REPASSAR !!!
O ESTADÃO - 08/03/15
O ESTADÃO - 08/03/15
Renúncia
já
MIGUEL REALE
JÚNIOR
A indignação em vista do
descalabro moral e gerencial do governo veio à tona com a elevada rejeição da
presidente. Fala-se cada vez mais em impeachment, cassação do seu mandato pelas
vias legais. Em entrevista concedida por José Dirceu em junho de1992 ao programa
Roda Viva, disse o então deputado: ―Não se faz impeachment na Câmara e
no Senado, ele acontece na sociedade; eu disse e quero repetir que o
impeachment não se resolve no Congresso Nacional, se resolve nas ruas
e se resolve com uma coalizão político-partidária‖. Porém, além dos
fatores sociais e políticos, consistentes no apoio das ruas e na expressiva
maioria parlamentar, há de se ter, para o impeachment, a acusação de ação ou
omissão enquadrável em algum dos 65 tipos de conduta descritos na Lei n.º1.079,
de 1950. Nos governos Lula e no primeiro mandato de Dilma, poder-se-ia encontrar
a violação ao dever de probidade na administração pela ausência de zelo da
moralidade administrativa, não se tornando efetiva a responsabilidade dos
subordinados em face de delitos funcionais, tal como preceitua o artigo 90, item
3, da Lei 1.079. Primeiramente, entendo que as infrações políticas que podem
levar ao impeachment são exclusivamente previstas na forma dolosa, ou seja,
intencional. Assim, os fatos devem revelar a intenção do governante de não tomar
providências em vista da improbidade cometida por subordinados, o que
circunstâncias a seguir lembradas podem indicar. Em 2009, sendo Lula
presidente da República e Dilma chefe da Casa Civil e presidente do Conselho de
Administração da Petrobrás, instalou-se no Senado a CPI da Petrobrás,
tendo em vista, principalmente, relatórios do Tribunal de Contas da União (TCU)
revelando sobrepreços na obra da Refinaria Abreu e Lima. No dia da
instalação da CPI, Lula declarou que a comissão não era do Senado, era do PSDB,
e só impatriotas punham a Petrobrás em investigação, tendo a certeza de não
haver irregularidades na empresa e Dilma, ―revoltada‖, afirmou que a Petrobrás
tinha a contabilidade das mais apuradas do mundo. Lula interferiu na
composição da CPI, combinando com o líder do PMDB, Renan Calheiros, a
indicação da relatoria para o sempre governista Romero Jucá, ambos possíveis
beneficiários dos desvios, segundo o procurador da República. Fernando Collor
fazia parte da CPI e foi cooptado por Lula em troca do poder de nomear dois
diretores da BR Distribuidora, suspeita de repassar importâncias ao
senador. Os diretores sugeridos por Collor foram aprovados pelo
conselho de administração presidido por Dilma. Estava tudo armado para o ocultamento.
Romero Jucá, no relatório da CPI, concluiu que
as indicações de sobrepreço na Abreu e Lima decorriam da aplicação equivocada de
índices pelo TCU, certo deque o tribunal viria a concordar com suas assertivas.
Lula e Dilma trabalharam para o
fracasso das investigações do Senado e sabiam de tudo, segundo o doleiro
Alberto Youssef. Na CPI encobriram-se irregularidades que só
vieram à tona em março de 2014, sem nenhuma contribuição do governo Dilma. Já
presidente da República, Dilma manteve a diretoria que administrava a Petrobrás,
deixando que continuassem a surrupiar quantias astronômicas, impossíveis de não
ser percebidas, e em parte desaguadas na tesouraria do seu partido. Mas mesmo
que fique configurada conivência da presidente com os malfeitos, ao deixar sem
apuração os desvios ao longo do tempo, tipificando-se, eventualmente, a conduta
descrita no artigo 90, item 3, acima lembrado, todavia, essa omissão dolosa
teria ocorrido no período passado. A pena do impeachment visa a exonerar o
presidente por atos praticados no decorrer do mandato. Findo o exercício da
Presidência, não se pode retirar do cargo aquele cujo governo findou. Diz o
artigo 15 da Lei do Impeachment que a denúncia deverá ser recebida se o
denunciado não tiver, por qualquer motivo, deixado o cargo. E Dilma deixara o
cargo de presidente por ter terminado o mandato, tomando posse de outro, que se
iniciou em 10 de janeiro com faixa presidencial e juramento. Assim, se há
manifestações nas ruas e grave crise de governabilidade, complicada por inflação
e estagnação, falta, no entanto, fato concreto entre janeiro e março deste ano
constitutivo de infração política a justificar o impeachment. Com tempo para
agir, o governo repensa a não aplicação da Lei Anticorrupção às empresas, que
poderia levar ao impeachment, como bem suscitou Modesto Carvalhosa. Se não há
crime de responsabilidade, pode haver crime comum, por ora com pedido de
arquivamento. Na entrevista de 1992 ao Roda Viva, José Dirceu disse ser uma via
a renúncia de Collor em razão de não ter ―condições éticas e políticas de
continuar governando o País‖. Tal sucede com Dilma. Há uma revolta em face da
imoralidade do ―desgoverno‖. Soma-se o amplo espectro político da corrupção
revelado pelo procurador-geral da República, com ministros, presidentes do
Legislativo e outros líderes do Congresso Nacional investigados no escândalo.
Houve um ataque frontal à democracia com promiscuidade organizada entre
Executivo e Legislativo. As bases da República foram corroídas no seu cerne.
Apodreceram o Brasil. No próximo dia 15, a passeata dos indignados deve clamar
por patriótica e ampla renúncia. Dilma não tem condições éticas e políticas para
governar, carente de qualquer credibilidade pelo passado nefasto e por ausência
de autoridade moral: é apenas a triste condutora de sua herança maldita com um
séquito de ex-ministros investigados. A saída da crise é ainda mais estreita com
representação do procurador-geral, pois Eduardo Cunha e Renan também devem
renunciar à presidência de suas Casas. Malgrado a presunção de inocência, não
contam com as imprescindíveis confiança e independência para desinfetar o
Brasil. Renúncia já: a
única via em busca de pacto sério para reconstrução do País.
ADVOGADO, PROFESSOR TITULAR
SENIOR DA FACULDADE DE DIREITO DA USP, MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS,
FOI MINISTRO DA JUSTIÇA