Lula interfere para conter ataques a Palocci
Ministro da Fazenda é criticado pela oposição e dentro do próprio governo e o presidente teme que a discussão afete a economia do país
O presidente Lula comandou ontem uma operação, na Granja do Torno, para conter os ataques ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Ele tem sido criticado por governistas e oposicionistas e é alvo de denúncias sobre corrupção na época em que foi prefeito de Ribeirão Preto (SP). O primeiro resultado das negociações do governo é a confirmação de que Palocci só irá à Comissão de Assuntos Econômicos do Senado no dia 22. Lula ainda pediu à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que não faça mais críticas públicas ao ajuste fiscal de longo prazo e ao aumento do superávit primário. Em entrevista publicada na imprensa na quarta-feira, ela chamou o plano desenvolvido pelo ministro do Planejamento, Paulo Bernardo de “rudimentar” e definiu o debate realizado nessa área de “desqualificado”. Ontem, pediu desculpas a Palocci e a Bernardo.
No encontro com Lula, que chegou a adiar a viagem que faria à Bahia e ao Espírito Santo, Dilma, Palocci e Bernardo foram advertidos pelo presidente que devem “baixar o tom” do debate. O Palácio do Planalto se preocupa em evitar que a crise estimule boatos sobre mudanças nos rumos da economia. Lula também convocou para a reunião o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, o presidente nacional do PT, Ricardo Berzoini, e o líder do governo no Senado , Aloizio Mercadante. Ele apelou para todos que parem com as divergências públicas e ponderou que as disputas entre integrantes do governo só aumentam a fragilidade do Executivo junto à oposição.
Palocci viu ontem dois dos seus ex-assessores na Prefeitura de Ribeirão Preto, Rogério Buratti e Vladimir Poleto, falarem de um suposto esquema ilegal de arrecadação de recursos para o PT, em depoimento à CPI dos Bingos. Antes de se reunir com Lula, o ministro teria se aconselhado com o chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, e vários políticos, entre eles o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna. Interlocutores do governo afirmam que Palocci disse ao presidente que, se tiver que depor em uma CPI, deixará o cargo. Mercadante saiu em defesa do ministro no Congresso, declarando na tribuna que a responsabilidade fiscal não mudará. A oposição optou pelo confronto e, na CPI dos Bingos, aprovou ontem três requerimentos que atacam diretamente Lula e Palocci.
O assessor especial do ministro, Ademirson Ariovaldo da silva, terá de explicar o teor das mais de 1,4 mil conversas que teve com Poleto nos últimos três anos. Também será ouvido o irmão de Lula Genival Inácio da Silva, o Vavá, acusado de tráfico de influência. Único a ter data para depor, o presidente do Sebrae, Paulo Okamoto, terá de esclarecer, na próxima quarta-feira, por que pagou um empréstimo pessoal de Lula.
Fonte: Correio do Povo, capa da edição de 11 de novembro de 2005.
Madeira que constrói sonhos
Em Estrutural, cidade satélite de Brasília, foi criada em 2005 a Cooperativa Sonho de Liberdade. Ali, cem pessoas tiram seu sustento com o uso de madeira oriunda da construção civil. A maioria dos cooperativados é formada por presidiários que cumprem pela em sistema condicional e por ex-detentos Complexo da Papuda. Com os restos do material de construção retirados no maior lixão a céu aberto da América Latina, a 2 quilômetros da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, a entidade chega a arrecadar R$ 100 mil ao mês. O rateio é feito de acordo com a produção.
Com o propósito de agregar valor ao lixo, a Fundação Banco do Brasil repassou à cooperativa mais R$ 200 mil. Máquinas foram adquiridas para transformar a madeira em móveis, José Divino Vieira, 49 anos, faz sucesso com a montagem de cadeiras para manicures. Tem 180 encomendas na lista de espera. Ele nunca foi preso, mas chegou a praticar assaltos para manter o vício do crack. Agora, diz que sua vida começou a mudar de rumo.
Fonte: Correio do Povo, página 6 de 24 de agosto de 2015.
Mãe lamenta a morte de filho baleado
Jovem atingido durante ação da BM. Parentes dizem que ele não tinha arma
Hygino Vasconcellos
Sentada em um banco, Rosemari Lima, 45 anos, mal conseguia falar após a morte do filho Ronaldo de Lima, 18 anos. Ela não escondia a dor da perda. Antes de responder qualquer pergunta, tomava fôlego e suspirava profundamente, reação que mais parece um desabafo. “Lamento profundamente a morte do meu filho”, afirmou.
Rose, como é conhecida, não estava perto quando o filho foi morto. Dormia em sua residência, na Vila Cruzeiro do Sul, e foi acordada repentinamente por volta das 6h30min. Ronaldo morava havia três anos na casa de uma irmã de criação, no morro Santa Tereza. Rose nega que o jovem estava armado e que teria disparado contra os brigadianos. “Nem revistaram o guri. Não nos mostraram a arma que falaram estar com ele”, afirmou.
Mãe de nove filhos, Rose diz que não esperava encontrar o rapaz morto. “Uma mãe não quer sepultar o seu filho.” Ela conta que veio de táxi para o morro quando chegou na entrada da Buraco Quente passou mal. “Eu não sentia minhas pernas e desmaiei. Meus vizinhos me socorreram”.
Rosemari nega que o jovem tivesse envolvimento com o tráfico de drogas. Segundo ela, Ronaldo voltava de uma confraternização na vila. De acordo com Rose, ele queria mudar de vida e seguir carreira militar. Ronaldo completou 18 anos em março.
A Brigada Militar tentou resolver a situação, mas os moradores passaram a jogar pedras e objetos contra os policiais militares. Sem controle, PMs do Batalhão de Operações Especiais (BOE) foram acionados e passaram a disparar balas de borracha contra as pessoas que faziam protesto. Alguns moradores montaram barricadas com entulhos e atearam fogo. O tumulto foi grande, com pessoas correndo pelos becos. Muitas queriam saber notícias de parentes que moram no local onde ocorria o confronto.
Fonte: Correio do Povo, página 17 de 4 de setembro de 2015.