sábado, 6 de junho de 2015

O declínio da dinastia Tang

O terceiro imperador Tang era, infelizmente, um fraco, embora a imperatriz Wu tenha compensado esse fato controlando o poder autocrático por meio século (de cerca de 654 a 705), primeiro por intermédio dele, depois por meio de seus jovens sucessores e finalmente, durante algum tempo, como imperatriz de uma dinastia recém-declarada. Única governante mulher que a China já teve, a imperatriz Wu era sempre uma política impecavelmente talentosa e hábil, mas seus métodos assassinos e ilícitos de conservação do poder arruinaram sua reputação junto aos burocratas do sexo masculino. Também incentivou o excesso de pessoal no funcionalismo e diversas modalidades de corrupção. Em 657, o governo Tang usava apenas 13,5 mil oficiais para controlar uma população estimada em cinquenta milhões. Obtendo uma milícia local (fubing) de fazendas autossuficientes e exigindo que elas cumprissem trabalhos em cada localidade, o governo cortou seus gastos. A administração ainda queria ver os fazendeiros independentes e donos legítimos de suas terras, e portanto, sob o sistema de campos igualitários (juntian), redistribuía periodicamente a terra segundo os registros populacionais. Mas ao passo que o segundo imperador governou por um método prático e ativo, trabalhando com seus conselheiros todos os dias, as manipulação da imperatriz Wu fizeram do poder imperial algo mais remoto, conspiratório e despótico. Ela rompeu o poder dos clãs aristocráticos do Noroeste e deu à planície do Norte da Chin maiores oportunidades de representação no governo. Os aprovados no exame tornaram-se uma pequena elite na oficialidade. O legado da imperatriz anda está em debate.
Sob o governo do imperador Xuangzong (que reinou de 713 a 755), os Tang atingiram o auge de sua prosperidade e esplendor, mas as falhas se acumulavam. Primeiro havia a exagerada expansão militar, terrivelmente custosa. As forças da dinastia Tang estavam em guerra nas fronteiras do Sudoeste da China e também se estenderam excessivamente ao oeste dos Pamirs. Lá foram derrotadas por exércitos árabes em 751, próximo a Samarkand. Nesse ínterim, a milicia fubing fora gradualmente transformada em uma força de guerra profissional organizada em nove divisões, em especial nas fronteiras sob o comando de um general com plenos poderes para rechaçar ataques. Alguns generais poderosos envolveram-se com a política da corte. À medida que a Corte Externa subordinada aos Seis Ministérios foi-se tornando mais ritualizada e sobrecarregada, os altos funcionários que a chefiavam como os chanceles – na verdade, delegados do imperador, governando em seu nome – foram se envolvendo cada vez mais em partidarismos mesquinhos, enquanto o imperador usava eunucos para sustentar seu controle da Corte Interna. Então, em sua velhice, Xuanzong apaixonou-se por uma bela concubina, Yang Guifei, e deixou o poder central decompor-se. Ela adotou como filho o seu general preferido, An Lushan, que se rebelou e tomou as capitais em 755. De 755 a 763, uma rebelião altamente destrutiva assolou o país. Quando o imperador abandonou sua capital e suas tropas exigiram a execução de Yang, a história de amor imperial chegou a um trágico (e eternamente) fim. O reino Tang foi restaurado nominalmente após oito anos, mas durante o próximo século e meio o poder dos Tang não voltou renascer de fato.
A derrota da rebelião de An Lushan resultou no estabelecimento de comandos militares regionais que depois se tornaram a base para um novo estrato regional da administração. Enquanto o controle sobre as regiões externas se evaporava, o regime Tang dentro da China teve de ceder poder aos militares. Não era mais capaz de governar a partir do centro com leis e instituições uniformes. A elite burocrática não conseguia sustentar procedimentos para toda a nação. Venceram o localismo e o particularismo, ea unidade nominal do Estado chinês tornou-se uma fachada sem substância.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 90 e 91.

O Ciclo da Mineração

Embora não tenha havido um Jack London para eternizá-la em meia dúzia de obras-primas da literatura, nem uma indústria como a de Hollywood para transformá-la num mito universal, o fato é que o Brasil não apenas teve a sua corrida do ouro como ela foi, no mínimo, tão dramática, vertiginosa e rentável quanto aquela que, em 1848, determinou a ocupação da Califórnia e a que, meio século depois, exportou para as lonjuras geladas do Alasca todos os horrores da civilização. Como em suas equivalentes norte-americanas, a febre do ouro que tomou conta do Brasil, no crepúsculo do século 17, revolucionou o país de todas as formas concebíveis: provocou um imenso desordenado êxodo populacional que esvaziou as cidades; causou enlouquecido aumento no preço dos escravos, dos rebanhos e dos víveres; forçou reformas políticas de vulto; levou milhares de índios à extinção e abriu novos caminhos de penetração, incorporando regiões até então ermas e inexploradas. Fez mais: estabeleceu a derrocada do ciclo do aç[ucar, deixando plantações entregues às ervas daninhas. Embora sua ressonância internacional seja, hoje, virtualmente nula, em seu auge a corrida do ouro brasileira revolucionou o mundo. Quase todo o metal arrancado das entranhas das Minas Gerais cruzou Lisboa apenas de passagem: as artimanhas do Tratado de Methuen, assinado em 1703, fizeram com que o minério brasileiro fosse parar na Inglaterra – e lá financiasse a Revolução Industrial da mesma forma como, um século antes, o ouro e a prata saqueados aos astecas e incas ajudaram a incrementar a revolução mercantilista.
É impossível quantificar os números da corrida do ouro de Minas Gerais: o contrabando foi, desde o início, uma regra mais constante e eficiente do que as normas para impedi-lo. Ainda assim, sabe-se com a certeza que as descobertas de 1693/94 de imediato tornaram o Brasil o maior produtor mundial de ouro da época. As estatísticas são muito mais variáveis, mas calcula-se que cerca de 840 toneladas do metal foram extraídas – sem auxílio mecânico – entre 1700 e 1799 (foram 270 toneladas entre 1752 e 1787; para fins comparativos: na década de 80, Serra Pelada produziu 350 toneladas).
A massa humana que dirigiu às minas entre 1700 e 1720 foi superior a 150 mil pessoas, das quais mais de cem mil eram escravos. Ao longo do século 18, cerca de 430 mil paulistas, cariocas, baianos, portugueses, índios e negros da Guiné ou de Angola percorreram as trilhas escabrosas que separavam o litoral do Sudeste do Brasil das serras da fortuna e da danação. “Todos os vícios tiveram morada na região das minas. Todas as paixões desencadearam-se ali; ali se cometeram todos os crimes”, escreveu o viajante francês Auguste de Saint-Hilaire, para quem os que lá estavam eram “a escória do Brasil e de Portugal”. Nas minas, matava-se por tudo e por nada. Nas minas travou-se a terrível Guerra dos Emboabas. Nas minas, mais tarde, quando o ouro ainda reinava, se descobririam diamantes – e o ciclo reiniciou, tão alucinado e voraz quanto antes. Nas minas, nasceu um gênio cuja arte eternizou - em altares, estátuas e capitéis – o esplendor de uma época de excessos e esperança. A obra do Aleijadinho e tudo o que restou dos áureos dias do Brasil.


Fonte: História do Brasil (1996), página 65.

O budismo e o Estado

A comparação entre o papel do budismo na China e do cristianismo na Europa mostra uma diferença marcante no plano político. Após a ressuscitação do poder central pelos Tang, o confucionismo foi se revigorando, sob a influência budista, para fortalecer o governo. A burocracia imperial acabaria por administrar a igreja budista com rédeas curtas.
A adaptação do budismo à maneira de ser dos chineses fica evidente, por exemplo, na educação. Como mostra Eric Zürcher (1959), o Caminho Budista era semelhante ao confucionismo no reforço da importância do comportamento moral. O aprendiz budista tinha de aprender inúmeras regras de conduta e lutar constantemente contra o pecado, o desejo e o apego. Tinha de observar as cinco regras: abster-se de matar, de roubar, de fazer sexo ilícito, de mentir e de usar tóxicos.
O sangha – ou comunidade de monges e freiras, noviços fiéis – tinha de cumprir um grande número de votos. Além disso, havia a realização de boas obras e caridade (uma ramificação que vem de tradição confuciana dos “contratos comunitários”, xiangyue, com Song e depois deles, conforme veremos.
Durante a época budista na China, de cerca de 500 a 850, o budismo não reduziu o poder do Estado como única fonte de ordem política e social. A alta cultura ainda era dominada pela elite secular dos literatos. Isso significa que a comunidade de crentes budistas era mantida rigidamente dentro de certos limites. Só depois do século VI os sangha como corporação tinham rompido seus laços com a sociedade externa. Com relação ao governo, chamavam por autonomia, livre de controle e impostos governamentais, e até incluíam as mulheres. Mais cedo ou mais tarde essa autonomia tornaria o budismo uma ameaça ao Estado.
Sob os Tang, a tendência era burocratizar o budismo com controle administrativo, concessão de títulos, venda de certificados de ordenação, compilação de um cânone budista e um sistema de sistema de exames clericais para selecionar talentos.. Os monges tinham de passar por em árduo programa de treinamento e estudo antes de ordenação. Os exames clericiais para os budistas, bem como os aplicados ao clássico metre confucionista, eram realizados pelo Ministério dos Ritos. A educação nos monastérios budistas que preparavam os monges para o sistema confuciano de exames pareciam predecessores das academias do período Song. Assim, o budismo, até o rompimento de 845, era circunscrito de forma consistente em seus esforços educacionais pela dominação mais antiga do ensino confucionista. No entanto, o budismo teria influência indireta, mais tarde, no amálgama conhecido como neoconfucionismo.
O budismo tinha prejudicado tão pouco a tradição política que o governo Tang teve relativamente poucos problemas em coibir o poder econômico dos monastérios. As várias perseguições a budistas, sobretudo no século IX, foram, em parte, uma luta para evitar o domínio de terras pela igreja e facilitar a aplicação de impostos sobre essas terras. Mas não houve luta entre igreja e Estado na China medieval comparável à que aconteceu no Ocidente.
A igreja – fosse budista ou daoísta – era praticamente incapaz de ser independente do Estado. Seus sacerdócios e templos eram muito descentralizados, dependentes da modesta contribuição local, mas sem congregações organizadas de fieis nem administrações nacionais, além de serem passivos acerca de questões políticas.
Imitando o exemplo budista, a religião daísta, diferente dos filósofos ou alquimistas, atingiu as massas com um panteão imponente e várias seitas, mas não conseguiu criar uma organização global. Os monastérios e templos daístas continuavam sendo unidades isoladas atendendo às crenças populares. Pela sua própria natureza, o daísmo não poderia se tornar uma força organizada com poder sobre a política chinesa: expressava uma alternativa ao confucionismo no domínio da crença pessoal, porém deixava o domínio da ação aos confucionistas.
Por outro lado, os daístas contribuíram para a tecnologia chinesa por meio das práticas alquímicas há muito exercidas, tanto na busca pela imortalidade quanto pela herança mais imediata da fabricação do ouro. Em suas experiências fisiológicas e químicas, descobriram elixires e pesquisaram ervas, organizando a grande farmacopeia chinesa da qual o mundo até hoje tem usufruído. Os alquimistas fizeram contribuições à tecnologia da porcelana, tintas, ligas metálicas e até outras invenções chinesas como a bússola e a pólvora. Várias de suas conquistas, conforme Joseph Weedham, eram “protociência, e não pseudociência”.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 88, 89 e 90.

Protesto contra reunião dos líderes do G-7, que começa neste domingo (7) na Alemanha, termina em confronto com a polícia

O apóstolo das cores, por Voltaire Schilling*

Minha mais íntima prioridade, a primeira, é que o espírito do meu avô renasça em mim e que me faça ser um cristão, um servidor de Cristo.
Vicent van Gogh, 1879-80

Não se sabe ao certo qando Théo van Gogh percebeu que por detrás das doidices e bizarrias do seu irmão Vicent, quatro anos mais velho do que ele, ocultava-se um gênio das artes. Talvez quando começaram a sua intensa correspondência, ao redor de 1872. Filhos de um pastor da igrejja holandesa reformada, nascidos nos grotões da Holanda, praticamente eram irmãos siameses: a dor de um era o sofrimento do outro. Vicent tentara de tudo na vida: de atendente de livraria a pregador evangélico. Um fracasso completo. Depois de um dos tantos desencantos amorosos que sofreu, teve um crise mística que o fez deixar Londres e embrenhar-se em Borinage, na zona carbonífera belga, para ir levar a palavra divina aos mineiros.
Lá imaginou-se Jesus, dormindo sobre palhas e mastigando pão duro, levando uma existência sofrida o mais próximo possível de uma expiação. Seus superiores acharam que aquilo era demais e o dissuadiram da carreira ministerial. Nesta ocasião, ele fez o esboço dos Comedores de Batatas (depois célebre retrato que se firmará como uma espécie de Santa Ceia dos Trabalhadores). Sim, porque em todas as ocasiões, como se fosse um possuído, ele não parava de desenhar.
Théo, por sua vez, empregado na Galeria Goupil em Paris, desde 1880 passou a sustentá-lo. Ao redor dos 30 anos, a aparência de Vicent era medonha. Seus cabelos vermelhos curtos, seus dentes estragados e suas roupas de mendigo compunham um visual de dar medo, assustador. A isso somava-se o seu temperamento esquisito. Van Gogh era um ouriço. Irritava-se com tudo e com todos, sofrendo surtos pavorosos de demência (supõe-se que resultante da sífilis e do alcoolismo), o que condenou à solidão, a expressar-se cada vez mais pelas gravuras.
Entrementes, nos campos da França assistia-se a uma revolução. Não pelas armas pelas paletas e tintas. Chamados jocosamente de !impressionistas”, uma nova geração de artistas, rompidos com a arte acadêmica, tomou as aldeias e vilarejos de assalto. Pintavam o que viam. As plantações, as flores e árvores, as nuvens, as pontes, as choupanas do povo miúdo, os camponeses empilhando o feno ou arando as terras etc. As cores, fortes ou fracas, eram dadas diretamente pela intensidade do sol ou pela ausência dele. Viviam na necessidade, alguns beiravam a miséria.
Não demorou para que Van Gogh, abandonando em 1887, o apartamento do irmão na Rua Lépic, nº54, em Montmartre, em Paris, se juntasse a esses apóstolos das cores, indo para Arles no sul da França, região onde o sol era intenso. Arrastou consigo Paul Gauguin, que antes havia se fixado em Port-Aven na Bretanha, liderando uma tribo de uns 20 artistas impressionistas. Foi então que deu-se a explosão da sua paixão pelo amarelo, cor do ouro, do trigo, a cor de Apolo.
Théo, entrementes, com pouco sucesso, fazia de tudo para vender as telas daqueles pobres loucos. Vicent transformara a pintura numa missão. Nada mais cristão para ele do que retratar os humildes e só simples em suas funções e a natureza fulgurante, viva e móvel que os cercava. Surgiu como se investido, como se um profeta pintor produzisse um Sermão da Montanha com pincel e tintas.
Anos depois do suicídio dele, ocorrido em Auvers-sur-Oise, em 29 de julho de 1890, quando pôs fima a sua vida dolorosa, seu sobrinho registrou que sua mãe, Jo Van Gogh-Bonger, a viúva de Théo (que morreu seis meses depois do irmão), tinha numa casa em que alugara em Bussum, no interior da Holanda, as paredes repletas com as obras-primas de Vicent. Hoje, somente quatro delas estariam avaliadas entre US$ 250 milhões e US$ 300 milhões! A ela é que se deve a primeira exposição de 473 obras de Van Gogh no Museu Municipal de Amsterdã, realizada em 1905. Fará um século em julho do ano vindouro. Duas mil pessoas acorreram para vê-las. Ainda riram das telas dele.

*Historiador


Fonte: Zero Hora, página 17 de 18 de julho de 2015.

Nova opção em energia elétrica

A evolução em busca de melhores condições de vida e de produção é um processo contínuo , Agora, uma nova notícia vem servir de alento para a nossa matriz energética. Trata-se da implementação da primeira termelétrica com aproveitamento do lixo de um aterro sanitário. A unidade está localizada na cidade gaúcha de Minas do Leão e deverá funcionar nos próximos dias, assim que for emitida uma licença ambiental da Fepam. O investimento é privado e tem um custo de R$ 30 milhões. A estimativa é que seja gerado um montante de eletricidade suficiente para abastecer uma cidade de 200 mil habitantes.
Sem dúvida, o fato de se poder conciliar um destino adequado do lixo com a produção de energia se reveste de uma importância fundamental, tanto para aumentar a oferta disponível como para propiciar novas oportunidades de emprego e renda. Ao todo, são 3,5 mil toneladas de lixo orgânico por dia. Porto Alegre envia mais da metade desse montante e mais de uma centena de outras cidades gaúchas serão contempladas. A potência instalada, que hoje é de 8,55 MW, pode chegar a 15 MW numa futura ampliação. A energia limpa é uma conquista que vai beneficiar a população sem descuidar do meio ambiente.
Iniciativas semelhantes são esperadas para que o país possa ter a energia suficiente para seu desenvolvimento. A dependência de gerá-la somente com usinas que dependem de fatores climáticos ou com termelétricas de alto custo é uma questão a ser equacionada. O lixo pode ter um papel nesse contexto.


Fonte: Correio do Povo, editorial da edição 3 de junho de 2015, página 2.

Nassau, arquiteto da cultura, por Voltaire Schilling*

Andava o Príncipe Conde de Nassau tão ocupado em fabricar a sua cidade, que para afevorar os moradores a fazerem a casa, ele mesmo, com muita curiosidade lhe andava deitando medidas, e endireitando as ruas, para ficar a povoação mais vistosa, e lhe trouxe a entrar por meio dela, por um clique, ou levada, a água do Rio Capiberibe...”

Frei Manoel Calado Salvador – Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, 1648...

Pois não é que até os moradores do vilarejo de Recife, ocupado pelos holandeses desde 1630, deram para colaborar voluntariamente com o Conde de Nassau. Espantados e intrigados, nunca haviam visto um fidalgo tão envolvido com o lugarejo. Encontravam-no pelas vielas pelas vielas empunhando uma trena posto a medir a largura das ruas e a dimensão das casas e palácios que se pusera a constituir. Espontaneamente, vendo que aquele alemão não deseja apenas extorqui-los, começaram a trazer-lhe madeira, telhas, tijolos e pedras, a título de colaboração.
Apesar de ter seus costados amparados no Nassau-Siegen, uma família de aristocratas germânicos que tinham raízes fincadas no Sacro Império Romano-Germando, o Conde José Maurício atendia a todos com muita simplicidade.
Desembarcando no nordeste do Brasil com uma equipe de arquitetos e engenheiros, o conde foi fundo na construção da Mauristaad, a cidade de Maurício. Célebres por aplacar tiranias do Mar do Norte, os técnicos de José Maurício “arquitetos da cultura”, devem ter achado bem mais fácil domar o Rio Capiberibe e secar mangues e os pântanos circunvizinhos à minúscula Recife de então,.
A intenção dele era fazê-la estupenda, a capital do império holandês das Américas (composto então por uma cadeia de fortalezas que iam do Forte Schoonenbourg, no Ceará, até o Forte Maurits, na embocadura do São Francisco, ao sul de Alagoas, uns 1,5 mil quilômetros mais ao sul). Controlado diretamente o açúcar de uma lado do oceano e o tráfico negreiro do outro, o “ouro doce”ficava inteiramente nas mãos da WIC (West Indische Compagnie), a grande empresa holandesa daqueles tempos, a qual ele representava como general-governeur (de 1637 a 1644).
Enquanto na Europa monarcas católicos e protestantes se enfezavam na terrível Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), João Maurício criou em Pernambuco o único espaço em que se praticou a liberdade religiosa, autorizando o funcionamento das igrejas católicas e da sinagoga judaica (aberta em 1642, a primeira da América do Sul), num raro convívio harmônico com os templos calvinistas.
Ao embarcar para Nieuw Holland, a Nova Holanda (o nordeste do Brasil), em outubro de 1636, na frota não trouxe apenas soldados, por por igual uma plêiade de naturalistas e pintores. Enquanto Frans Poste Albert Eckhout imprimiam em telas memoráveis as paisagens e os “exóticos” habitantes da província açucareira, usando na composição delas o que havia de melhor e mais avançado dos equipamentos de observação da época (são os únicos testemunhos pictóricos do Brasil do século 17), dois outros homens de ciência, o médico Wilhelm Piso e o naturalista alemão Georg Marggraf, lançaram-se ao estudo da farmacopeia local, das doenças tropicais, da fauna e da flora de um modo geral.
A expedição científica de Nassau, que se encerrou com a volta dele para a Holanda em 1644, depois de ele desentender-se com a Companhia, foi a única que o Brasil até então conhecera. Outra igual importância somente deu-se nos tempos de dom João VI, 175 anos depois!
Residindo por fim em Haia, José Maurício, que no seu diário deixou páginas de embevecimento com os anos que passou no Brasil, tornou o palácio de Stadhouder, do governo holandês, no Mauritshuis, uma galeria de arte. Há pouco, no 17 de junho passado, três cidades celebraram 400 anos do nascimento dele, ocorrido em 1604: Dillenbourg, na Alemanha, sua cidade natal; Recife, no Brasil, que ele transformou; e Haia, na Holanda, onde ele administrou. Para muitos “o parêntesis luminoso” de Nassau foi um dos poucos governos sérios que o Brasil teve nos seus primeiros três séculos.

*Historiador


Fonte: Zero Hora, página 8 de agosto de 2008, página 13.

Napoleão e a Egiptologia

Acreditam que o Império do Oriente e talvez a sujeição de toda a Ásia não valem uma bombacha e um turbante?” - Napoleão Bonaparte – 1798

Os preparativos para a expedição

      M.me. Monge exasperou-se. Não podia imaginar o seu Gaspard metido nos areais do Egito, assolado pelo frio noturno e pela incandescência diurna do Sol do deserto. Mas o jovem general Bonaparte insistia. Gaspard devia acompanhá-lo. Monge era um matemático celebérrimo e Napoleão não podia dispensá-lo da aventura que planejara. Convencida, Cathérine Huart, a esposa do Monge, concordou por fim que ele partisse. Assim como Monge, outros 166 sábios foram arrebatados pelo entusiamo do comandante, entre eles o químico Berthollet, o geólogo Dolomieu, o físico Fourier, Mechain, um técico em lunetas, e o grande naturalista Geoffrey de Saint-Hilaire. Até um aeróstata, Nocolas Conté, e um poeta chamado Parceval de Grandmaison embalaram-se. Contagiou Napoleão inclusive a École Polytechnique – a hoje celebrada Poly – inteira.
O governo do Diretório levantou as mãos aos céus por se ver livre daquele general de 29 anos com a ambição de um César. O jovem titã desembarcou da sua nau capitania, o L'Orient, em Alexandria, no Egito, no dia 1º de julho de 1798 – 40 dias após a sua partida do sul da França. Supõe-se que o lugar do desembarque dos regimentos de Bonaparte não distou muito dos das legiões de Pompeu, das de César e, depois, das de Otávio, que, quase 2 mil anos antes do conquistador francês haviam levado para aquele grande país as desavenças políticas da Roma Republicana.
A expedição militar francesa compunha-se de 300 navios e 35 mil soldados, além, naturalmente, do seu departamento de sábios. Devido à atenção que os cientistas mereciam da parte de Napoleão, não demorou muito para que os oficiais do Exército, ciumentos, apelidassem a corte de sábios de “amante favorita do general”. Daí entender-se a preocupação que Bonaparte teve para com eles, para com os cientistas, quando, na sua marcha para o Cairo, deu a cômica mais necessária ordem: les bêtes et les savant au demí! (os burros e os sábios no meio!), dita um pouco antes dele se deparar com as tropas inimigas na Planície de Guizé.
A estratégia de Napoleão ao atacar o Egito era atrair a Inglaterra para fora das Ilhas Britânicas, bloqueando-lhe o contato com seu império indiano. Azucriná-la bem longe de casa era sua meta. Evidentemente que o jovem general imaginava-se um outro Alexandre, tão moço e tão audacioso como ele. Napoleão – tal como o conquistador macedônio (que levara, em 334 a.C., um conjunto de especialistas e de filósofos gregos para estudar o Oriente) – queria somar à conquista militar os ganhos científicos que iria revelar ao mundo. Ao abrir o Egito aos olhos da Razão, esmiunçando-o com as lentes cartesianas, a ciência europeia iria afastar as milenares teias de aranha e o pó sagrado que envolviam
o passado daquele magnífico país, classificando os achados e recompondo-os pelo crivo crítico das Luzes.
Na época do Renascimento, muitos pensadores e filósofos, como Marcílio Ficino e Giordano Bruno, sentiam-se atraídos pelo seu mistério, pela escrita hermética que se acreditava provir de lá e pelos seus indecifráveis hieróglifos (tidos por muito como alfabeto de Deus). Nada disso desejava Napoleão. Nem mistérios, nem catar almas danadas vagando pelas tumbas ilustres, nem tentar desvendar segredos insolúveis. Isso era coisa para hierofantes e para místicos. Orientou seus sábios para que tudo o que fosse encontrado nas areias e nas tumbas do Egito fosse arrolado, estudado e classificado segundo os últimos recursos da ciência. Fugia-se da superstição e do ocultismo. Acreditavam os cientistas que aquilo que não se sabia no momento seguramente seria revelado no futuro. A Razão é paciente e perseverante.

A inspiração da expedição

A inspiração direta para a expedição ao Oriente Médio viera-lhe de uma obra que o impressionara: a “Voyage em Égypte et em Syrie”, do Conde de Volney, editada em dois volumes em 1787. Na época, Napoleão era um tenente pobre, mas visionário. Não seguiu Volney, no entanto, na sua indisposição anti-islâmica. Ao chegar ao Egito, na Proclamação aos Muçulmanos, afirmou: “nous sommes les vrais musulmans!” (nós somos os verdadeiros muçulmanos!)
Napoleão entendia que era uma rematada loucura indispor-se com a imensa população local por motivos de fé. Havia que respeitá-los. Surpreendeu seus próximos quando, no Cairo, trajando-se como se fora um xeque, um chefe do divã, de turbante e tudo, enfiou-se em longas conferências com os líderes religiosos islâmicos, orientando os imãs, os muftis e os ulemás para que interpretassem o Corão a seu favor. Proclamou-se cheik El Beled, o grande xeque do Egito, e émir Hagi, o encarregado e protetor dos peregrinos, cuidando para que todos os seus decretos fossem traduzidos para a língua árabe.
Depois de ter dado sovas na cavalaria mameluca, espantando-a a canhonadas – na célebre Batalha das Pirâmides – ele mesmo não resistiu em participar de algumas expedições. Em dezembro de 1798, na companhia dos sábios, Napoleão rumou para o Sinai, atrás do antigo Canal dos Faraós. Curiosamente, o relatório que o engenheiro-chefe J-M Père fez naquela época sobre os vestígios da desaparecida artéria também caiu nas mãos dos ingleses. Décadas depois, o diplomata Ferdinand de Lesseps, quando era cônsul da França, na cidade de Alexandria, em 1832, inspirou-se naquela exposição feita pelo seu compatriota para construir o Canal de Suez (inaugurado em 1869). Desde que vira a planta feita por J-M Père, Lesseps fora possuído pela ideia de reconstruir aquela artificial passagem soterrada nas areias do Sinai.

O início da Egiptologia

Em um só ano, a equipe dos sábios franceses tinha levantado enorme material. A tal ponto que Napoleão decidiu-se por fundar lá mesmo, em agosto de 1799, o Institut d'Egypte. Dividido em quatro seções, a função da instituição seria a publicação dos achados e tudo o mais que lhe dissessem respeito. Para tanto, escolheu como sede o mais belo palácio do Cairo, o Hassan Cachef, que se tornou o berço da moderna egiptologia. O próprio Napoleão inscreveu-se como membro do Departamento de Matemática.
Uma das maiores contribuições da expedição à ciência, entretanto, só iria revelar-se bem mais tarde, quando o próprio império napoleônico já tinha desaparecido. Em 1799, um soldado francês, deambulando perto da aldeia de Rosetta, encontrara uma estranha pedra. Descobriu-se que era um decreto de Ptolomeu V Epifanes (210 – 180 a.C. ) e que estava calcado em três línguas: o hieróglifo, o demótico e o grego. Mas ninguém, naquele momento, conseguiu decifrá-lo. Os ingleses se apoderam da pedra quando os franceses capitularam em 1801, levando-a para o Museu Britânico.
Coube a Jean-François Champollion, de apenas 32 anos, traduzi-la em 1822. ele, um gênio da filologia, dominava seis antigos idiomas orientais, fora o grego e o latim. Dois anos depois, em 1824, ele concluiu o seu “Précís du système hièrolyphique des anciens égyptiens”, que tornou-se a chave da revelação de todas as inscrições encontradas desde então nos templos, nas pirâmides, e nas tumbas reais do Egito.
Desde etão, um novo continente do conhecimento se abriu e, gradativamente, uma das mais antigas civilizações da Terra pôde, ainda que aos poucos, desvelar-se perante a curiosidade do homem moderno. A decifração dos hieróglifos feitas por Champollion foi um dos mais extraordinários legados do Iluminismo, enquanto a expedição de Napoleão ao Egito, apesar de só ter durado três anos e três meses, revelou-se, sob o prisma científico, uma das mais profícuas de todos os tempos.



Napoleão e a Campanha da Itália

O ano de 1796 foi aquele em que a carreira militar de Napoleão Bonaparte, então um jovem general republicano, decolou. Nomeado comandante dos exércitos franceses que acampavam na fronteira da Itália e inspirando-se em Aníbal, atacou de uma maneira fulminante as províncias italianas do império austríaco, as quais conquistou una sensacional operação relâmpago.

Um Mês e Tanto

“... não se pode mais amar um outro general depois de ter visto Napoleão agir”. Stendhal – Napoleão

O mês de março de 1796 foi um mês prodigioso para o jovem general Napoleão Bonaparte. No dia dois – após ter salvo o regime do Diretório com as canhonadas do Vindimário (seis de outubro de 1795), quando esmagou um levante monarquista – , recebera formalmente como compensação pelos serviços prestados a nomeação para assumir o exército da Itália. Uns dias depois, antes de desabalar-se para ir à guerra, esposou Josefina, a viúva Beauharnais, e, na metade do mês, estava em Nice, sede do QG do comando.

A Espera de um Comando

A França estava em pé de guerra há sete anos. A princípio contra sua própria nobreza, a quem exilou ou guilhotinou, depois lançou-se contra todo o feudalismo europeu, liderando a célebre guerra das choupanas contra os palácios. As convocações em massa feita na época da ditadura jacobina, entre 1793-4, haviam dotado a nação de meio milhão de homens em armas. Faltava ainda àquela multidão fardada o cérebro, a liderança, a espada que lhes indicasse o rumo a seguir. Alguém que transferisse a energia revolucionária, despertada pelos acontecimentos de 1789, na volúpia de uma guerra de conquista.

Um Exército de Pés-rapados

O velho exército real francês se desfizera. Centenas de oficiais experientes, devido a suas origens sociais e sua identificação com o Antigo Regime, haviam emigrado. Muitos deles colocando-se abertamente a serviços de monarcas que se mobilizavam contra a França. A república revolucionária tratou então de promover, no lugar deles, a gente comum, vindas das fileiras e daquilo que Balzac chamou de “a borra social”. Os companheiros de armas de Napoleão eram um ex-sargento, um ex-barbeiro e alguns oficiais subalternos. Ele mesmo era um joão-ninguém nativo da ilha da Córsega. Um dos seus ditos favoritos era assegurar que no regime dele “cada soldado francês trazia na mochila o bastão do marechalato!” Na França revolucionária, o exército, logo depois da política tornou-se uma “carreira aberta a todos os talentos”.


Muitas pessoas julgam o seu caráter pelo seu saldo bancário, por Lúcio Machado Borges*

Lamentável que muitas pessoas aqui no Brasil julguem um caráter de uma pessoa pela sua situação financeira, pelo seu saldo em sua conta bancária. Vejo que muitas pessoas julgam uma pessoa pela casa onde mora, ou pelo veículo que possui. Isso não significa muita coisa. Muitas vezes a ostentação pode ser fruto de atitudes criminosas. Algumas pessoas julgam as outras, por exemplo pelo fato de uma pessoa morar em uma vila (ou “comunidade”, no politicamente correto). Ora , a maioria das pessoas que residem em vilas são pessoas de bem, que saem cedo de casa para pegar a sua condução para ir trabalhar. Estas pessoas passam por verdadeiro sufoco, já que enfrentam todos os dias os precários meios de transportes que existem em todo o Brasil. Enfrentam ônibus sujos, em péssimo estado de conservação, veículos lotados, que não cumprem os horários e assim por diante.
Se a conta bancária fosse determinante para a formação de um caráter, em Brasília só teria gente boa e honesta. Infelizmente a falta de cultura existente neste país é que fazem as pessoas pensarem desta determinada forma.
Concordo que existe os malandros, mas a maioria das pessoas que passam por dificuldades financeiras muitas vezes atrasam as suas contas, mas não é por serem pessoas de caráter duvidoso, mas por não ter condições de pagarem as suas contas. Pessoas desempregadas muitas vezes acabam não honrando os seus compromissos e assim por diante. Também é verdade que muitas pessoas não conseguem emprego decente pela falta de qualificação ou até mesmo pela sua idade.
Espero que algum dia a sociedade brasileira evolua e se dê conta dessas coisas, destes preconceitos que infelizmente fazem parte da vida de milhares de brasileiros.

*Editor do site RS Notícias


Artigo escrito no dia 2 de junho de 2015