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segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Sair do caos

Adriano Benayon * - 12.02.2016

No artigo anterior, avaliei que as saídas não emergem das discussões entre economistas monetaristas, autointitulados liberais, versus keynesianos.

2. Quais são os problemas maiores? Desemprego, aperto financeiro e dívida pública imensa, em contraste com a abundância de recursos naturais e de gente querendo trabalhar e progredir na vida.

3. Há que tratar da produção e da finança em conjunto. Finança  não é problema: cria-se crédito e emite-se moeda para realizar as produções necessárias ao desenvolvimento econômico e social.

4. Este deve ser assim definido: o progresso em atender as necessidades reais da população, inclusive defesa e segurança, por meio da produção de bens e serviços, realizada no País com tecnologia e capitais nacionais, sem deteriorar o ambiente, e até recuperá-lo.

5. Haveria que erguer os órgãos de planejamento, financiamento e promoção das empresas agentes dessa construção:

1)   empresas privadas em competição,  basicamente médias e pequenas,  e cooperativas formadas por pequenas e micro;
2)   estatais e mistas, nas indústrias de base e na infraestrutura, regidas sob estatuto orientado pelo mérito, admitidas demissões, se comprovado o descomprometimento com a elevação da qualidade e outros objetivos essenciais. 

6. Tal composição pressupõe a criação de órgãos de defesa econômica aparelhados para assegurar concorrência  legítima nos mercados,  avaliar a administração das estatais e mistas, e influir nela. Há que vedar aquisições por empresa estrangeira e modificar o conceito desta na Constituição.

7. Conjuntos de empreendimentos formariam o setor produtivo em interação, desenvolvendo o mercado interno, em patamar superior de tecnologia, com conexões intersetoriais e apoio das estatais e mistas e da política econômica.

8. Estimular-se-iam, nesse patamar, indústrias baseadas em  experiências anteriores à desindustrialização (a produção industrial, 35% do PIB nos anos 80, caiu a 10%).  Também, novas produções de consumo para necessidades reais desatendidas (em lugar das artificiais criadas pelo marketing); e dos respectivos bens intermediários e de capital.

9. A infraestrutura tem de ser reorientada em função das interações no mercado interno, da lógica dos recursos naturais e posição geográfica deles e das regiões utilizadoras.

10. Indispensável fomentar indústrias de alta tecnologia, como aeronáutica/espacial; eletrônica e informação; nuclear; defesa; materiais estratégicos, como petróleo, terras raras, nióbio e quartzo e seu aproveitamento em bens intensivos de tecnologia. 

11. Na infraestrutura: 1) ênfase na energia de biomassa, com produção descentralizada, combinando alimentos, etanol, óleos vegetais e seus subprodutos, bases de nova química; 2) energia hidroelétrica, eclusas e integração com os transportes aquaviários, sem ingerências pseudoambientalistas e indigenistas a serviço de potências imperiais; 3) desenvolvimento de linhas de transmissão; 4) estatizações no setor elétrico e supressão do escandaloso sistema tarifário atual; 5) proibição de novas termoelétricas; 6) substituição de importações dos equipamentos de energia solar e eólica, desenvolvendo-os em escalas menores e  melhor tecnologia; 7) destinação  do petróleo a usos mais nobres, à medida que a biomassa assegure o fornecimento de combustíveis líquidos; 8) nacionalização do petróleo e da petroquímica; 9) desenvolvimento de tecnologias de transportes interestaduais e urbanos de massa, trens de velocidade, metrôs e mais meios econômicos e não poluentes; 10) fomento a empresas nacionais de transportes fluviais, marítimos, ferroviários  e aeronáuticos; 11) constituição de empresas nacionais e estatais de telecomunicações estratégicas.

12. Na economia agrária, inclusive o programa da biomassa descentralizada, criação de empregos de qualidade, prioridade ao suprimento da demanda alimentar interna  e de matérias-primas para a indústria nacional. Excluir sementes transgênicas e limitar fertilizantes químicos e agrotóxicos; preservar matas ciliares, nascentes e solos. Mineração com objetivos semelhantes.

13. Não haverá dificuldade de realizar os investimentos para esses empreendimentos, que poderão ter, em 5 a 10 anos, massa bastante para caracterizar um país em franco desenvolvimento.

14. De fato, este não surge tanto de dinheiro, como de realizações concretas, articuladas num conjunto de interações.   Não há lógica em imaginar que possa ser de outro modo.

15. O Brasil precisa ganhar expressão tecnológica, antes de retomar maior volume de comércio externo. Ponto importante é abandonar o apego a manter o  País em organizações internacionais que o atam a acordos  inconvenientes, como os da OMC.

16. Cumpre revogar a Lei de Propriedade Industrial de 1996, que  reforça as disposições leoninas dos Acordos da OMC (1994/1995), e promove o atraso tecnológico do Brasil.

17. Também as regras de comércio têm de ser objeto de revisão, inclusive reinstituindo a Lei de Valoração Aduaneira, suprimida pelos  acordos do GATT.

18. Os acordos de comércio têm de ser celebrados com base no interesse dos contratantes.  O TPP (TransPacific Partnership), promovido pelos EUA, nem merece consideração: visa a radicalizar um tipo de relações internacionais intolerável, chegando a submeter  Estados nacionais a tribunais  arbitrais das transnacionais.

19.  Impõe-se expurgar da Constituição a Emenda Kandir,  que isenta de tributos as exportações de produtos primários, ficando a mineração sujeita desprezível imposto sobre o faturamento da extração, estimulando as mineradoras a superfaturar despesas.

20. A hecatombe de Mariana ilustra a insana e corrupta privatização da Vale, em 1997, até hoje mantida sub judice, e salienta o despautério de incentivar a extração de minérios, destrutiva do solo, subsolo, águas e terras adjacentes.

21. A associação da Vale com a mineradora anglo-australiana BHP, na Samarco, exemplifica a regra: carteis transnacionais, liderados por gigantes britânicas, controlando os minérios estratégicos e preciosos, abuso que está sendo ampliado com a demarcação de imensas reservas indígenas e ambientais, na Amazônia, por pressões imperiais.

22. O favorecimento à devastação, sem retribuição,  do solo e subsolo deve ser substituído pela exploração por empresas nacionais, tributada considerando a natureza não-renovável dos recursos e serem eles indispensáveis à produção de bens de elevado  valor agregado.

23. São outras fontes óbvias de arrecadação, sem falar na cobrança dos débitos fiscais:  1)  tributar rendas financeiras, como dividendos e títulos de renda fixa, em nível, no mínimo, igual ao da alíquota mais alta do IRPF; 2) suprimir subsídios federais, estaduais e municipais em favor de montadoras de veículos automotores, entre outros feudos de carteis transnacionais.

24. Economistas pró-sistema de poder reinante condenam o governo por abrir mão de R$ 264,3 bilhões em isenções ou reduções tributárias por ano, mas só aludem às que favorecem pequenas e micro empresas.

25. Sobram, pois, recursos financeiros para grande programa dos investimentos produtivos, sem necessidade de criar moeda e crédito, mormente eliminando gastos indevidos e improdutivos, como o  “serviço da dívida”  pública interna, que cresce exponencialmente, sendo pago com novos  títulos.

26. Convém desindexar os títulos da dívida interna e fixar para eles juros de nível mundial: isso implica reduzir-lhe o serviço de 17,5% para 3% aa. 14,5 pontos percentuais sobre R$ 3 trilhões implica economia de R$ 435 bilhões.

27. Maior economia, ainda, resultará da urgente auditoria da dívida pública externa e interna, nos moldes da realizada no Equador, de que participou a brasileira Maria Lucia Fattorelli.

28. Se tudo isso não bastasse, poder-se-ia, sem problema algum,  custear os investimentos mediante emissão de moeda e/ou de crédito por bancos públicos (impondo-se acabar com o art. 164 da Constituição).

29. Aos que se escandalizam com déficits orçamentários, lembre-se que os EUA saíram da depressão econômica de 1929 a 1941, convocando 14 milhões para servir nas Forças Armadas e financiando investimentos de armas e equipamento industrial e militar.

30. Os déficits federais resultantes, nos anos 1942/44, foram mais de 100% do PIB, e nada de grave aconteceu com as finanças estadunidenses. Já os que programaram amarrar a Europa, submeteram-na, pelo Tratado da União Europeia, em 1992, ao déficit máximo de 3% do PIB.

31. Poderíamos mesmo importar técnicos e engenheiros - estrangeiros e brasileiros -  para se fixar entre nós, e fazer investimentos pesados em segurança pública e na defesa. Convocar para o serviço militar, a curto prazo, um milhão de jovens, até para se educar na disciplina,  alguns para  colaborar em obras públicas. Além disso, engajar um milhão de professores em programas de educação em tempo integral.

* - Adriano Benayon é doutor em Economia, pela Universidade de Hamburgo, Alemanha; autor de Globalização versus Desenvolvimento.