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domingo, 22 de novembro de 2015

A rica história dos pretos e dos negros, por Antônio Carlos Côrtes

Estava na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro em meados de agosto de 2015. Leblon. Fui até a praça General Osório (Ipanema) e ingressei no metrô. Desci na Estação Uruguaiana. Segui a pé em direção ao bairro da Gaboa. Iniciei passeio sobre o casario antigo, ruas, becos, vielas e praças. Na rua Sacadura Cabral, pensei diante do prédio onde o cantor Diogo Nogueira grava o programa “Samba na Gamboa” e entendi por que o faz. Adiante na mesma rua deslumbrei a Pedra do Sal, local em que João da Baiana e Heitor dos Prazeres foram acreditados. Na Rua do Valongo (atual Camerino), ouvi a guia turística dizer que o então prefeito Pereira Passos higienizou o RJ ao deslocar os negros do cais para favelas. De plano refutei o argumento, no que causei certo embaraço na gentil moça. Perguntei como chegar ao Instituto de Pesquisa e Memória do Cemitério dos Pretos Novos. Explicou vagamente. Meu foco era o RJ do séc. XVIII e XIX e o porto onde foram desembarcados os pretos oriundos do contingente africano, pois cerca de 3 milhões de seres humanos sofreram as agruras da escravização.
Meus antepassados que apresentam o desgaste da longa viagem eram colocados em “quarentena” ou em compartilhamento de “engorde” para valorizar a mercadoria semovente. Os que morriam eram colocados a céu aberto em terrenos próximos aos cais. Depois, enterrados coletivamente em vaias de forma anônima. Como muitos morriam, faziam exumação e queima de carnes e ossos para dar lugar a outros. Infâmia e poltronice, para dizer menos.
O Cemitério dos Pretos Novos foi descoberto em 1996 quando o casal Guimarães comprou prédio na rua Pedro Ernesto, nº36, no bairro Gamboa. Ao procederem a reforma, encontraram nas escavações ossadas de humanos em grande quantidade, que mais tarde foram identificadas como dos pretos. No período dos séculos XVIII e XIX os humanos de cor preta trazidos na condição de coisas do continente africano eram rotulados como pretos novos, pois cativos. Os nascidos no Brasil eram chamados de crioulos. Os vendidos em praça pública para exploração do trabalho eram chamados de “negros”, que passou a ser sinônimo de escravizado.
Por tudo, entendo que todo brasileiro de sangue africano preciso ir à rua Pedro Ernesto, 36, na Gamboa, para reencontro com a história.


Escritor



Fonte: Correio do Povo, página 2, editorial da edição de 7 de outubro de 2015.


sábado, 11 de julho de 2015

Eliminação do vírus da Aids, por Antônio Carlos Côrtes

Com as mudanças permanentes que ocorreram na imagem da África não estará distante o dia em que o Ocidente prestará reconhecimento às contribuições prestadas pelos povos daquele continente à civilização.
(José Luiz Pereira da Costa)
A notícia passou quase despercebida pelos meios de comunicação brasileiros Cuba eliminou a transmissão do vírus da Aids de mãe para filho. É complicado, mas descobridores desta façanha, se houver justiça, devem receber todos os prêmios possíveis em nível mundial. Vou tentar me explicar melhor. Aprendi com o grande escritor Aley Cheuiche que complicado tem origem do latim cum plica, isto é, com pregas, que precisam ser desfeitas de forma a simplificar, deixar sim plicas. É o que eu vou tentar fazer. A Organização Mundial de Saúde – OMS, oficialmente declarou que o país cubano é o primeiro no mundo a eliminar a terrível transmissão do vírus HIV da genitora ao filho. Como água mineral, dou a fonte: diretora da Organização Pan-Americana de Saúde – Opas – doutora médica Carissa F. Etiénne – Da Dominica. Segundo ela, Havana comprova que o acesso universal aos cuidados médicos é, sim, possível. E não uma utopia, afirmo eu. Pois basta vontade política e investimento sério, principalmente na população pobre historicamente ignorada em todos os seus problemas de saúde mais agudos. Consta que, em épocas passadas, a forma de eliminar os índios era deixar em seus caminhos roupas contaminadas para que as usassem e assim... Parece que algumas doenças que atingem os mais pobres não são combatidas com o mesmo propósito.
Dados da OMS dão conta de que 1,4 milhão de mulheres com HIV ficam grávidas por ano. O não tratamento antirretroviral provoca o risco de 15% e 45% daquelas mulheres passarem aos filhos gerados o terrível vírus. Mas aquela possibilidade cai praticamente a quase “zero” se a genitora e o bebê efetivamente receberem o tratamento com antirretrovirais. Ponto de ouro decorrente da luz. Como diz o poeta e compositor Gelson Oliveira: “Aqui encerro, feliz com a notícia desse avanço da medicina cubana”.

Advogado e escritor


Fonte: Correio do Povo, edição de 6 de julho de 2015, página 2.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Os negros e o espelho, por Antônio Carlos Côrtes

A África, de onde todos os ancestrais negros vieram, teve passado glorioso. Superior, em fases, às civilizações bárbaras europeias contemporâneas.”

(José Luiz Pereira da Costa)

Se me permitem a imodéstia na condição de um dos fundadores do Grupo Palmares, que em 1971 foi o precursor dos eventos culturais da consciência negra, lembro-me desde lá que os negros vieram para o Brasil como imigrantes forçados no holocausto de campos de concentração flutuantes que foram os navios negreiros que castro Alves cantou em réquiem para a literatura. O regime de escravidão durou 388 anos e custou o sequestro e o assassinato de aproximadamente 7 milhões de seres humanos africanos e outros tantos milhões de seus descontentes.
O RS tem no gaúcho o misto de imigrantes alemães, italianos, poloneses, açorianos, que aqui cruzaram de forma não recomendada com índios e negros escravos. Na recente Copa do Mundo descendentes dos primeiros nomeados torceram por suas origens, pois detentores do gen. Presentes parâmetros em que se percebem essas correntes migratórias que se evadem do continente africano são recusadas em alguns países. Em minha recente passagem pela condição de conselheiro estadual da Cultura, testemunhei e votei favoravelmente a projetos oriundos da cultura alemã, italiana, açoriana e polonesa, dentre outras. Razão pela qual aplaudo sem pestanejar o acolhimento aos imigrantes negros oriundos de quaisquer continentes. Ouçam-se especialmente haitianos e senegaleses. Por tudo abraço três vezes meus irmãos negros. Aos apressados de visão na altura da soleira da porta afirmo que não é atitude demagógica e paternalista o acolhimento. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade – artigo 5º da Constituição Federal Cidadã de 1988.
Altruísmo é a ação praticada em benefício do outro. Ponham a cabeça no travesseiro e pensem nos seus antepassados que vieram como imigrantes para nosso país. Olhem no espelho de sua alma e observem que lá dentro há sentimento que aspira desejar o bem a outrem. A devoção e bondade de seu coração o aproximam de Deus. Afeição. Ternura é virtude de fonte inesgotável, que ecoa o som do bandolim o “Hino ao Amor” junto ao Coral Divino.

Advogado e escritor



Fonte: Correio do Povo, página 2 de 10 de junho de 2015.