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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Precisamos mudar o STF (Supremo Tribunal Federal) já, por Carla Zambelli

 Com certeza, você ouviu essas palavras de ordem inúmeras vezes. Principalmente quem não se conforma com as decisões tomadas pelos ministros da mais alta corte do país vê na mudança drástica do STF a solução para todos os males que afligem o país.

Por vivermos numa época em que o confronto ideológico está mais exacerbado que nunca, pelo fato de os ministros terem sido indicados por Presidentes da República dos mais diversos matizes partidários, a cada decisão de um juiz, algumas pessoas a interpretam como sendo tomada única e exclusivamente por motivação política.
Discussões envenenadas
Aqui entra um problema sério de comunicação. As opiniões nem sempre são refletidas, e o respeito ao pensamento alheio deixa de ser considerado. Por isso, por questões semelhantes a essa, amizades são destruídas e relacionamentos familiares deteriorados. E algumas pessoas, quando alertadas para esse risco, dizem preferir a desavença e continuar com suas opiniões a levar em conta posições contrárias. Triste!
As discussões são saudáveis. Somente assim conseguimos alargar nossa visão de mundo. Sem ouvir com isenção o que o outro tem a dizer tendemos a nos fechar cada vez mais em nós mesmos. Algo semelhante a uma visão etnocêntrica, que nos leva a julgar que os valores da cultura e do meio em que vivemos são mais importantes que os dos outros.
Não devemos considerar nessa dialética aqueles que possuem fanatismo doentio. São pessoas que não conseguem enxergar um milímetro fora de sua ideologia. Vivem tão obcecadas que encaram os que pensam de forma distinta da sua como seres inferiores. Com essas nunca será possível o diálogo, pois não adianta ponderar. O melhor a fazer é ignorá-las.
O papel dos três poderes
Voltemos à discussão específica do STF. Qual deve ser o papel principal dessa casa? Proteger a Constituição e julgar os casos em que exista foro privilegiado. Quando houver divergências a respeito do entendimento das regras constitucionais, independentemente de litígios concretos, cabe aos ministros da Suprema Corte interpretá-las de maneira adequada para que sejam corretamente aplicadas.
Por isso, essas decisões devem se ater a causas que interessem a todo o país, e não à determinada região. As decisões tomadas pelo STF acabam por se transformar em parâmetro para que instâncias inferiores possam julgar causas semelhantes.
Nos casos em que a decisão seja repetida algumas vezes, passam a ter efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. Ou seja, a caneta do juiz mexe com a vida de todos os brasileiros.
Por isso, sua independência institucional é importante. Assim como é fundamental que os outros poderes, executivo e legislativo também sejam autônomos. São tão óbvias suas funções que até parece brincadeira dizer que cabe ao legislativo legislar, ao executivo executar e ao judiciário julgar.
Com essas atribuições definidas, os poderes atuam como peso e contrapeso para que todos possam agir de acordo com o que determina a Constituição. Sim, é tudo muito evidente, mas, às vezes, um poder se enche de razões e promove uma verdadeira invasão de competências, interferindo nas atribuições dos outros. Dessa forma não está cumprindo suas obrigações institucionais. Na verdade, os poderes que agem assim as estão subvertendo.
E quando a Constituição não cumpre seu papel social, pode ser questionada? Sim. Pode ser combatida? Sim. Pode ser desconsiderada? Não. O próprio Ulysses Guimarães, muito respeitado por ter capitaneado a reforma constitucional, disse no ato da promulgação da Carta:
A Constituição certamente não é perfeita. Ela própria o confessa, ao admitir a reforma. Quanto a ela, discordar, sim. Divergir, sim. Descumprir, jamais. Afrontá-la, nunca. Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Conhecemos o caminho maldito: rasgar a Constituição, trancar as portas do Parlamento, garrotear a liberdade, mandar os patriotas para a cadeia, o exílio e o cemitério.
Não confundir STF com seus ministros
Por isso, se não estivermos satisfeitos com a posição dos ministros, não é o STF que devemos atacar. Não é a instituição que deve ser afrontada. A nossa sociedade continuará a respirar os ares da liberdade se os poderes constitucionais forem preservados. Mas, e se não estivermos satisfeitos com eles?
Nesse caso, o Parlamento pode ser alterado pelo voto. Como tem ocorrido. Lentamente, mas tem. O chefe do executivo pode ser substituído. Também como temos observado nos últimos anos. E o judiciário? Talvez esse seja um problema a ser solucionado. Por exemplo, determinando tempo máximo mais curto para a permanência de um juiz na Corte Suprema, já que hoje só saem por morte ou por idade.
Mas não podem sair também por impeachment? Sim, mas não podemos pensar apenas nessas soluções extremas. Deveriam existir mecanismos mais tranquilos e menos traumáticos. É evidente que, se um ministro não cumprir suas obrigações, precisa ser afastado de seu cargo, mas essa deveria ser a exceção das exceções, não a regra. Caso contrário, ficariam reféns da vontade alheia, e não do estrito cumprimento da lei.
Com toda a pressão feita contra os ministros do STF nos últimos tempos, e pela crescente insatisfação da sociedade com as decisões que eles têm tomado, é possível que se pense em uma reforma para que o sistema de escolha seja alterado e que o prazo de permanência de cada um deles também seja modificado. Tudo dentro das regras, sem rupturas, sem açodamentos.
Uma boa reflexão.
É prudente pensarmos nessas mudanças, pois afinal de contas os ministros também são seres humanos e como tal, como disse Aristóteles: zõon politikõn - o homem é um animal político. Portanto, sujeito a tudo o que o envolve. E aqui mais um pensamento para nos ajudar a entender essas premissas. Foi Terêncio quem disse: não afasto de mim tudo o que seja humano. Imagino que essa seja uma boa reflexão para o final de ano. Vamos aproveitar que os espíritos estão mais desarmados, a virulência menos agitada, e pensarmos no que desejamos para nós e para o nosso país. E mais, qual o preço que estaríamos dispostos a pagar por essas conquistas. Podemos até saber como iniciar um conflito, mas nunca temos certeza de como ele irá terminar. A história está aí para nos ensinar. Só não aprende quem não quer.




Fonte: https://www.facebook.com/story.php?story_fbid=3723546264402519&id=198620036895177