quarta-feira, 18 de agosto de 2004

Nós, os covardes, por Rosane de Oliveira

O tom pode ter sido de brincadeira, mas o conteúdo da declaração do presidente Lula em Santo Domingo é inequívoco: - Vocês são um bando de covardes mesmo. Não tiveram coragem de defender o conselho nacional de jornalistas.
Ou seja: o presidente da República acha que foi por falta de coragem que não defendemos o monstrengo que o Palácio do Planalto patrocinou, atendendo à reivindicação da Federação Nacional dos Jornalistas.
No Aurélio, covardia e sinônimo de falta de coragem, medo, timidez, poltronice, fraqueza de ânimo, pulsilaminidade. A frase contém uma insinuação nas entrelinhas: a de que os jornalistas adorariam defender o projeto mas não o fazem por medo.
Se lesse o que o jornalista de norte a sul do Brasil têm escrito sobre esse projeto, o presidente saberia que não se trata de falta de coragem para defender a proposta. É convicção mesmo.
Talvez Lula tenha razão em um ponto: é medo também. Não medo de desagradar aos seus empregadores, como insinua, mas de ter o registro profissional cassado por colegas investidos no papel de juiz, decidindo o que é certo e o que é errado, como se jornalismo fosse uma ciência exata.
É verdade que muitos jornalistas ainda não tinham nascido e os sindicalistas já reivindicavam a criação de um conselho ou coisa parecida. Nunca se consultou um a um para saber o que achamos. Talvez por saberem que a maioria dos jornalistas em atividade não deu procuração à Fenaj para falar em seu nome, os presidentes que antecederam Lula nunca propuseram a criação de um conselho para “orientar, disciplinar e fiscalizar” a atividade jornalística.
Criticado pelos principais colunistas do país, o assunto começava a morrer. Até o presidente do PT, José Genoíno, tinha sugerido a retirada do projeto. O presidente boquirroto se encarregou de ressuscitá-lo.


Fonte: Coluna página 10, Zero Hora, página 8 de 18 de agosto de 2004.

Declaração de Lula é repudiada


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu unir oposição e aliados ao rotular como “covardes” os jornalistas que são contrários à criação do Conselho Federal de Jornalismo (CFJ). Lula criticou um grupo de repórteres, segunda-feira, em Santo Domingo, quando foi cumprimentar o novo presidente da República Dominicana, Leonel Fernandez. No Senado, os líderes do PSDB, Arthur Virgílio, e do PFL, Agripino Maia, repudiaram o autoritarismo do presidente. Até a representante do governo, senadora Ideli Salvati, líder do PT na Casa, contestou a posição de Lula, lamentou a generalização e sugeriu que ele faça uma retificação.
Dirigentes da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), responsável pelo projeto do CFJ encaminhado ao governo rechaçaram a tentativa de associar a resistência da categoria a grupos que desejam politizar o tema. Para o presidente da Fenaj, Sérgio Murilo de Andrade, o comentário foi inadequado. Na opinião do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Roberto Busato, Lula “fez um desserviço à Nação e aos jornalistas”. A organização dos Repórteres Sem Fronteira divulgou comunicado em que pede a retirada do projeto no Congresso, argumentando que “não cabe ao Estado garantir o respeito à ética por parte da imprensa”.


Fonte: Correio do Povo, capa da edição de 18 de agosto de 2004.

Perdendo as rédeas

 A carruagem presidencial desandou na República Dominicana. A acusação de que os jornalistas são “um bando de covardes” não tem precedentes. Já fomos “subversivos”, “incendiários” e “perturbadores da ordem pública”, mas a qualificação de ontem estra melancolicamente no caderninho. Se a intenção do presidente Lula era defender a Federação Nacional dos Jornalistas, que promoveu a ideia de criação do Conselho Federal de Jornalismo, o tiro saiu pela culatra. Os sindicalistas, aliados do Planalto, não gostaram do rótulo. Tem mais: nenhum conselho profissional surgiu pelas mãos do governo. O patrocínio buscado pela Federação foi prática do Estado Novo. No regime democrático, o Congresso está aberto para todas as formas de debate.


Fonte: Coluna PANORAMA POLÍTICO/ Armando Burd, edição do Correio do Povo de 18 de agosto de 2004, página 04.

As gafes do presidente Lula


Durante encontro com o presidente da Costa Rica, Abel Pacheco, ontem, Lula brincou com a permanência no poder por 37 anos do presidente do Gabão.
  • Eu fui a uma viagem ao Gabão aprender como é que um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição – afirmou.
Os gaboneses, que vivem sob a mão de ferro do presidente Ondimba, sabem muito bem como ele conseguiu.

Opinião ZH

Brincadeira inoportuna

Pela conhecida espontaneidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até se poderia relevar a brincadeira que ele fez com um grupo de repórteres brasileiros na República Dominicana: “Vocês são um bando de covardes mesmo. Não tiveram coragem de defender o conselho nacional de jornalistas”. Considerando-se os sinais de autoritarismo emitidos pelo governo nos últimos dias, porém, a piadinha não teve graça. Quem não concorda com o governo que é covarde? E os subservientes aos éditos do rei serão corajosos? No mínimo, Lula está precisando rever os seus conceitos sobre jornalismo.


Fonte: Zero Hora, página 3 de 18 de agosto de 2004.

domingo, 15 de agosto de 2004

O tiro que parou o Brasil, por Jerri Roberto S. Almeida

Aquela parecia uma manhã como todas as outras, não fosse um tiro de um colt calibre 32. Um tiro, não qualquer tiro, mas um que entraria para a História brasileira como responsável pelo fim de uma de suas mais intrigantes personalidades: Getúlio Dornelles Vargas. Era manhã de 24 de agosto de 1954, o dia em que um tiro parou o Brasil, era o suicídio do presidente Vargas. Cinquenta anos passaram-se e Getúlio continua sendo, possivelmente, o líder mais estudado, pesquisando, discutindo e sobre qual mais se tem escrito em nossa historiografia.
Temido ou amado, respeitado ou odiado, Getúlio Vargas marcou importante Era na história de nosso país. Portador de personalidade forte, para vários de seus estudiosos Vargas encarnou o ditador e populista sabendo adequar às exigências do momento histórico em que vivia, sem deixar, entretanto, de perseguir suas ideias e determinações. O período getulista, que se inicia com a Revolução de 30, ensejou uma ruptura no poder das oligarquias do Sudeste, representativas dos grandes fazendeiros do café. Getúlio, o gaúcho que se iniciara sua vida política em 1909, eleito deputado estadual e percorrendo uma carreira ascendente, assumia a presidência do Brasil devido a deposição, em 24 de outubro de 1930, do então presidente Washington Luís.
Era o início de suas gestões, de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954. Nesse período, o Brasil aspirava o projeto nacionalista desenvolvimentista que tentava a saída ra um capitalismo autônomo, não atrelado aos interesses internacionais, mas é aliado à ideia de modernização urbano industrial. Tal proposta, todavia, ensejaria um universo mais amplo de realizações, quer visando à contenção das classes trabalhadoras, com a criação da Carteira de Trabalho e da Previdência Social (1932), o salário mínimo (1940), a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho (1943) ou com o projeto modernizador. Desse último, vale citarmos a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, que entrou em operação em 1946 e a criação da Petrobras, aprovada no Congresso em 3 de outubro de 1953.
Portador de uma capacidade ímpar de negociar com os mais diversos setores da sociedade, Getúlio Vargas é, ainda hoje, reconhecido por muitos de seus seguidores como o “pai dos pobres” alcunha granjeada devido ao seu estilo de governo paternalista, centrado em sua figura carismática, que, entre outras coisas, “detinha a salvação do país”, concedendo benefícios importantes à classe trabalhadora. De certa forma, talvez isso explique a intensa manifestação e indignação popular com sua morte. O povo, quando soube do ocorrido, saiu às ruas em todas as principais cidades do país enfurecido contra os setores oposicionistas a Getúlio. Carlos Lacerda, o principal líder da UDN (União Democrática Nacional), histórico inimigo de Vargas, teve, inclusive, que se refugiar no Exterior.
Com seu gesto, Getúlio Vargas surpreendeu mais uma vez, derrotando seus opositores e adiando, por 10 anos, o golpe militar de 1964.

Historiador


Fonte: Zero Hora, página 16 de 15 de agosto de 2004.

A síndrome do pânico, por Simoni Missel*

A síndrome ou transtorno do pânico se caracteriza por medo repentino e sem motivo, acompanhado de falta de ar, ansiedade, medo de morrer, perder o controle ou enlouquecer, coração acelerado, suor nas mãos, tontura, vertigem ou desmaio.
Pode ser desencadeado por situações de estresse ou depressão. Caso o transtorno não seja diagnosticado e tratado adequadamente, as crises podem se tornar mais frequentes. Isso pode evoluir para quadros como depressão ou agorafobia (medo de locais onde a saída parece difícil). O tratamento usa a combinação de medicações que regulam a serotonina no cérebro e a psicoterapia.

*Psicóloga


Fonte? Zero Hora, página 37 de 15 de agosto de 2004.

sábado, 14 de agosto de 2004

Arsenal contra a pirataria

Ao contrário da CPI mista do Banestado, que não consegue encaminhar as investigações sobre a evasão de divisas para o final devido a divergências políticas entre seus integrantes, a investigação da Câmara sobre a pirataria encerrou-se com uma perspectiva de moralização nesta área. Além da criação do Conselho Nacional de Defesa da Propriedade Intelectual e Combate à Pirataria, a investigação sugere a criação ou a ampliação de penas para crimes como contrabando, receptação, reprodução, cópia e venda de produtos e obras intelectuais pirateados e amplia o rigor sobre o comércio de falsificações. Nem tudo depende de leis nesta área, mas se, for bem aproveitado, o arsenal pode colaborar para levar o país à seriedade.
Normalmente percebida mais como uma forma de gastar menos, a pirataria impõe prejuízos à população que vão muito além da qualidade inferior e dos riscos da falsificação em itens que vão de medicamentos a computadores. Um deles é o fato de que, embora se constitua em forma de sobrevivência para ambulantes, acaba contribuindo para gerar empregos nos países que vivem da produção de falsificados, contendo a ampliação de 1,5 milhão de vagas no mercado formal do país. O outro é o constituído pelas constantes ameaças de retaliação ao Brasil por países industrializados sob alegação de descumprimento de leis de propriedade intelectual e industrial. E, nesse caso, as perdas se dão tanto no plano financeiro quanto na imagem externa do país, o que acaba afetando os investimentos.
O mérito da CPI da Pirataria, portanto, foi o de mostrar como é possível levar à prisão alguns dos maiores contrabandistas do país, ainda que isso não seja suficiente para desmantelar o esquema. Frequentemente associado ao crime organizado, o comércio ilegal deve ser combatido sem trégua, por meio de conscientização e da aplicação de leis rigorosas como as que estão sendo propostas agora pela investigação do Congresso. Só haverá resultados consistentes nesta área, porém, se os esforços deflagrados agora, impulsionados pelo final dos trabalhos, tiverem continuidade.
Ao mesmo tempo, o setor público não pode perder de vista que uma das formas de combater a pirataria é estimular o setor produtivo formal. Nenhuma medida pode se mostrar mais eficiente neste sentido do que a redução da carga tributária.



Fonte: Zero Hora, editorial, edição de 14 de agosto de 2004, página 12.

quarta-feira, 11 de agosto de 2004

Censura


O governo mandou projeto ao Congresso a criação de um Conselho Federal de Jornalismo. Objetivo: “orientar, disciplinar e fiscalizar” a imprensa. Ou seja: estabelecer a censura. As coisas começaram assim na Alemanha de Hitler e na Cuba de Fidel. Ali, como no poema atribuído a Brecht, os jornalistas fizeram de conta que a coisa não era com eles e, quando perceberam, já não dava para reagir, era tarde demais. A tentativa não é inédita dentro da filosofia dos companheiros. Um deles, quando prefeito de Porto Alegre, tentou no âmbito local o mesmo “conselhão”, o que, felizmente, não prosperou. A medida é fascista stalinista. Há uma Lei de Imprensa em vigor e quem a viola é punido severamente. A tentativa de recriar a censura é cala a boca que os jornalistas não podem permitir.


Flávio Alcaraz Gomes, Correio do Povo, 11 de agosto e 2004, página 4.

Como a mulher de César, por Cândido Norberto*

 Se me perguntarem o que vem a ser a palavra “denuncismo”, eu sei o que quero dizer com ela, embora não tenha encontrado em nenhum de meus dicionários. É um neologismo, não é? Trata-se de imputar a pessoa ou a uma instituição o uso e o abuso de acusações sem fundamento com a intenção de neutralizar as críticas de que venham sendo objeto, livrando-se, do trabalho e sobretudo do dever de contestá-las com fatos e provas.
Na atualidade, por exemplo, nosso simpático palavroso presidente da República, diante das graves acusações que vêm sendo feita aos presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil, tem dito e repetido que elas não merecem crédito nem carecem ser desmentidas pelo governo e pelos próprios acusados, porque não passam pura e simplesmente de denuncismo da oposição. O mesmo vem sendo reiterado pelos homens públicos acusados de envolvimento em atos ilegais ou pelo menos contrário à ética e aos bons costumes.
Sinceramente, me confessso incapaz de entender os complicados procedimentos que, a juízo dos denunciantes, teriam sido praticados pelos dois destacados homens públicos que vêm sendo alvos de tantas e tão graves acusações. No momento, o que me apresso a dizer é que concordo com o chefe do governo – idem com relação aos que como eles estão dizendo a mesma coisa – em que a prática do chamado denuncismo é por todos os títulos condenável. Um odioso crime mesmo. Seus autores, além de punição legal, merecem reprovação da sociedade em geral. De acordo?
Agora, tem uma coisa: dessas verdades não se há de chegar à conclusão de que as alegações dos acusados possam ser desconsideradas por inteiro, eis que são ocupantes de elevados cargos públicos. Em tal caso é incabível que se limitem a ignorá-las, considerando-as como sendo meros denuncismos ou afirmando que se trata de reles exploração política.
Para servidor público a situação muda de figura. Cabe-lhes o dever de chamar seus detratores à Justiça, constrangendo-os a que provem suas imputações ou respondam pelos delitos que tenham cometido. Indispensável tal procedimento porque a servidores públicos, especialmente quando exercem altos cargos de confiança, corresponde o mesmo dever que os antigos romanos exigiam da mulher de César, isto é, que, além de ser honesta, devia parecer honesta. No momento, é o que se está esperando dos senhores presidentes do Banco Central e do Banco do Brasil. E do próprio presidente da República com relação a seu governo. Ou será que estou raciocinando incorretamente?
A propósito desse assunto, o governo está tratando de que seja criado no Brasil um conselho de alcance ainda não bem avaliado. Trata-se do Conselho Federal de Jornalismo. Quais suas finalidades? Quem respondeu até aqui a essa indagação foi o ministro de Comunicação e Gestão Estratégica, Luiz Gushiken. Disse ele: “A ideia é proteger o jornalista, assegurando condições para que o jornalismo seja indispensável a todos”. O texto do projeto será submetido ao Congresso Nacional reza que o conselho e suas seções estaduais tenham poderes para “orientar, disciplinar e fiscalizar” o exercício da profissão e das atividades de jornalismo – inclusive com possibilidade de cassar registros profissionais.
Informamos apenas (?) disso, é de se ficar atentíssimo ao assunto. Mais do que muito atento, com medo, trêmulo, para não dizer mais... Em todo o caso, manda a prudência que, antes de qualquer comentário crítico, se espere mais e completas informações sobre o assunto. Essa cautela se justifica de modo muito especial quando se lê a opinião que sobre o tema foi emitida por um destacado prócer do partido do governo, o senador Cristovam Buarque. Ele reagiu ao anúncio da proposta governamental, dizendo, num blog recém-criado, que “o resultado da criação do referido conselho pode ser o controle da imprensa”, e que um projeto como o anunciado não deveria ser remetido ao Congresso.

*Jornalista


Fonte: Zero Hora, 11 de agosto de 2004, página 17.

Lula gosta de conceder favores com o chapéu alheio