Congelamento de gastos
previstos na LDO afeta despesas com pessoal
Flávia Bemfica
O Judiciário gaúcho
não pretende ceder à pressão do Executivo por redução na despesa
com pessoal e nem aceitar atrasos ou alterações nos valores dos
duodécimos, os repasses que devem ser feitos aos poderes mensalmente
conforme a dotação orçamentária prevista em lei. Por isso,
articula um movimento para tentar mudar o projeto da Lei de
Diretrizes Orçamentária (LDO) de 2016, que vai à votação na
Comissão de Finanças da Assembleia nesta semana. A proposta do
Executivo é de congelamento nas despesas com pessoal e encargos
sociais em todos os poderes no próximo ano. O reajuste previsto, de
3%, cobre apenas o crescimento vegetativo da folha.
Para tentar do tema,
na última sexta-feira, representantes do tribunal de Contas do
Estado, do Ministério Público e da Defensoria Pública foram
recebidos para a reunião a portas fechadas com o presidente do
Tribunal de Justiça (TJ), José Aquino Flôres de Camargo, no
Palácio da Justiça. Novo encontro ocorrerá antes da votação na
Comissão de Finanças.
No comando do tribunal
desde o início de 2014,Aquino é conhecido entre os seus pares pela
fraqueza com que expõe suas argumentações e por não se furtar aos
debates, mesmo os mais incômodos. Nessa linha, o tribunal tomou a
frente das articulações para tentar negociar mudanças da LDO.
Mesmo diante do tensionamento do debate, Aquino afirma que vai
insistir na negociação.
ENTREVISTA JOSÉ
AQUINO FLÔRES DE CAMARGO
'Somos um jato e
eles um teco-teco'
Correio do Povo:
O Executivo argumenta que não tem dinheiro para cobrir todas as
despesas e, por isso, o congelamento da LDO é inegociável. Por que
o Judiciário discorda?
José Aquino Flôres
de Camargo: Se fecharem o Tribunal de Justiça, se mandarem todos
para casa, não vai adiantar. Nosso orçamento é inferior a R$ 3
bilhões/ano. Desejo que a correção seja de 8,13%, e o governador
quer congelar. Isso não vai resolver. O Executivo sacou R$ 8,3
bilhões dos depósitos judiciais em seis anos. E não resolveu.
Então, se retirar R$ 40 milhões ou R$ 60 milhões do Judiciário,
não vai restabelecer as finanças. Mas, para o Judiciário, faz
diferença. Estamos pedindo a variação do IPCA. Lá pelas tantas me
ligaram para dizer que podem dar uma migalha. Então, prefiro ficar
com o congelamento. Fiquei muito incomodado porque percebi que a
ideia é fazer uma imposição, e isso não podemos aceitar. Se o
Executivo atar o poder Judiciário e o Legislativo, quem vai conter
os excessos do Executivo?
CP: O Executivo
tem problemas de administração?
Aquino: Em
termos de administração, somos um jato e eles um teco-teco. Como
conquistamos isso? Investimos em modernização, em potencialização
de receitas, em programas de gestão, porque o Judiciário é uma
sucessão de gestões Não coloquei nenhuma pessoa aqui quando
assumi. Troquei um assessor. Temos um controle estatístico de
qualidade, um Banco de Boas Práticas e um plano de segurança que
vai ser adotado pelo Conselho Nacional de Justiça. Temos escassez de
recursos, como os outros. Só priorizamos nossas necessidades. Nosso
índice de participação sobre o orçamento da administração
direta é o menor dos últimos 10 anos. Nos últimos anos, o
crescimento das nossas despesas foi muito inferior ao crescimento da
Receita Corrente Líquida do RS. Hoje o Judiciário responde ele
mesmo por 20% de seu financiamento. E vamos cortar mais? Até deixar
de funcionar?
CP: O
Judiciário é apontado como um poder que detém privilégios: altos
salários, auxílio moradia para magistrados...
Aquino: Alguns
acreditam que o problema todo é que existe auxílio moradia e
auxílio alimentação. O Tribunal de Justiça do RS nunca quis, isso
foi imposto. Estamos recebendo, mas é uma questão nacional.
Não há como não cumprir. O problema, hoje, é que o Judiciário
está bem e o cenário geral vai mal. Só que isso não é
responsabilidade do Judiciário. Outros gostam de citar nossos novos
prédios, para dizer que o Estado gastou altas somas com o
Judiciário. O Estado não gastou com nossas reformas. Elas foram
custeadas com o Fundo de Aparelhamento do Judiciário. Ou seja, parte
do lucro dos bancos. Para este ano, temos orçados R$ 343 milhões. E
uma arrecadação estimada de R$ 480 milhões. A diferença vai para
o Caixa Único. Aliás, o montante do Judiciário no Caixa Único
está na ordem dos R$ 700 milhões. Os dividendos sobre estes valores
também ficam com o Tesouro.
CP: Existe a
possibilidade de o Judiciário negociar atrasos ou valores dos
duodécimos?
Aquino: Vamos
fazer valer a Constituição. As pessoas podem ter a opção política
que desejarem, contanto que respeitem a Constituição. O que existe
de mais sórdido em todo esse processo é a tentativa de colocar
ações na conta do Judiciário e repetir isso diariamente para a
população. Por exemplo: o governo é obrigado a pagar os salários
em dia e tem que pagar o duodécimo. Ele precisa fazer isso porque
está na Constituição. Não é porque quer ou porque não quer.
Mas, então, anuncia: “Preciso fazer este pagamento, porque o
Judiciário determinou, então não vou poder fazer aquele outro.”
Isso é uma inversão total. Além disso, o governo pode ter
dificuldades, mas impossibilidade material, não. O Executivo está
fazendo um enfrentamento. O que estamos tratando aqui é de
democracia e de estado democrático de direito.
Fonte: Correio do Povo,
página 4 de 28 de junho de 2015.