Embora
articulada e em parte conduzida por membros da alta burguesia
luso-brasileira, a guerra contra os holandeses passou à história
como o confronto que lançou as bases do nacionalismo brasileiro
porque o exército que enfrentou o invasor era “ o amálgama das
três raças”. De fato, além dos pelotões chefiados por Fernandes
Vieira e Vidal de Negreiros, a vitória brasileira só se tornou
possível graças ao batalhão de índios comandado pelo potiguar
Felipe Camarão e ao batalhão de negros chefiado por Henrique Dias.
Os holandeses também tiveram aliados nativos: os índios potis,
paraupabas e janduís mais o mulato trânsfuga Domingos Calabar. A
seguir, a biografia sucinta de algumas figuras da Guerra do Açúcar:
Matias
de Albuquerque: O principal opositor dos holandeses não
participou das lutas decisivas – estava injustamente preso em
Lisboa. Depois, foi anistiado.
João
Fernandes Vieira: Negociante no Recife, foi preso em 1635. Logo
se aliou aos holandeses e adquiriu “a maior fortuna da terra”. Em
dívida com a WIC, liderou a revolta após a saída de Nassau.
André
Vidal Negreiros: Rico senhor de engenho, virou chefe das
guerrilhas. Tomou Recife em 1654 e foi governador de Pernambuco e de
Angola até 1666.
Felipe
Camarão: Potiguar, nascido em 1591, Antônio Poti (“camarão”,
em tupi) se converteu ao cristianismo, tornou-se um dos mais fiéis
aliados dos portugueses e o indígena mais respeitado do Brasil.
Chefe de um batalhão com apenas 170 índios, obteve grandes
vitórias. Em 1633, o rei Felipe III lhe deu brasão de armas e
pensão de 40 mil-réis. Antônio Poti virou Dom Felipe Camarão. Em
1635 ganhou comenda da Ordem de Cristo. Combatia ao lado da mulher,
Clara. Depois da primeira batalha dos Guararapes, Camarão adoeceu e
morreu em 24/8/1648.
Henrique
Dias: Filho de negros libertos, se apresentou a Matias de
Albuquerque à frente de um batalhão de negros “de quatro nações:
Minas, Ardas, Angolas e Crioulos”. Ferido na batalha de
Camandituba, teve amputada metade do braço. Tornou-se governador dos
Crioulos, Negros e Mulatos.
Domingos
Calabar: Guerrilheiro mulato, lutou ao lado de Matias de
Albuquerque, mas passou aos holandeses em abril de 1632. Deu muito
trabalho aos brasileiros. Capturado em julho de 1634, foi torturado,
enforcado e esquartejado. Destino similar aos dos caciques janduí,
poti e paraupaba.
A maior
contribuição nacional à história militar mundial foi dada nos
quase 30 anos durante os quais os exércitos luso brasileiros
combateram o invasor holandês: nas colinas e alagadiços, nas matas
e nos areais de Pernambuco, o Brasil pode ter inventado a guerra de
guerrilhas. Conhecedores profundos do terreno bem adaptados à
natureza tropical, portugueses como Matias de Albuquerque, índios
como Felipe Camarão e negros como Henrique Dias idealizaram uma
tática de luta, que segundo o historiador Golsalves de Mello, foi
“uma antecipação do estilo brasileiro de jogar futebol”. Para
Gilberto Freyre, a guerra brasílica era “um conjunto de qualidades
de surpresa, de manha, de astúcia, de ligeireza e ao mesmo tempo de
brilho e de espontaneidade individual … alguma coisa de dança e de
capoeira”. Os adversários, mesmo derrotados, souberam reconhecer a
excelência das táticas nativas. Testemunha ocupar da segunda
batalha dos Guararapes, o holandês Michiel van Goch escreveu que as
tropas brasileiras eram “ligeiras e ágeis por natureza, de modo
que cruzam matos e brejos, sobem morros aqui tão numerosos e
descem-nos tudo com rapidez e agilidade notáveis”.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 63.