quarta-feira, 17 de novembro de 2004

Uma homenagem ao mestre Salvador Dalí

O Centro Cultural Brasil Espanha, a Embaixada da Espanha no Brasil e a Agência Espanhola de Cooperação Internacional Salvador Dalí, através da mostra “Dalí por artistas daqui”. A exposição pode ser visitada até 23 de novembro, de segunda a quinta, das 14h às 19h, na rua Felipe Camarão, 71.

São 92 artistas, entre eles Zorávia Battiol, Mbel Fontana, Estelita Branco, Eunice Lima, Fátima Siqueira Borges, Marilice Costi, Lecia Maria Bohne Eduardo Rangel Baptista, que procuram retratar um pouco do magnífico artista espanhol, um dos mais conhecidos do século XX. Nascido em 1904, na cidade catalã de Figueires, Dalí foi atraído pelo surrealismo a partir de 1927. O movimento, que iniciou em Paris, tinha sido influenciado pelas teorias de Freud. Dalí criava obras ditadas pelo inconsciente através do sonho e, de 1929 a 1939, pintou suas obras mais famosas.

Salvador Dalí faleceu em 20 de janeiro de 1989, aos 84 anos de idade e seu corpo embalsamado está enterrado em uma tumba sob a cúpula do Museu de Figueires, na Espanha.

Fonte: Correio do Povo, página 20 de 17 de novembro de 2004.

domingo, 14 de novembro de 2004

Terra sem História, por Voltaire Schilling*

a partida para o Alto Parus é ainda o meu maior, o meu mais belo e mais arrojado ideal. Estou pronto à primeira voz. Partirei sem temores... nada me demoverá de um tal propósito”

Euclides da Cunha, Carta de Guarujá 6/7/1904.

O primeiro encontro dos dois, de Euclides da Cunha com o Barão do Rio Branco, deu-se no palacete Westfália, em Petrópolis, em julho de 1904. Local para onde o chanceler se retirava em descanso. Quem levou o escrito até a presença do Juca Paranhos, como o barão era conhecido em moço, foi um diplomata, Domício da Gama, por igual um intelectual. Apesar da timidez, dele, de Euclides da Cunha, frente a Rio Branco, àquela altura um verdadeiro monumento nacional, os dois conversaram por cinco horas. O escritor só se viu liberado às duas da madrugada.

Ambos estavam no auge da fama, Euclides, com a publicação de Os Sertões, em 1902, denunciara a guerra do governo brasileiro contra os caboclos da Bahia; o outro, pelo Tratado de Petrópolis, de 1903, evitara que os caboclos do Acre entrassem em guerra contra o governo de La Paz.

Os unia a paixão pela História e pelo Brasil. De resto eram diferentes em tudo. O barão descendia do patriciado luso-brasileiro, era filho do Visconde de Rio Branco, homem habituado aos viveres da Europa. Um monarquista que se colocara a serviço da República, Euclides, ao contrário, era “um bugre”, como ele mesmo dizia. Um cariri, um indiozinho que, moço, fora republicano mas que àquelas alturas se decepcionara com o regime de 1889. Ao contrário do barão, nunca fez questão de ir conhecer Paris. Queria, isto sim, era desbravar “as paisagens bárbaras”, meter a cara nos assombros do Brasil ainda pouco desconhecido.

O barão, sempre atento aos talentos, o satisfez. Em 9 de agosto de 1904, nomeou-o chefe da Comissão do Alto Purus para ir fixar as longínquas fronteiras com o Peru. Talvez esperassem dele de uma outra maravilha literária resultante do contanto de Euclides com as selvas.

A Amazônia frustrou o escritor. Impressionante sim. Muita água, imensa, barrenta, perigosa, muito mato, muito cipó e muito bicho. Uma “imensidão deprimida”. De dia silenciosa, de noite um carnaval. A fauna, aos ruivos, aos gritos e aos pios, fazia a festa a partir do pôr-do-sol. Sentiu-se lá um Adão no jardim paleozoico. Tudo lhe era estranho, fantástico, e muito chato. Tudo lhe era estranho, fantástico, e muito chato. Para onde se olhava via-se a desolação, tudo raso e plano.

O rio, sempre desbordando, desmoralizava qualquer trabalho sério. A marge de hoje soçobrava nas correntes do amanhã. Lá, as matas caminham em meio a um tumulto permanente produzido pelas monstruosas leis fisiológicas da região. Os moradores, pendurados nas palafitas, só sobreviviam pelo nomadismo. Por isto, na Amazônia, excetuando-se a concentração enérgica dos seringueiros em Manaus, a civilização era impossível. De resto, o caucheiro “é o homúnculo da civilização”, vilmente explorado pelos coronéis do barranco. Era um reino sem história - “à margem da história”, como designaram a coletânea de artigos dele publicada em 1907.

Chegado a Manaus em 30 de dezembro de 1904, depois de uma viagem de 17 dias, rumou logo pôde para a sua missão. Acompanhou-o um capitão peruano, dom Pedro Buenaño. Até por um naufrágio ele passou no Baixo Purus. De onde estava quando podia, informava o barão. A Amazônia era uma esfinge. Ninguém conseguia abarcar o seu todo. Mal e mal captavam-se facções da natureza. A amplidão é tal que ofusca o entendimento, inibe mesmo uma “inteligência heroica”.

Antes de findar a expedição que durou quase um ano. Em carta a Domício de Gama, Euclides imaginou o ridículo de uma guerra entre o Brasil e o Peru. Como se dois duelistas, um no alto do Pão de Açúcar e o outro no Corcovado, tentassem terçar espadas separados por um abismo vazio.

Bendita essa viagem de Euclides de cem anos atrás. Ainda que a Amazônia continue rendendo muito pouco, a nossa ensaística enriqueceu-se com as observações dele, ao ponto de até hoje, entre tantos que escreveram sobre aquela “Terra sem História”, ninguém conseguiu deixar, em prosa, nada que fosse superior à de Euclides da Cunha.

*Historiador

Fonte: Zero Hora, página 13 de 14 de novembro de 2004.

 

quinta-feira, 4 de novembro de 2004

Presídio Central / Acredite ou não


Na bela obra “Os viajantes olham Porto Alegre”, de Sérgio da Costa Franco e Valter Antônio Noal, o alemão Victor W. Esche, que aqui esteve provavelmente em 1888, descreve nossos principais prédios e se admira, dizendo que “... o estrangeiro fica particularmente comovido pelo fato de ser o presídio a construção mais luxuosa da cidade e também a de maior bom gosto, construído em estilo de castelo, cercado externamente por altos muros.
Quanto aos presidiários, 'para um alemão acostumado à disciplina militar', é um espetáculo engraçado vê-los perambulando pelas ruas da cidade em seus trajes de presídio, com as correntes tilintando e desaparecerem dentro de um botequim, enquanto o policial que está vigiando, se não for convidado, espera pacientemente à porta, até o sr. Prisioneiro se fortaleça suficientemente”.



Fonte: Flávio Alcaraz Gomes, Correio do Povo, página 4 de 4 de novembro de 2004.

quarta-feira, 3 de novembro de 2004

Santa Catarina desenvolve maçã resistente

Resistente ao frio no período de brotação, uma nova variedade de maçã, a castel gala, já estará no mercado em janeiro de 2006. A cultivar, lançada em junho durante o Enfrute, em Fraiburgo (SC), vem sendo desenvolvida há cinco anos pelo agrônomo Jânio Seccon, de Monte Castelo (SC). Em convênio com a Epagri, as mudas são multiplicadas para preparar a venda. “A vantagem é que a gala standart exige 700 horas de frio para brotar enquanto essa requer 400 horas, podendo ser plantada em regiões mais quentes.” Com isso, os frutos podem ser colhidos até quatro semanas antes da variedade convencional, período em que o mercado oferta somente produção do ano anterior, armazenadas em câmaras frias. “Em geral, maçãs recém-colhidas e comercializadas do Natal ao final de janeiro têm preços maiores que os obtidos a partir da colheita da gala, de fevereiro em diante”, explica o técnico agrícola da Epagri de Monte Castelo, Pedro Cardoso.

A castel gala tem origem numa mutação genética natural da planta. Seccon conta que lhe chamou à atenção a um único ramo da muda já brotado e florescido em pleno inverno. “Cortei ele e comecei a enxertar e multiplicar. Fiz 30 mudas, acompanhando a floração, produção e incidência de doenças e pragas”. Depois, firmou parceria com a Epagri para realização de novos testes. Novos enxertos foram feitos sobre Maruba / M-9 e, para confirmação, sobre a M-9. “No ciclo 2003/04, constatou-se que todas as plantas apresentavam brotação e floração uniformes, bem mais precoces que a gala, confirmando mutação homogênea e estável para essas características. “A Epagri já fez o registro e proteção da variedade junto ao Mapa. “Quando começar a produzir as mudas, repassei um percentual da venda à Epagri”, diz Secoon, detentor dos direitos comerciais para multiplicação e venda das mudas.

Fonte: Correio do Povo, página 15 de 3 de novembro de 2004.

sexta-feira, 20 de agosto de 2004

Reencontrando o tempo, redescobrindo a literatura, por Moacyr Scliar

Receita para diferenciar uma pessoa comum de grande escritor: dar a ambos uma dessas pequenas tortas que os franceses conhecem como madeleines. A pessoa comum gostará ou não gostará, mas ficará nisso. O grande escritor imediatamente mergulhará em recordações do passado, que resultarão numa notável obra literária. Observação: a madeleine não precisa ser de qualidade excepcional, mas o escritor deve ser Marcel Proust.

Nascido em Auteil, perto de Paris, em 1871, Proust era filho de um casal peculiar. O pai, o médico Adrien Proust, era um homem enérgico, autoritário mesmo. A mãe, Jeanne Wiell, vinha de uma próspera família judaica da Alsácia e foi um pequeno Marcel o tipo da mãe judia superprotetora. Proteção de que ele aliás precisava: era um menino enfermiço, sujeito a crises de asma. Apesar disso, foi à escola e até fez um ano de serviço militar. Depois cursou Direito na universidade.

Ainda jovem escrevia para revistas simbolistas e frequentava salões como o de madame Arman, amiga do famoso escritor Anatole France. Graças a este conseguiu publicar (1896) seu primeiro livro, Les Plaisirs et les Jours, coletânea de contos, ensaios e poemas, que não teve maior repercussão. Tentou um romance, que ficou inacabado (mas foi publicado em 1952, com o título de Jean Santeuil). Dedicou-se então à tradução e à redação de artigos. Com a morte do pai (1903) e da mãe (1905), abandonou a alta sociedade. Financeiramente independente, refugiou-se em seu apartamento no Boulevard Haussmann e ali dedicou-se a escrever. Em 1907, publicou no Le Figaro um artigo sugestivamente intitulado Sentimentos Filiais de um Parricida, no qual analisa dois elementos que seriam fundamentais em seu trabalho: culpa e memória. Estava pronto para começar sua obra monumental Em Busca do Tempo Perdido (La Recherche du Temps Perdu), tarefa a que dedicaria boa parte de sua curta vida (faleceu de pneumonia em 1922).

São sete partes, a primeira das quais, No Caminho de Swann, financiou com seu próprio bolso em 1913, depois que André Gide aconselhou a editora Gallimard a rejeitá-la. O livro provocou estranheza (E. M. Forster considerou-o “caótico”). Mas Gide voltou atrás, apoiando a publicação dos volumes restantes, que acabaram por fazer sucesso. Um sucesso que ele não chegou a presenciar: os três últimos volumes foram publicados após a sua morte.

No Caminho de Swann está dividido em três partes. A primeira intitula-se “Combray”, nome da vila onde o narrador passou a infância. Toda a ação se desenrola em uma noite. Deitado, ele evoca sua infância e os personagens que nela foram importantes. A segunda, Um Amor de Swann, é focada neste parisiense elegante, mundano, amante da arte. Swann conhece a fútil e inconstante Odette de Crecy com quem se casa, apenas para concluir que está perdendo tempo com ela (e a questão do “tempo perdido” remete ao título geral da obra). A terceira parte conta com a adolescência do narrador em Paris e seu amor por Gilberte. Passado e presente se fundem, e as lembranças mudam de acordo com o momento em que são evocadas. Enfim, a memória, e o questionamento da memória dão o tom da novela. O estilo é peculiar: longos parágrafos que, segundo Mário Quintana, um dos tradutores de Proust no Brasil, “davam a volta ao quarteirão”. Mas foi uma literatura renovadora, que influenciou autores como Virgini Woolf e James Joyce e permanece como um monumento literário do modernidade.

Fonte: Zero Hora

quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Nós, os covardes, por Rosane de Oliveira

O tom pode ter sido de brincadeira, mas o conteúdo da declaração do presidente Lula em Santo Domingo é inequívoco: - Vocês são um bando de covardes mesmo. Não tiveram coragem de defender o conselho nacional de jornalistas.
Ou seja: o presidente da República acha que foi por falta de coragem que não defendemos o monstrengo que o Palácio do Planalto patrocinou, atendendo à reivindicação da Federação Nacional dos Jornalistas.
No Aurélio, covardia e sinônimo de falta de coragem, medo, timidez, poltronice, fraqueza de ânimo, pulsilaminidade. A frase contém uma insinuação nas entrelinhas: a de que os jornalistas adorariam defender o projeto mas não o fazem por medo.
Se lesse o que o jornalista de norte a sul do Brasil têm escrito sobre esse projeto, o presidente saberia que não se trata de falta de coragem para defender a proposta. É convicção mesmo.
Talvez Lula tenha razão em um ponto: é medo também. Não medo de desagradar aos seus empregadores, como insinua, mas de ter o registro profissional cassado por colegas investidos no papel de juiz, decidindo o que é certo e o que é errado, como se jornalismo fosse uma ciência exata.
É verdade que muitos jornalistas ainda não tinham nascido e os sindicalistas já reivindicavam a criação de um conselho ou coisa parecida. Nunca se consultou um a um para saber o que achamos. Talvez por saberem que a maioria dos jornalistas em atividade não deu procuração à Fenaj para falar em seu nome, os presidentes que antecederam Lula nunca propuseram a criação de um conselho para “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade jornalística.
Criticado pelos principais colunistas do país, o assunto começava a morrer. Até o presidente do PT, José Genoíno, tinha sugerido a retirada do projeto. O presidente boquirroto se encarregou de ressuscitá-lo.


Fonte: Coluna página 10, Zero Hora, página 8 de 18 de agosto de 2004.

Declaração de Lula é repudiada


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu unir oposição e aliados ao rotular como “covardes” os jornalistas que são contrários à criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Lula criticou um grupo de repórteres, segunda-feira, em Santo Domingo, quando foi cumprimentar o novo presidente da República Dominicana, Leonel Fernandez. No Senado, os líderes do PSDB, Arthur Virgílio, e do PFL, Agripino Maia, repudiaram o autoritarismo do presidente. Até a representante do governo, senadora Ideli Salvati, líder do PT na Casa, contestou a posição de Lula, lamentou a generalização e sugeriu que ele faça uma retificação.
Dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), responsável pelo projeto do CFJ encaminhado ao governo rechaçaram a tentativa de associar a resistência da categoria a grupos que desejam politizar o tema. Para o presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, o comentário foi inadequado. Na opinião do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, Lula “fez um desserviço à Nação e aos jornalistas”. A organização dos Repórteres Sem Fronteira divulgou comunicado em que pede a retirada do projeto no Congresso, argumentando que “não cabe ao Estado garantir o respeito à ética por parte da imprensa”.


Fonte: Correio do Povo, capa da edição de 18 de agosto de 2004.

Perdendo as rédeas

 A carruagem presidencial desandou na República Dominicana. A acusação de que os jornalistas são “um bando de covardes” não tem precedentes. Já fomos “subversivos”, “incendiários” e “perturbadores da ordem pública”, mas a qualificação de ontem estra melancolicamente no caderninho. Se a intenção do presidente Lula era defender a Federação Nacional dos Jornalistas, que promoveu a ideia de criação do Conselho Federal de Jornalismo, o tiro saiu pela culatra. Os sindicalistas, aliados do Planalto, não gostaram do rótulo. Tem mais: nenhum conselho profissional surgiu pelas mãos do governo. O patrocínio buscado pela Federação foi prática do Estado Novo. No regime democrático, o Congresso está aberto para todas as formas de debate.


Fonte: Coluna PANORAMA POLÍTICO/ Armando Burd, edição do Correio do Povo de 18 de agosto de 2004, página 04.

As gafes do presidente Lula


Durante encontro com o presidente da Costa Rica, Abel Pacheco, ontem, Lula brincou com a permanência no poder por 37 anos do presidente do Gabão.
  • Eu fui a uma viagem ao Gabão aprender como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição – afirmou.
Os gaboneses, que vivem sob a mão de ferro do presidente Ondimba, sabem muito bem como ele conseguiu.

Opinião ZH

Brincadeira inoportuna

Pela conhecida espontaneidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até se poderia relevar a brincadeira que ele fez com um grupo de repórteres brasileiros na República Dominicana: “Vocês são um bando de covardes mesmo. Não tiveram coragem de defender o conselho nacional de jornalistas”. Considerando-se os sinais de autoritarismo emitidos pelo governo nos últimos dias, porém, a piadinha não teve graça. Quem não concorda com o governo que é covarde? E os subservientes aos éditos do rei serão corajosos? No mínimo, Lula está precisando rever os seus conceitos sobre jornalismo.


Fonte: Zero Hora, página 3 de 18 de agosto de 2004.

domingo, 15 de agosto de 2004

O tiro que parou o Brasil, por Jerri Roberto S. Almeida

Aquela parecia uma manhã como todas as outras, não fosse um tiro de um colt calibre 32. Um tiro, não qualquer tiro, mas um que entraria para a História brasileira como responsável pelo fim de uma de suas mais intrigantes personalidades: Getúlio Dornelles Vargas. Era manhã de 24 de agosto de 1954, o dia em que um tiro parou o Brasil, era o suicídio do presidente Vargas. Cinquenta anos passaram-se e Getúlio continua sendo, possivelmente, o líder mais estudado, pesquisando, discutindo e sobre qual mais se tem escrito em nossa historiografia.
Temido ou amado, respeitado ou odiado, Getúlio Vargas marcou importante Era na história de nosso país. Portador de personalidade forte, para vários de seus estudiosos Vargas encarnou o ditador e populista sabendo adequar às exigências do momento histórico em que vivia, sem deixar, entretanto, de perseguir suas ideias e determinações. O período getulista, que se inicia com a Revolução de 30, ensejou uma ruptura no poder das oligarquias do Sudeste, representativas dos grandes fazendeiros do café. Getúlio, o gaúcho que se iniciara sua vida política em 1909, eleito deputado estadual e percorrendo uma carreira ascendente, assumia a presidência do Brasil devido a deposição, em 24 de outubro de 1930, do então presidente Washington Luís.
Era o início de suas gestões, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Nesse período, o Brasil aspirava o projeto nacionalista desenvolvimentista que tentava a saída ra um capitalismo autônomo, não atrelado aos interesses internacionais, mas é aliado à ideia de modernização urbano industrial. Tal proposta, todavia, ensejaria um universo mais amplo de realizações, quer visando à contenção das classes trabalhadoras, com a criação da Carteira de Trabalho e da Previdência Social (1932), o salário mínimo (1940), a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (1943) ou com o projeto modernizador. Desse último, vale citarmos a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que entrou em operação em 1946 e a criação da Petrobras, aprovada no Congresso em 3 de outubro de 1953.
Portador de uma capacidade ímpar de negociar com os mais diversos setores da sociedade, Getúlio Vargas é, ainda hoje, reconhecido por muitos de seus seguidores como o “pai dos pobres” alcunha granjeada devido ao seu estilo de governo paternalista, centrado em sua figura carismática, que, entre outras coisas, “detinha a salvação do país”, concedendo benefícios importantes à classe trabalhadora. De certa forma, talvez isso explique a intensa manifestação e indignação popular com sua morte. O povo, quando soube do ocorrido, saiu às ruas em todas as principais cidades do país enfurecido contra os setores oposicionistas a Getúlio. Carlos Lacerda, o principal líder da UDN (União Democrática Nacional), histórico inimigo de Vargas, teve, inclusive, que se refugiar no Exterior.
Com seu gesto, Getúlio Vargas surpreendeu mais uma vez, derrotando seus opositores e adiando, por 10 anos, o golpe militar de 1964.

Historiador


Fonte: Zero Hora, página 16 de 15 de agosto de 2004.