”, para ser enterrado no Cemitério do Alto São João.

A obra de Eça de Queiroz

Eça de Queiroz escreveu romances e contos dedicando-se, ainda, à literatura de viagens e ao jornalismo. Romances. O Mistério da Estada de Sintra (1871, em colaboração com Ramalho Ortigão), O Crime do Padre Amaro (1875), O Primo Basílio (1878), O Mandarim (1880), A Relíquia (1887), Os Maias (1888), A Ilustre Casa de Ramires (1900), A Correspondência de Fradique Mendes (1900), A Cidade e as Serras (1901), A Capital (1925), O Conde de Abranhos (1925), Alves & Cia (1925).
Possui um exemplar Contos (1902). Sua obra como jornalista, relator de viagens e hagiógrafo estende-se nos seguintes livros: Uma Campanha Alegre (1890-1891), Cartas de Inglaterra (1903), Prosas Bárbaras (1905), Ecos de Paris (1905), Cartas Familiares e Bilhetes de Paris (1907), Notas Contemporâneas (1909), Últimas Páginas (1912), Correspondência (1926), O Egito (1926), Crônicas de Londres (1944), Cartas de Lisboa (1944), Cartas (1945) etc.
Embora Eça de Queiroz tenha sido crítico literário, epistológrafo, polemista e hagiógrafo, cronista e jornalista, foi como cotista e romancista que se destacou como o maior escritor português do século XIX e um dos maiores escritores da língua portuguesa. A crítica literária costuma dividir a obra queiroziana em três fases distintas: a primeira, de 1866 a 1875, denominada “romântica”; a segunda, de 1875 a 1888, chamada “realista”, a terceira, de 1888 a 1900, fase “social nacionalista”.
A primeira fase inicia-se com as primeiras publicações de artigos e crônicas na Gazeta de Portugal, trabalhos coligidos mais tarde por Jaime Batalha Reis no volume Prosas Bárbaras, e termina com a publicação de O Crime do Padre Amaro, em 1875, em sua primeira versão na Revista Ocidental. Caracteriza-se por ser fase de iniciação, de indecisão e por apresentar Eça de Queiroz múltipla influência do satanismo de Baudelaire, do lirismo de Heine, do macabrismo de Poe e Hoffmann. As obras desta fase demonstram um gosto pela linguagem nebulosa, um emprego incomum de adjetivos, uma certa tendência pela ordem direta e a criação e a aceitação de grande número de neologismos. As prosas Bárbaras são narrativas – uma espécie de conto – com a temática sinistra, macabra, situada em ambiente s exóticos, em geral, nos países nórdicos. Pertencem ainda a esta primeira fase O Mistério da Estrada de Sinistra, escrito em colaboração com Ramalho Ortigão, e Uma Campanha Alegre, produto do material publicado por Eça de Queiroz em As Farpas, jornal Satírico dirigido por Ortigão. O primeiro é um tipo de romance policial, cujo assunto se desenrolou a partir da agressão praticada por um grupo de mascarados na pessoa de um médico que regressava, com alguns amigos, de Sintra a Lisboa. Alguns veem na obra uma intenção em satirizar o romantismo de Camilo Castelo Branco, cujas obras estão repletas de atentados desse gênero. Eça de Queiroz reuniu em Uma Campanha Alegre, em dois volumes, toda a sua colaboração em As Farpas, matéria satírica e humorística, “Crônica mensal da política, das letras e dos costumes”.
A segunda fase tem início com a publicação de O Crime do Padre Amaro, e termina com a publicação de Os Maias. É uma fase em que, “aderindo as teorias do Realismo iconoclasta a partir de 1871, Eça coloca-se sob a bandeira da República e da Revolução, e passa a escrever, em coerência com as ideias aceitas, obras de combate as instituições vigentes (Monarquia, Igreja, Burguesia) e de ação e reforma social”, afirma Massaud Moisés. O Crime do Padre Amaro, o Primo Basílio, O Mandarim, A Relíquia e os Maias são o que há de melhor nesta fase. O Mandarim, de todos talvez o menos realista, é um volume de fantasias em que Eça de Queiroz pretendeu demonstrar que o dinheiro ganho honestamente, com o suor do trabalho, é o único que pode trazer satisfação e felicidade ao homem. O Crime do Padre Amaro, inspirado em La Faute de L'Abbé Mouret, de Zola, e no Monsieur de Boisdhyver, de Champfleury, é um romance de costumes, romance de “atualidade”, cuja ação decorre em Leiria. Era de Queiroz, com esse romance, pretendeu apontar a corrupção existente no meio eclesiástico da época. Constitui-se O Crime do Padre Amaro num retrato fiel e minucioso da sociedade leiriense, muito influenciada pelos membros do clero, como é comum, aliás, entre a gente dos pequenos aglomerados da província. O enredo de O Primo Basílio situa-se na cidade de Lisboa e é verossímil.
Se em O Crime do Padre Amaro as personagens pecam porque são muito fáceis e reagem sem grande oposição interior (o próprio Amaro não demonstrava esforço pra resistir as tentações), em O Primo Basílio as personagens vivem, são autênticas, Basílio é um conquistador vulgar e a sua prima Luísa, vítima do ambiente social que a retém fechada em casa, alheia a tudo o que acontece no mundo, e vítima ainda da leitura de obras românticas, torna-se adúltera. Eça de Queiroz pretendeu provar que uma educação em bases românticas é falha. O romance A Relíquia pode ser enquadrado como realista devido aos seus propósitos de crítica social. Tentou demonstrar a inutilidade da hipocrisia e fê-lo com tom irônico e caricatural. Finalmente, em Os Maias temos um caso de incesto, o amor físico entre dois irmãos, que se desvenda no final do romance. Eça de Queiroz retrata e critica a alta sociedade lisboeta do último quartel do século XIX. Antônio José Barreiros escreve: “Quis pintar nele a sociedade portuguesa tal qual a fez o Constitucionalismo de 1830, como expressamente disse em carta a Teófilo Braga. Porque teria de abranger todas as infraestruturas dessa sociedade, política e finanças, religião e moral, literatura e jornalismo, festas e jogos e espetáculos, amizades e relações entre famílias, a obra resultou muito complexa.”
A terceira fase limita-se pela publicação de Os Maias e vai até a morte do romancista. Eça de Queiroz, abandonando a sátira aos vícios da sociedade, começa a desenvolver temas de caráter social e nacionalista. Adquire mais interesse pelos problemas intelectuais, estéticos e históricos. Vendo que pouco ou nada adiantava com a sátira ao vício, abandona-a e ergue uma obra de sentido construtivo, contactando com o outro lado do mundo que ainda não estava podre. É uma fase em que atinge a maturidade intelectual. Representam-na, principalmente, três obras: A Ilustre Casa de Ramires, A Correspondência de Fradique Mendes e A Cidade e as Serras. A ação do romance A Ilustre Casa de Ramires decorre entre Douro e Minho e nele Eça de Queiroz realiza, levemente, a decadência de Portugal do século XIX, pondo-o em confronto com a Portugal da Idade Média. Gonçalo Mendes Ramires é a personagem principal. Descende de nobre linhagem, mas vive burguesamente dos seus rendimentos. A correspondência de Fradique Mendes consta duas partes: a primeira em que Eça se preocupa com a criação da personalidade de Fradique Mendes; a outra em que apresenta a correspondência trocada entre o protagonista e conhecidas figuras do tempo. (Oliveira Martins, Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro e outros). Embora ainda aqui apareça um pouco da crítica social empreendida nos romances da segunda fase, o autor aproveita-se das cartas para expor suas ideias sobre literatura, filosofia, religião, arte e política. A Cidade e as Serras é considerada a obra-prima desta fase. Publicado em 1901, teve grande parte da sua revisão feita por Ramalho Ortigão. Eça de Queiroz, seu autor, tinha sido surpreendido pela morte. Eça desenvolveu no romance o assunto que já esboçará nos contos Civilização Suave Milagre e Adão e Eva no Paraíso. Em A Cidade e as Serras, Eça de Queiroz defende a tese de que o homem só pode encontrar a verdadeira felicidade longe da civilização, na vida simples do campo, em contato com a natureza.
“Enquanto escritor, pelo poder de transmitir pela palavra a carga de sentimentos e de cores cuja expressão constitui problema para o comum de seus confrades e dos homens não-escritores, ocupa lugar de topo, legando um rol de soluções expressivas de largo e profundo curso no século XX. Por esse lado, Eça mantém-se extraordinariamente vivo e atuante no espírito de grande massa de leitores ainda hoje”, diz Massaud Moisés, em “A Literatura Portuguesa”.
Pesquisa do Professor Carlos Alberto Iannone, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Marília.

Cronologia

1845 – Aos 25 de novembro nasce em Póvoa de Varzim, José Maria Eça de Queiroz. É batizado em dezembro.
1849 – Casam-se em Viana de Castelo seus pais, José Maria de Almeida Teixeira de Queiroz e Carolina Augusta Pereira de Eça de Queiroz.
1855 – Eça de Queiroz, com 10 anos de idade, é internado no Colégio da Lapa, na cidade do Porto.
1861 – Ingressa na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
1866 – Forma-se advogado. Sai na Gazeta de Portugal, o primeiro folhetim de Eça de Queiroz, Notas Marginais.
1867 – dirige em Évora o jornal da oposição, Distrito de Évora. Em julho regressa a Lisboa e colabora na Gazeta de Portugal. Participa do grupo do Cenáculo.
1869 – Eça de Queiroz parte como o Conde de Resende para o Egito, onde assiste à inauguração do Canal de Suez. Dessa viagem nasceria O Egito, publicado em 1926.
1870 – Publica, em folhetins, no Diário de Notícias, o romance O Mistério da Estrada de Sintra. É nomeado administrador do conselho de Leiria. Classifica-se em 1º lugar num concurso para cônsul de 1ª classe.
1871 – Profere a 4ª conferência do Casino, O Realismo como Nova Expressão de Arte. É exonerado do cargo administrativo de Leiria.
1872 – Vai para Havana como cônsul de 1ª classe nas Antilhas Espanholas.
1873 – Embarca para os Estados Unidos, em missão oficial.
1874 – Transfere-se para o consulado de New Castle, na Inglaterra.
1875 – Saem em folhetins, na Revista Ocidental, os primeiros capítulos da 1ª versão de O Crime do Padre Amaro.
1878 – É transferido para o consulado de Bristol. Sai O Primo Basílio.
1880 – Publica, em folhetins, o romance O Mandarim, no Diário de Portugal.
1885 – Vai a Paris e visita Émile Zola.
1886 – Casa-se com Emília de Castro Pamplona Resende, filha dos Condes de Resende.
1887 – A Relíquia
1888 – toma posse oficial do consulado de Paris. Passa a residir em Neuilly. Publica Os Maias.
1889 – Agrega-se ao grupo dos Vencidos da Vida.
1890 – Uma Campanha Alegre.
1897 – Começa a publicar na Revista Moderna, em Paris, a Ilustre Casa de Ramires.
1900 – Vai para a Suíça, em companhia de Ramalho Ortigão. Regressa a Paris e morre aos 16 de agosto, na sua casa de Neuilly.

Nota da 2ª Edição O Crime do Padre Amaro

O Crime do Padre Amaro recebeu no Brasil e em Portugal alguma atenção da crítica, quando publicado anteriormente ao romance intitulado - O Primo Basílio. E no Brasil e em Portugal escreveu-se (sem todavia se aduzir nenhuma prova efetiva) que O Crime do Padre Amaro era uma imitação do romance do senhor E. Zola – La Faute de L'Abbé Mouret, ou que este livro do autor do Assomoir e de outros magistrais estudos sociais sugerira a ideia, os personagens, a intenção do Crime do Padre Amaro.
Eu tenho algumas razões para crer que isto não é correto. O Crime do Padre Amaro foi escrito em 1871, lido a alguns amigos em 1872, e publicado em 1874. O livro do Senhor Zola, La Faute de L'Abbé Mouret (que é o quinto volume da série Rougon Macquart), foi escrito e publicado em 1875.
Mas (ainda que isto pareça sobrenatural) eu considero esta razão apenas como subalterna e insuficiente. Eu podia, enfim, ter penetrado no cérebro, no pensamento do Senhor Zola, e ter avistado, entre as formas ainda indecisas das suas criações futuras, a figura do Abade Mouret, - exatamente como o venerável Anquises no Vale dos Elísios podia ver, entre as sombras das raças vindouras flutuando na névoa luminosa do Letes, aquele que um dia devia ser Marcelo. Tais coisas são possíveis. Nem o homem prudente as deve considerar mais extraordinárias que o carro de fogo que arrebatou Elias aos céus – e outros prodígios provados.
O que, segundo penso, mostra melhor que a acusação carece de exatidão, é a simples comparação dos dois romances. La Faute de L'Abbé Mouret é, no seu episódio central, o quadro alegórico da iniciação do primeiro homem e da primeira mulher no amor. O Abade Mouret (Sérgio), tendo sido atacado de uma febre cerebral, trazida principalmente pela sua exaltação mística no culto da Virgem, na solidão de um vale abrasado da Provença (primeira parte do livro), é levado para convalescer ao Paradou, antigo parque do século XVII a que o abandono refez uma virgindade selvagem, e que é a representação alegórica do Paraíso. Aí, tendo perdido na febre a consciência de si mesmo a ponto de se esquecer do seu sacerdócio e da existência da aldeia, e a consciência do universo a ponto de ter medo do sol e das árvores do Paradou como de monstros estranhos – era, durante meses, pelas profundidades do bosque inculto, com Albina que é o gênio, a Eva desse lugar de legenda; Albina e Sérgio, seminus como no paraíso, procuram sem cessar, por um instinto que os impede, uma árvore misteriosa, da ramada qual cai a influência afrodisíaca da matéria provocadora; sob este símbolo da Árvore da Ciência se possuem, depois de dias angustiosos em que tenham descobrir, na sua inocência paradisíaca, o meio físico de realizar o amor; depois, numa mútua vergonhosa súbita, notando a sua nudez, cobrem-se de folhagens; e daí os expulsa, os arranca o Padre Arcângias, que é a personificação teocrática do antigo Arcanjo. Na última parte do livro O Abade Mouret recupera a consistência de si mesmo, subtrai-se a influência dissolvente da adoração da Virgem, obtém por um esforço da oração e um privilégio da graça a extinção da sua virilidade, torna-se um asceta sem nada de humano, uma sombra caída aos pés da cruz; e, é sem que lhe mude a cor do rosto que asperge a responsa o esquife de Albina, que se asfixiou no Paradou sob um montão de flores de perfumes fortes.
Os críticos inteligentes que acusaram O Crime do Padre Amaro de ser apenas uma imitação de Faute de L'Abbé Mouret, não tinham infelizmente lido o romance maravilhoso do Senhor Zola, que foi talvez a origem de toda a sua glória. A semelhança casual dos dois títulos induziu-os em erro.
Com conhecimento dos dois livros, só a obtusidade córnea ou má-fé cínica poderia assemelhar esta bela alegoria idílica, a que está misturado o patético drama de uma alma mística, ao Crime do Padre Amaro que, como podem ver neste novo trabalho, é apenas, no fundo, uma intriga de clérigos e de beatas tramada e murmurada a sombra de uma velha Sé de província portuguesa.
Aproveito este momento para agradecer a crítica do Brasil e de Portugal a atenção que ela tem dado aos meus trabalhos.

Bristol, 1 de janeiro de 1880.



Eça de Queiroz

A Revolução Francesa de 1789 – Parte III

A Ditadura Jacobina e o Termidor

Radicalização e terror

No dia 21 de setembro de 1792 a Convenção Nacional aboliu a realeza e instaurou a república a república revolucionária. Luís XVI perdia o título de majestade e passava a se chamar Luís Capeto, ou cidadão Capeto. Submetido ao julgamento, foi condenado à guilhotina e supliciado no dia 21 de janeiro de 1793.
O tratamento cerimonioso, como o de monsieur ou madame ficava dispensado. Proclamou-se a república. Doravante, os franceses teriam direitos iguais, tratando-se todos como citoyen, cidadãos. Até aos bens nascidos era recomendado que não ostentassem vestígios de posição social, sendo de bom tom andar pelas ruas com algum emblema qualquer com as cores da revolução, o azul, o branco e o vermelho.

O significado da morte dos reis

Desaparecida a monarquia, a Convenção Nacional, um corpo imenso com mais de 700 parlamentares, passou a governar por comitês. Os mais importantes eram os da Salvação Pública e da Segurança Geral, com poderes políticos e policiais. Dez meses depois da execução do rei, com grande presença da multidão, em outubro de 1793, guilhotinaram a odiada rainha Maria Antonieta. As mortes das duas cabeças coroadas selaram em definitivo qualquer possibilidade do novo regime vir a conciliar com o passado ou com os demais monarcas europeus, horrorizados com o que aconteceram com os Bourbons. Sem poder voltar atrás, os revolucionários só poderiam seguir a diante. Para onde? Ninguém de boa fé poderia saber.
Ao mesmo tempo, a Convenção encaminhava um novo projeto para substituir a Constituição monárquica de 1791, que desaparecera junto com a cabeça de Luís XVI no cesto colocado logo abaixo da lâmina ensanguentada da guilhotina. Uma comissão se encarregou de redigir a nova Carta republicana, aprontada em 24 de junho de 1793.

As festas cívicas

A revolução de 1789, em larga parte inspirada pelas concepção de Jean-Jacques Rousseau, adepto da instituição da religião cívica para formar o espírito solidário do cidadão com a coletividade republicana, esmerou-se em proporcionar desfiles patrióticos em homenagem à federação e à celebração dos mártires da causa popular. Além disso, criaram-se faixas tricolores com as cores da revolução, o azul, branco e vermelho, que tornaram-se as componentes da bandeira francesa, e incontáveis hinos exaltando a coragem do povo em enfrentar os constantes desafios.
Os regimentos que se deslocavam para as frentes de batalha eram despedidos por fanfarras e por chuvas de flores e beijos das jovens republicanas que assim estimulavam a valentia dos bravos revolucionários que partiam em defesa da França. Impressionantes eram ainda os cortejos fúnebres, onde os corpos dos caídos eram sepultados com enorme acompanhamento, tendo ao fundo o toque surdo dos tambores em luto. Merecem igual registro o translado dos restos mortais de Voltaire e depois de Rousseau para o Panteão, prédio adaptado pela revolução para acolher os que inspiraram os ideais de 1789, e demais mártires da causa. Tudo isso excitava a fantasia revolucionária e produzia a sinergia necessária, na qual a vontade geral se fundia num só corpo, o país, a nação francesa.

A Festa do Ser Supremo

razão, filha da Natureza
E mãe da Verdade,
Com os raios de claridade pura
Circunda a Liberdade
E que sua companheira fiel,
A igualdade, conserve junto dela
A felicidade e as virtudes.”

Cidadão Holier – Ode à Razão

O mais sensacional dos desfiles cívicos, porém, foi o da consagração ao L'Être Suprême, a Festa do Ser Supremo, mandada organizar por Robespierre para combater as procissões religiosas durante a campanha da descristianização. No centro da espetacular parada, toda ela concebida por Jacques-Louis David, o cenógrafo da revolução, um carro conduzia uma bela atriz simbolizando a deusa da razão. Cerimônia nitidamente pagã, viram-na como o gesto de ruptura definitiva da Revolução de 1789, com o catolicismo e a religião em geral, e o ato inaugural, no terreno simbólico, do surgimento do moderno Estado secular. Napoleão, bem mais tarde, reviu a política da França para com a Igreja Católica, selando uma paz com o papado por meio de um concordata, assinada em 1807.


Fonte: História, Voltaire Schilling

A Resistência Negra

A historiografia brasileira, até cerca de 25 anos atrás, preferiu adotar a tese segundo a qual os escravos “se adaptaram bem” ao regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil e que, nesse país, a escravidão teria sido relativamente branda. O mito do “bom senhor” quase adquiriu força de lei depois do lançamento, em 1933, de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. No início dos anos 60, surgiram textos revisionistas da chamada “escola paulista” - liderada por Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Embora avesso à tese de Freyre, esses estudiosos – de formação esquerdista – preferiam estudar a questão pelo lado da “coisificação” do escravo, quase ignorando as rebeliões da senzala. Cardoso chegou a escrever que os escravos foram “testemunhos mudos de uma história para a qual não existem a não ser com (…) instrumento passivo”.
Estudos mais recentes e mais profundos, porém, revelam que a resistência dos escravos foi feroz e constante: milhares de negros lutaram de todas as formas contra os horrores que o destino lhes reservava. A fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de rebelião: houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas, incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus feitores. Muitos outros optaram pelo suicídio (em geral provocado pela ingestão de terra), ou então se deixavam acometer pelo banzo, o torpor mortal que levava à morte pela inanição. Onde houve escravidão, houve resistência.
Evidentemente, a forma mais comum de protesto contra a escravidão era a fuga. Apesar do rigor das punições (que incluíam a marcação com ferro em brasa, o açoitamento e até o corte do tendão de Aquiles), milhares de negros tentaram escapar da senzala – e muitos conseguiram. Embora grande parte fosse recapturada pelos capitães do mato, terríveis caçadores de homens quase infalíveis (negros na maioria), sempre houve aqueles que “estimando mais a liberdade entre as feras do que a sujeição entre os homens”, lograram-se meter na mata e lá fundar seus mocambos e quilombos (respectivamente “esconderijo” e “povoação”, em banto).
Quantos foram os quilombos e quantos negros neles viveram é algo impossível de calcular. Em 1930, o Guia Postal do Brasil registrava, segundo um pesquisador, 168 agências cujo nome derivava de quilombo ou mocambo. Eles se espalhavam da Amazônia ao Rio Grande do Sul, e alguns chegaram a ter cerca de 10 mil habitantes, como o quilombo do Ambrósio, em Minas. Não eram só negros de todas as tribos e línguas que viviam nos quilombos: também índios e brancos desajustados ou fora da lei podiam ser encontrados neles. Embora as autoridades e os senhores de escravos constantemente se unissem para articular expedições repressivas, enviadas a todo e qualquer quilombo, onde quer que eles se encontrassem, muitos desses núcleos resistiram por anos a fio. O maior e mais importante deles – Palmares, o berço de Zumbi – foi capaz de sobreviver por quase um século.

A Escravidão Indígena

Do descobrimento ao início efetivo da colonização, por volta de 1532, não houve escravidão indígena no Brasil: os portugueses conseguiam o que queriam – mantimentos e pau-brasil – através do escambo. Com a chegada da lavoura açucareira, a escravização começou e não poupou nem mesmo antigos aliados lusos. A partir da metade do século 16, porém, escravos africanos começaram a substituir os indígenas. Supostamente a troca se deu por causa da absoluta inadaptabilidade dos nativos ao trabalho agrícola. Mas a verdade é que, enquanto a captura dos índios só trazia lucros para os colonos, a escravidão negra logo se tornaria um negócio complexo e altamente rentável, gerando fortunas e trocas entre três continentes. Além disso, não apenas a coroa como também os jesuítas eram radicalmente contra a escravização dos índios – e grandes incentivadores do tráfico negreiro. Dezenas de leis foram feitas para proteger os nstivos do Brasil - os colonos, de todo o modo, logo trataram de transformá-las em letra morta. Protegidos ou não aos índios resultou um destino ainda mais cruel do que aquele reservado aos africanos: a maior parte das tribos foi extinta. De qualquer forma, índios e negros raramente se aproximaram, nunca se uniram e jamais procuraram ver o português como inimigo comum. Odiavam-se mutuamente.


Fonte: História do Brasil (1196), página 79.

A Inconfidência Mineira

Encarcerado, havia três anos, o prisioneiro caminhava com dificuldade e mal conseguia abrir os olhos. A alva ( o tosco roupão vestido pelos condenados) roçava os tornozelos. O baraço ( a grossa corda de forca) rodeava-lhe o pescoço e se estirava até as mãos do carrasco que o conduzia. Nas janelas, nas portas, nos beirais, pelas árvores, o povo acompanhava cada gesto do padecente. À frente ia a cavalaria, com suas fanfarras. Depois, o clero, os franciscanos e a Irmandade da Misericórdia, rezando salmos. A seguir, acorrentados e monologando com o crucifixo que trazia à altura dos olhos, ia o condenado. Às vezes, a procissão parava. O escrivão, então, lia o mandado: “Justiça que a rainha manda fazer a este infame, réu Joaquim José da Silva Xavier, pelo horroroso crime de rebelião e alta traição de que se constituiu chefe e cabeça na capitania de Minas Gerais...” Às 11 da manhã, sob um sol abrasador, o séquito chegou ao Campo de São Domingos, no Rio de Janeiro, local do patíbulo.
Três horas antes, partira do presídio. Lá, quando o carrasco, o negro Capitania, se aproximou, com o baraço e a alva, o condenado adiantou-se e beijou-lhe as mãos e os pés. A seguir, quando lhe ordenaram que se despisse para vestir a alva, ele tirou a camisa e disse: “Meu Salvador morreu também assim, nu, por meus pecado.” Agora, a vítima subia os degraus do patíbulo. Era sábado, dia 21 de abril de 1792.
O édito da rainha conclamara o povo do Rio a assistir à execução, e a praça estava repleta. À sombra da forca, o prisioneiro pediu ao carrasco que “acabasse logo com aquilo”. Mas faltavam os sermões. O frade Raimundo de Penaforte citou o Edesiastes: “Nem por pensamento detraias do teu rei, porque as mesmas aves levarão a tua voz e manifestarão teus juízos”. Em seguida, quando o povo e o padecente rezavam o credo, de súbito, em meio a uma frase, houve um baque surdo e o corpo da vítima balançava no ar. Para apressar a morte, o carrasco pulou sobre os ombros do enforcado. Ambos dançaram um bailado tétrico. Morria o Tiradentes.
Mas a condenação ainda não estava completa: a sentença determinava que o corpo fosse “espostejado”, e o esquartejamento começou em seguida. Dividido em quatro pedaços, bem salgados e postos dentro ele grandes sacos de couro, o corpo de Tiradentes partiu para a última viagem. O quarto superior esquerdo foi pendurado num poste na Paraíba do Sul. O quarto superior direito foi amarrado numa encruzilhada na saída de Barbacena. O quarto inferior direito ficou na frente da estalagem de Varginha, o último foi espetado perto de Vila Rica, cidade a qual a cabeça de Tiradentes chegou em 20 de maio de 1792. Ficou enfiada num poste, defronte da sede do governo. Tiradentes saía da vida para entrar na história.

A Rainha Louca

A terrível sentença contra o alferes Joaquim José da Silva Xavier incluía ainda a difamação de seus descendentes até a terceira geração, a destruição de sua casa, em Vila Rica, o salgamento do chão e o erguimento de um marco no local, para preservar a memória infame do abominável réu – foi proferida às duas da manhã de 19 de abril de 1792. Conhecido como Tiradentes – devido à profissão que eventualmente exercia - , o alferes foi considerado líder da conjuração (ou Inconfidência) Mineira e o único dos implicados condenado à morte. A sentença foi pronunciada em nome da rainha de Portugal, D. Maria I. Mas ela, com certeza, nada soube do caso: D. Maria era casada com seu tio, o rei consorte D. Pedro III. Em 1786, o rei morreu, vítima de embolia cerebral. Dois anos depois, a varíola levou-lhe o filho mais velho, José. Outro ano, estourou a Revolução Francesa. Esse parece ter sido o golpe fatal para D. Maria: ela passou a ter certeza que seria decapitada e, depois de morta, iria para o inferno.
Alguns historiadores acham que foi o bispo José Maria de Melo, seu confessor, quem lhe despertou a paranoia e a carolice ensandecida. Em 1792, D. João tornou-se regente e em 1799 os médicos consideraram a rainha incurável. D. Maria vivia trancada no palácio, gritando e quebrando o que visse pela frente. Morreu em 1816, no Brasil, para onde viera em 1808.


Fonte: História do Brasil (1996), página 81.

A Guerra dos Mascates

Um dos mais violentos conflitos internos do Brasil eclodiu dez anos antes da Revolta de Vila Rica e 79 anos antes da Inconfidência Mineira. Foi a Guerra dos Mascates, ocorrida em Pernambuco, entre Olinda e Recife. Encarapitada no topo duma colina em frente ao mar, Olinda era uma cidade de origem portuguesa. Durante a ocupação holandesa, porém, os invasores ergueram, nos baixios da colina, a cidade de Recife – construída num local que lembrava os alagadiços da Holanda. Depois da Insurreição Pernambucana, em 1645, Recife se manteve mais ativa do que Olinda. Porto movimentado, local de grandes transações comerciais, Recife, no entanto, era tido como mero bairro comercial de Olinda, onde a aristocracia rural- constituída basicamente por senhores de engenho endividados – continuava vivendo em suas mansões. Os comerciantes e burgueses recifenses pejorativamente chamado de “mascates” pelo olindenses, queriam se livrar da tutela de Olinda e ver seu “bairro” elevado à condição de vila. Os falidos olindenses, em meio à crescente crise das exportações de açúcar, lutaram pela manutenção de seus privilégios, cargos civis e eclesiásticos e não abriam mão de sua supremacia sobre Recife. No dia 19 de novembro de 1709, porém, o governador Sebastião de Castro e Caldas decidiu apoiar as reivindicações dos “mascates” e transformou Recife em vila. Na noite de 14 de fevereiro de 1710, ergueu o pelourinho na praça central.
Menos de um ano depois, em 10 de outubro, quando caminhava pela rua das Águas Verdes, Castro e Caldas foi baleado por um grupo de encapuzados que nunca chegou a ser identificado. Mesmo sem provas, o governador ordenou a prisão de vários senhores de engenho e do próprio ouvidor de Olinda. Indignada, a elite olindense se insurgiu, atacou Recife, destruiu o pelourinho e rasgou o foral da criação da vila. A ação foi feita por homens vestidos de penas e plumas, para insinuar que se tratava de um “ataque de índios”. O governador fugiu, mas os recifenses, reagiram e os combates se prolongaram por três meses. Na tentativa de apaziguar o conflito, o rei de Portugal, D. João V, nomeou um novo governador para Pernambuco, Félix José Machado, em outubro de 1711.
A “nobreza de Pernambuco” (Como se autointitulavam os olindenses) desarmou-se, fatigada; os “mascates” depuseram as armas, confiantes. Feitas as pazes, porém, Machado relevou-se partidário da causa de Recife e, alegando nova conspiração dos olindenses, prendeu 150 supostos implicados, inclusive Bernardo Vieira de Mello, ex-governador do Rio Grande do Norte e líder do movimento, favorável à independência de Pernambuco e à proclamação da república. Muitos acusados foram executados em Lisboa. Em Pernambuco, vários nobres fugiram para o sertão. Em 7 de abril de 1714, D. João V assinou ato régio anistiando os envolvidos. Recife e Olinda passaram a dividir a honra de sediar a casa do governador.


Fonte: História do Brasil (1996), página 83.  

38,5 milhões estão dispostos a investir

 Pesquisa do Instituto Data Popular divulgada ontem revela que 38,5 milhões de brasileiros têm intenção de abrir o próprio negócio. O estudo mostrou que 28% querem empreender atualmente, contra 23% de 2013. O levantamento revela que a possibilidade de ganhar mais, crescer profissionalmente e não ter chefe são os principais motivos que incentivam a abertura do próprio negócio. A região Norte tem o maior percentual (55%), seguida do Nordeste (33%), Sul (26%), Centro-Oeste (24%) e Sudeste (24%).


Fonte: Correio do Povo, página 6 de 24 de junho de 2015.

1,6 milhão passam fome no Brasil

O Brasil tem 1,6 milhão de pessoas em alta vulnerabilidade social e estado de fome. Os dados são do Departamento de Apoio à Aquisição e à Comercialização da Produção Familiar do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Sexta e sábado, na Câmara houve a 5ª Conferência Municipal de Segurança Alimentar/Nutricional Sustentável.
O secretário de Direitos Humanos, Luciano Marcantônio, disse que a prefeitura implantará Centro de Referência. “Temos 20 cozinhas comunitárias nas regiões com mais vulnerabilidade social.” Patrícia Gentil, do MDS, garantiu que o governo vai acabar com a fome no páis nos próximos anos. “São R$ 77 bilhões a implantar o projeto Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.


Fonte: Correio do Povo, página 12 de 29 de junho de 2015.

Lula é desmascarado pelo deputado Onyx Lorenzoni, do DEM