A
política, em qualquer lugar onde se exercite a mutação
democrática, tende a ser ondulante: o réprobo de hoje, e a história
está aí para confirmar, pode ser o herói de amanhã e vice-versa.
Pois este senhor Hugo Chávez, ainda há pouco tempo quase apeado
pela opinião pública do governo da Venezuela, vai tomando o papel
de líder sul-americano disputado com Lula. Sem sucesso, para citar o
episódio mais recente, no Fórum Social Mundial, foi estrondoso. No
penúltimo dia do Fórum, sendo um dos oradores escalados, recolheu
aplausos como ninguém antes recolhera. Falou coisas óbvias para o
congresso, nada de novo em termos de políticas sociais e de
integração, tudo dito e repetido por outros intérpretes, inclusive
pelo próprio Lula, então de partida para Davos, onde falaria a
outros senhores, estes representantes do capitalismo. Lula, por isso,
colheu algumas vaias, de que passou recibo na base do “paz e amor”,
que cultiva com maestria.
Voltando porém a Chávez: além da
oratória de cunho social, foi especialmente prático ao assinar
protocolos de intenções como o governo brasileiro para adoção de
regras usadas em um assentamento de sem-terra nas proximidades de
Porto Alegre, coisa sem grande importância por tratar apenas
intenções, como o nome do protocolo indica, mas de muito efeito
como marketing prático. Na sua aparatosa fala, dissertou sobre o
papel da América do Sul, “que detém o futuro do Norte”, frase
de interpretação cerebrina e incompreensível, mas de fato
excelente para oportunidade. Terminou conquistando para seu país o
galardão de ser uma das sedes prováveis do Fórum Social Mundial de
2006. Em suma, ficou sob a luz dos holofotes enquanto Lula se
ofuscava no meio dos figurões de Davos...
É, tudo indica, ainda muito cedo
para ser ter a certeza de que o índio venezuelano do país que já
teve o tirano Gomez como líder venha a ser uma referência na
história do continente meridional americano. Mas força e
determinação não lhe faltam para isso. Parece questão de tempo
para ser Fidel.
Fonte: Editorial do Correio do Povo,
página 4 de 2 de fevereiro de 2005.