Estava
na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro em meados de agosto de 2015.
Leblon. Fui até a praça General Osório (Ipanema) e ingressei no
metrô. Desci na Estação Uruguaiana. Segui a pé em direção ao
bairro da Gaboa. Iniciei passeio sobre o casario antigo, ruas, becos,
vielas e praças. Na rua Sacadura Cabral, pensei diante do prédio
onde o cantor Diogo Nogueira grava o programa “Samba na Gamboa” e
entendi por que o faz. Adiante na mesma rua deslumbrei a Pedra do
Sal, local em que João da Baiana e Heitor dos Prazeres foram
acreditados. Na Rua do Valongo (atual Camerino), ouvi a guia
turística dizer que o então prefeito Pereira Passos higienizou o RJ
ao deslocar os negros do cais para favelas. De plano refutei o
argumento, no que causei certo embaraço na gentil moça. Perguntei
como chegar ao Instituto de Pesquisa e Memória do Cemitério dos
Pretos Novos. Explicou vagamente. Meu foco era o RJ do séc. XVIII e
XIX e o porto onde foram desembarcados os pretos oriundos do
contingente africano, pois cerca de 3 milhões de seres humanos
sofreram as agruras da escravização.
Meus antepassados que apresentam o
desgaste da longa viagem eram colocados em “quarentena” ou em
compartilhamento de “engorde” para valorizar a mercadoria
semovente. Os que morriam eram colocados a céu aberto em terrenos
próximos aos cais. Depois, enterrados coletivamente em vaias de
forma anônima. Como muitos morriam, faziam exumação e queima de
carnes e ossos para dar lugar a outros. Infâmia e poltronice, para
dizer menos.
O Cemitério dos Pretos Novos foi
descoberto em 1996 quando o casal Guimarães comprou prédio na rua
Pedro Ernesto, nº36, no bairro Gamboa. Ao procederem a reforma,
encontraram nas escavações ossadas de humanos em grande quantidade,
que mais tarde foram identificadas como dos pretos. No período dos
séculos XVIII e XIX os humanos de cor preta trazidos na condição
de coisas do continente africano eram rotulados como pretos novos,
pois cativos. Os nascidos no Brasil eram chamados de crioulos. Os
vendidos em praça pública para exploração do trabalho eram
chamados de “negros”, que passou a ser sinônimo de escravizado.
Por tudo, entendo que todo brasileiro
de sangue africano preciso ir à rua Pedro Ernesto, 36, na Gamboa,
para reencontro com a história.
Escritor
Fonte: Correio do Povo, página 2,
editorial da edição de 7 de outubro de 2015.