Mais de um século e meio após o seu surgimento, o choro, um dos gêneros de música popular mais antigos do mundo, conta, a partir de hoje (25), com um espaço cultural e centro de referência integralmente dedicado a ele, na cidade que o viu nascer. A Casa do Choro – instalada em um prédio de 1902, na Rua da Carioca, centro histórico do Rio de Janeiro – foi inaugurada no final da manhã deste sábado (25), em clima de festa, embalada com a sonoridade do gênero e com a presença de grandes nomes da música instrumental brasileira.
Administrado pelo Instituto Casa do Choro, criado em 1999 e presidido pela compositora e cavaquinista Luciana Rabello, o espaço nasce com uma proposta ambiciosa. Além de dar continuidade ao trabalho de educação musical, formação de plateias e novos músicos, e de preservação de acervos – executada desde 2000 pela Escola Portátil de Música, mantida pelo instituto –, a Casa do Choro pretende, segundo Luciana, contribuir de forma decisiva para a internacionalização do gênero.
“Há grupos de choro hoje espalhados pelo mundo, e nós queremos a participação deles aqui na casa e em nosso festival”, disse Luciana, referindo-se ao evento que ocorre neste fim de semana, na sequência da inauguração da casa. Em sua sexta edição, o Festival Nacional do Choro oferece, hoje (25) e amanhã (26), em palco armado na vizinha Praça Tiradentes, um total de 20 shows de chorões cariocas e de outros estados brasileiros.
Um dos integrantes do Conselho de Honra da Casa do Choro, o músico Dori Caymmi aposta no sucesso internacional do gênero. “Você vai a países da Europa e aos Estados Unidos e vê vários grupos de choro, e o choro se espalhar lá fora é mais uma vitória do Brasil”, destacou. Dori disse que ficou emocionado com o convite para fazer parte do conselho, já que não se considera um chorão. “Eu até compus alguns, mas não tenho essa capacidade. Sou um músico brasileiro, que acredita no Brasil, e gosto muito mais do Brasil do que as pessoas estão gostando hoje em dia, apesar de estar morando lá fora [em Los Angeles, nos EUA]”.
Dori Caymmi também acentuou a importância da iniciativa na valorização da cultura musical genuinamente brasileira. “Temos muitos gêneros, muita riqueza, e sou radical em relação a isso, sou filho de um dos maiores compositores que essa terra deu”, frisou, referindo-se ao pai, Dorival Caymmi (1914-2008). “Foi uma vitória a Luciana e o Maurício Carrilho [vice-presidente do Instituto Casa do Choro] conseguirem esse espaço na atual conjuntura, em que as pessoas chamam o funk de manifestação cultural carioca”, ressaltou.
O Conselho de Honra é presidido pelo poeta e produtor musical Hermínio Bello de Carvalho, parceiro de Pixinguinha e letrista de um clássico do choro, Doce de Coco, de Jacob do Bandolim. Hermínio, que no mês passado festejou seus 80 anos, deu valiosa contribuição ao acervo da Casa do Choro, que a partir de agora ficará exposto à visitação pública e à consulta dos pesquisadores.
Instrumentos musicais, partituras, manuscritos, capas de discos, quadros de chorões do passado, retratados por pintores e chargistas, e fitas de rolo que pertenciam a Jacob do Bandolim constituem uma pequena amostra do acervo em exibição em uma sala do 1º andar da casa. Por meio do site da Casa do Choro, o público poderá ter acesso a muito mais. São cerca de 15 mil partituras digitalizadas e 2 mil discos de 78 rotações e long plays, além de vasto material bibliográfico e iconográfico.
De acordo com Maurício Carrilho, o teatro de 120 lugares, no térreo, vai ter programação contínua, mas o instituto – que recebeu recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Petrobras para a restauração do prédio, que estava em ruínas, e para a implantação do espaço – ainda busca apoiadores para a manutenção da casa. “No início, a gente vai ter que levar na marra, com os recursos que conseguir de ingressos e do pagamento das aulas” revelou.
Sobrinho de lendário nome da música instrumental brasileira, o flautista Altamiro Carrilho (1924-2012), o compositor, arranjador e violonista Maurício fala com orgulho da nova geração de chorões. “Há 20 anos, a situação do choro era dramática, não tinha nenhum jovem tocando e nenhum espaço dedicado a ele. Hoje, você vê em bares e reuniões alunos e ex-alunos da Escola Portátil de Música tocando.”
Orgulho também compartilhado por Herminio Bello de Carvalho ao se referir à criação da Casa do Choro. “Quando eu vejo a vitória dessa garotada, fico muito feliz, porque é um momento de valorização da melhor música brasileira. Muitos dos que eu conheci há 40 anos hoje são professores dessa escola e estão formando novos professores”, elogiou.