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sábado, 11 de julho de 2015

Humor do Monde, por Juremir Machado da Silva

Conversei com o cartunista Plantu em Paris. Fiz uma entrevista com ele que publicamos no Caderno de Sábado do Correio do Povo. Um tríptico: Plantu, Edgar Morin e Michel Houellebecq. Três pensadores, três trajetórias, três visões de mundo. Plantu está em Porto Alegre, participando do Encontro França-Brasil. Ele falará hoje, às 10h, na Faculdade de Comunicação da PUCRS. Todo mundo está convidado. Plantu tem a dura e deliciosa missão de fazer a charge da capa do jornal Le Monde. No bate-papo, senti um homem divertido, sensato e crítico. Há quem considere o humor sagrado e intocável. É o que pensam, por exemplo, alguns dos que fazem humor preconceituoso de televisão. O humor direitoso de Danilo Gentili e outros do gênero.
Fiz a pergunta óbvia a Plantu: há limite para o humor? Ele me respondeu com engenhosa ironia: “Sei, por experiência, que tudo e todos na vida têm um limite. Mas esse limite varia. Não conheço um só exemplo de cartunista que não se fixe um limite. Mas esse limite varia. Não conheço um só exemplo de cartunista que não se fixe um limite. Tenho rodado o mundo e conhecido muita gente. Em todos lugares, há alguma coisa que não pode ser caricaturada. Uma vez, na Nova Zelândia, conheci um cartunista que parecia não tem limite. Mas fiquei sabendo que ele não mexia com os jogadores de rúgbi. Era o seu tabu. Todas as sociedades fixam as suas interdições. Cada um vê até onde deve ir”.
Quis saber quais eram os limites dele como humorista. Plantu não pipocou: “A vida privada dos políticos. Isso não me interessa. Não me ocupo”. Aproveitou para contar uma história: “Certa vez, no Brasil, tive uma interessante conversa com o cartunista Chico Caruso, a quem admiro. Foi na época da escolha do Papa que seria Bento XVI. Caruso, assim que houve a confirmação da eleição do novo Papa, começou a desenhá-lo e, de repente, fez uma suástica. Fiquei meio perplexo. Vai botar uma suástica? Essa foi a minha pergunta. Caruso me respondeu tranquilamente: “Ele não foi simpatizante do nazismo quando jovem?” Respondi que sim, mas que isso já fazia muito tempo, o homem estava velho, quase aos 80 anos de idade. Eu não faria. Caruso fez uma observação muito boa: “Deixa o teu lápis pensar”. Beleza.
Tem humorista brasileiro que poderia refletir sobre isso. Plantu defende a liberdade de expressão, a tolerância e o bom senso. Saber fazer rir não é sinônimo de passar a vida fazendo bullying e humilhando pessoas. Fiquei pensando sobre uma resposta que ele me deu: “O humorista deve soltar tudo o que tem nas suas tripas. Não deve ficar trancado coisa alguma. Mas para mim, há algo importante, uma espécie de fio condutor: o humor deve servir para criticar os costumes e ajudar a libertar pessoas, não para humilhar culturas”. Plantu me tocou com as suas palavras. Continuo processando as suas observações e análises. Satirizar cotidianamente o mundo da política é tarefa árdua. Provoquei Plantu: é mais difícil com a direita ou com a esquerda no poder? Tirou de letra: “Pode ser ainda mais fácil quando a esquerda está no poder, pois a esquerda no poder faz o trabalho da direita”. O cara não brinca em serviço. Só se diverte.




Fonte: Correio do Povo, edição 9 de julho de 2015, página 2.

domingo, 28 de junho de 2015

Eco e os imbecis, por Juremir Machado da Silva

Umberto Eco é um monstro da erudição. Publicou alguns best-sellers mais cultos do mundo, entre os quais “O Nome da Rosa”, com passagens em latim. Quando eu fazia o curso de Umberto Eco no Colégio da França, em Paris, fiz uma entrevista com ele. Quis saber a razão de tanta dificuldade nos seus livros. Ele respondeu na bucha que, para sentir prazer, o leitor precisa carregar pedras. Gostei. E pulei as partes que não compreendi. Anos depois, fui à casa de Umberto Eco em Milão. Levei comigo meu amigo professor da USP Clóvis de Barros Filho. Ofereci, como intermediário, 150 mil dólares para Eco vir ao Brasil. Ele recusou. Explicou que os jornalistas brasileiros são muito chatos e não o deixariam em paz. Algo assim. Sem vaselina.
O homem é fogo. Recentemente ele soltou uma verdade paradoxal: as redes sociais deram voz a uma legião de imbecis. Irrefutável. Eco lamentou que agora idiotas têm o mesmo direito à expressão que prêmio Nobel. O problema é que tem Prêmio Nobel idiota. Outro dia, o britânico Tim Hunt, ganhador do Nobel de Medicina de 2001, saiu-se com esta idiotice sobre mulheres em laboratórios de pesquisa: “Você se apaixona por elas, elas se apaixonam por você e, quando as crítica, elas choram”. Alguém politicamente incorreto poderá insistir que é verdade. O que se deveria fazer nesses dois casos? Acabar com as redes sociais? Tirar as mulheres dos laboratórios? Só permitir acesso à Internet de ganhadores do Nobel? Proibir mulheres de serem cientistas? Será que homens não se apaixonam por homens enquanto pesquisam? Um especialista europeu queria que fosse criada uma comissão de sábios para avaliar a cada vez o que poderia ser publicado na Internet. É ou não um idiota? Não é preciso responder.
Hunt pediu demissão do seu cargo de professor numa importante universidade depois da sua defecada. As paixões continuarão maravilhosamente a atrapalhar e a estimular descobertas científicas. Restam os imbecis da Internet. Como lidar com eles? Ninguém sabe. Eco não pretende acabar com as redes sociais nem instituir um tribunal para julgar conteúdos publicáveis. Fez apenas um desabafo. Deve estar tomando bordoadas de imbecis. Há uma lei na Internet: quanto mais idiota, mais persistente. O imbecil jamais desiste. Não tem consciência da sua imbecilidade. SE não tem o seu comentário imbecil liberado, pergunta condidamente se está sendo censurado. Não claro que não, está sendo objeto de uma política antimala. Eco, por seu lado, está carregando algumas pedras para aprender a não ser imbecil.
Brincadeira. O cara é gente boa e manda muito bem escrevendo. Dando aula, faz mais barulho do que uma manifestação da CUT, o que, já não é muito difícil. A verdade é que Eco tocou num problema sem solução. A Internet do futuro será totalmente dominada pelos imbecis. Será o que já é: parte da realidade universal. Eu, como imbecil, saúdo a nossa vitória. Enfim, nós, os imbecis, estamos dominando o mundo. Ou sempre dominamos? Ou os gênios só ficaram sabendo disso agora? Para Eco, a imbecilidade saltou da mesa de bar para as redes. A vida tornou-se um interminável comercial reacionário de cerveja.

Fonte: Correio do Povo, página 2 de 21 de junho de 2015.


segunda-feira, 15 de junho de 2015

Saudades do Catete, por Juremir Machado da Silva

Deposto em 1945, Getúlio Vargas retirou-se para um exílio estratégico em São Borja e Itaqui, nas fazendas Santo Reis e Itu. Esta última era uma velha propriedade da família, terras adquiridas desde por volta de 1875. Mas, quando o ex-presidente ali completou o seu desterro, era uma nova estância. Tinha pouca coisa lá. Maneco, filho de Getúlio, que era agrônomo, concebeu uma casa de estilo indefinido e eclético, cuja forma arrancava comentários divertidos de Vargas: “O agrônomo Maneco é um arquiteto revolucionário”.
Maneco plantou árvores no pátio da fazenda e tentou dar à solidão da campanha um ar de boa morada. Mas o ambiente era mesmo espartano e bom somente para as reflexões sem fim. A célebre visita do jornalista Samuel Wainer a Getúlio, no carnaval de 1949, que rendeu a reportagem anunciando a decisão de Vargas de voltar aos combates no poder, aconteceu em Santos Reis, não no Itu. Poucos antes desse primeiro encontro com Wainer, Getúlio andava mais ensimesmado do que nunca. Na linguagem de hoje, deprimido. Um de seus fiéis assessores, que não era gaúcho r cultivava a estranha mania de gostar de vegetais, mas tinha largado tudo para seguir o “patrão” na volta ao seu umbigo da infância, chegou a cometer a heresia de sugerir que era carne vermelha em excesso. Getúlio sorriu. Pensou em diminuir as cavalgadas que tanto lhe soltavam as rédeas da memória e dos desgostos.
Numa dessas, um repórter de passagem perguntou-lhe: “O senhor não podia ter feito tudo o que fez numa democracia?”. O sorriso de Getúlio demorou-se mais do que de costume no seu rosto iluminado pela ironia: “O senhor acha?”. O jornalista era meio abusado, orgulhoso da sua juventude, já considerado um arguto observador dos fatos políticos. Ao perceber a tristeza do ex-ditador, atreveu-se, antes de ir embora, a dar-lhe uma sugestão: “Presidente, acho que está lhe faltando alguma coisa ...”. Talvez Getúlio tenha pensado por um segundo, que o danado ia falar-lhe de alguma mulher. O sujeito espiou a vastidão dos campos e saiu-se com esta: “Falta-lhe o poder”. E completou: “Volte que vai lhe fazer bem”. Antes de entrar no monomotor, completou: “Ao povo brasileiro também”. Meses depois, Getúlio elegeu Samuel Wainer seu profeta e anunciou a intenção de matar as saudades do Catete. Voltaria “como líder das massas”.


Jornalista


Fonte: Correio do Povo, página 4 de 11 de agosto de 2004.

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

A falta de pudor do judiciário, por Juremir Machado da Silva

Eu sou um idiota. Assumido. Acredito em bom senso, responsabilidade e até em comportamento republicano. Discuti, faz mais de um ano, com um senhor do judiciário sobre auxílio-moradia.
– O senhor acha justo? Eu, como professor e jornalista, não tenho.
– Não é auxílio-moradia.
– É o quê?
– Parcela Autônoma de Equivalência.
– Equivalência a quê?
– Aos ganhos dos deputados.
– A diferença não está no que eles receberam de auxílio-moradia?
– Por isso é Parcela Autônoma de Equivalência.
Ah, bom! Passou. Veio o segundo. Agora é auxílio-moradia mesmo. Continuo não tendo como professor e jornalista. Além disso, os togados recebem os tais “subsídios”, um pacote à prova de penduricalhos. Quebrei a cabeça. Concluí: remuneração é tudo que certas pessoas ganham sem levar em consideração o que precisam gastar. Vulgo teta. Só a plebe paga moradia com o seu salário. Uau!
Aí veio o caso do juiz João Carlos de Souza Corrêa, esse que foi parado num blitz dirigindo sem a carteira um veículo sem placas. O magistrado deu carteiraço na azulzinha. Em Palomas, é falta de decoro, o suficiente para uma exoneração. A agente de trânsito, diante da prepotência do dito cujo, disse que ele era juiz, mas não Deus. Ofendida, a divindade foi reclamar para os seus pares, que condenaram a moça a pagar-lhe indenização por ter zombado do seu cargo. Eu sou idiota. Acredito em papai-noel e na mula sem cabeça. Tenho certeza de que não foi por corporativismo que a justiça tomou tal decisão. Foi certamente para a proteger a nobre instituição.
Alice Tamborindeguy, a zelosa esposa do juiz achincalhado, garante que o maridão “está tão massacrado” e deprimidinho. Ela tem certeza de que a azulzinha foi “desrespeitosa, debochada, grosseira”. Pobre, juiz! Tão injustiçado pela ralé. Ganha Parcela Autônoma de Equivalência, ganha auxílio-moradia, dirige sem carteira, sem placas e ainda precisa enfrentar zombarias no meio da rua. Que desrespeito! Eu tenho uma sugestão a fazer ao Conselho Nacional de Justiça: punir o juiz ou fechar as portas na hora. Carteiraço é falta muito grave.
– Você sabe com quem está falando?
– Com um juiz sem noção, que dirige sem carteira, sem placas e sem senso ético. Um cidadão como qualquer outro que merece uma multa.
O problema é que o sistema não ajuda: por que um homem que, tendo casa para morar e bom salário, recebe auxílio-moradia? Por que esse cidadão privilegiado teria de carregar carteira de motorista e emplacar o carro? Isso é coisa para gente comum. Uma coisa puxa a outra. Os vasos se comunicam por baixo das togas. O desembargador José Roberto Nalini, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, nem esconde: “Esse auxílio-moradia na verdade disfarça um aumento do subsídio que está defasado há muito tempo. Hoje, aparentemente o juiz brasileiro ganha bem, mas ele tem 27% de desconto de Imposto de Renda, ele tem que pagar plano de saúde, ele tem que comprar terno, não dá para ir toda hora a Miami comprar terno”. Só tem terno em Miami? Será que esse juiz faz parte da direita Miami? Sou idiota.