General da reserva Luiz Eduardo Rocha Paiva (*)
O Exército é uma
Instituição importante para o país, daí ser permanente como diz a Carta Magna.
A sociedade lhe confere elevado grau de confiança pelo que fez, como fez e
segue fazendo em nossa história e por ver a Instituição como o espelho de
princípios dignos de cultuar. Credibilidade gera inveja, em alguns segmentos, e
um misto de revanchismo e receio nos remanescentes da esquerda radical, que sonham
ressuscitar no Brasil o “vampiro” sepultado nos escombros do Muro de Berlim.
A sociedade não sabe
como é construída a identidade militar, que
tanto admira, e como são incorporados valores, ideais e atributos ao caráter do
cidadão-soldado. Desconhece, também, o significado do seu compromisso exclusivo
e perene com a Pátria, o Estado, a Nação e o Exército que, para honrar, promete
sacrificar a própria vida. Não percebe a admiração e a dívida moral do militar por camaradas que já se arriscaram para
honrar tal compromisso. Não avalia a importância de uma liderança militar com
autoridade para garantir que os meios de violência destinados à Instituição,
pela sociedade, sejam empregados apenas na defesa desta última e para manter o
Exército afastado de disputas ideológicas e partidárias.
Tal desconhecimento
não se justifica nas lideranças civis dos Poderes da República, pois têm
responsabilidades no preparo, emprego e futuro do Exército. Devem defendê-lo de
iniciativas que visem a enfraquecer a coesão, disciplina e autoridade moral da
Instituição, um dos pilares constitucionais do Estado democrático. Exatamente
por ser uma força armada, o Exército deve ser poupado de atuar publicamente em
defesa própria. Há grupos que reúnem revanchistas e remanescentes da esquerda
revolucionária, que insistem na velha, mas perigosa, estratégia de tomada do
poder pelo enfraquecimento das instituições e o Exército é uma destas.
Por que o Ministro da
Justiça, seu Secretário de Direitos Humanos, setores do Ministério Público e da
Justiça, ao arrepio da Lei de Anistia e de seu
espírito, que é o de pacificação, querem colocar no banco dos réus
militares do Exército que combateram a luta armada? Por que, numa interpretação
parcial, não enquadram ex-militantes de grupos armados, que se envolveram e
praticaram atos de terrorismo, seqüestros e assassinatos e foram perdoados na
Lei de Anistia, sendo muitos regiamente indenizados?
Em minha opinião, os
propósitos são vingança e o desgaste da Instituição, com fins políticos e
ideológicos.
Por que não fazem o
dever de casa, para o Brasil não ser denunciado constantemente, pela ONU, pelo
desrespeito aos direitos humanos por agentes do Estado? Este problema ainda ocorre
hoje, agora, e não há 30 anos passados.
Nos cerca de 20 anos
de plenas liberdades democráticas, houve muito mais vítimas da omissão ou da violência do Estado, legítima ou não, e de criminosos do que
nas duas décadas do regime militar. Entre
elas, estão cidadãos honestos e suas famílias, que são massacrados por
quadrilhas de bandidos ante a inépcia do Estado em prestar-lhes segurança. Estão
as vítimas em episódios como os do Carandiru, de Eldorado de Carajás e das
zonas periféricas das grandes cidades. Estão
seres humanos em nossos presídios e cadeias onde são tratados como escória. Diferente
de muitos que se envolveram na luta armada, essas vítimas não são das classes
favorecidas, não têm “sobrenome”, não defendem a ideologia marxista e, assim, não
contam com a solidariedade da esquerda radical – revanchista, incoerente e
hipócrita – encastelada nos Poderes da República, nem são indenizadas pelas
violações que vêm sofrendo. Por outro lado, a fonte dos recursos do crime
organizado – os senhores de “colarinho branco” – permanece intacta, pois galgou
os mais altos escalões da sociedade e tem assegurada a impunidade. Se no regime
militar tínhamos os “anos de chumbo”, como denominar as duas últimas décadas?
Ante a injustiça
prestes a ser consumada, a mente do militar vive um dilema onde se chocam
valores como disciplina, lealdade, camaradagem e senso de justiça. Aproxima-se
uma situação extrema que pode ter reflexos na auto-estima, coesão, disciplina
e, o que é preocupante, na relação da liderança militar com seu público
interno.
No combate à luta
armada, enquanto cidadãos civis e militares e suas famílias levavam uma vida
normal, muitos companheiros de farda, no
cumprimento da missão constitucional, arriscavam a sua e a de seus
familiares. Alguns passavam semanas longe de seus lares numa guerra deflagrada
pela esquerda radical. Eles contribuíram para impedir, no nascedouro, o mesmo
movimento revolucionário que ensangüentou e enlutou sociedades de vários países
da América Latina, nos anos 1980, e ainda entristece hoje a Colômbia. Os militares
têm fortes laços de camaradagem, lealdade, reconhecimento e gratidão, para com
aqueles companheiros, e o compromisso moral de apoiá-los com firmeza contra a
injustiça constatada na parcialidade da revisão da abrangência da Lei de
Anistia.
A liderança civil
nacional tenha visão e seja proativa para bloquear, a tempo, a tentativa de
colocar o Exército e sua liderança em uma encruzilhada, pois seja qual for a
posição a ser tomada pela Instituição – defender publicamente a abrangência da
Lei de Anistia ou abster-se de fazê-lo – as conseqüências são imprevisíveis, mas sempre com prejuízo da coesão e da
disciplina. Por outro lado, não considero, em qualquer hipótese, a quebra
de normas constitucionais pela Instituição, mas radicalização e revanchismo
geram reação e instabilidade.
Creio que o Exército
esteja buscando reverter esta situação através da cadeia de comando, de forma
não ostensiva, pelo menos por enquanto, pois como diz um antigo dito militar: “a
camaradagem não se rompe nem com a morte”, particularmente se for para deter
uma injustiça.
(*) Foi comandante
da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (2004-2006) e Observador
Militar da ONU em El Salvador (1992-1993).