Mostrando postagens com marcador Os Requintes da Crueldade. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Os Requintes da Crueldade. Mostrar todas as postagens

domingo, 28 de junho de 2015

Os Requintes da Crueldade

Como todas as sociedades escravocratas, também no Brasil a variedade de suplícios e castigos estipulados pelos senhores para punir seus servos foi ampla, geral e irrestrita. A punição mais comum era o açoite em praça pública, regulada pelo Código Penal. Num de seus desenhos mais conhecidos, o francês Jean Baptieste Debret, que esteve no Brasil de 1816 a 1831, retratou esse suplício e escreveu sobre ele: “O povo admira a habilidade do carrasco que, ao levantar o braço para aplicar o golpe, arranha de leve a epiderme, deixando-a em carne viva depois da terceira chicotada. Conserva ele o braço levantado durante o intervalo de alguns segmentos entre cada golpe, tanto para contá-los em voz alta como para economizar forças até o final da execução. O chicote, que ele mesmo fabrica, tem sete ou oito tiras de couro bastante espessas e bem retorcidas. Esse instrumento contundente nunca deixa de produzir efeito quando bem seco, mas, ao amolecer, pelo sangue, precisa o carrasco trocá-lo, mantendo para isso cinco ou seis a seu lado, no chão (…). Embora fortemente amarrado ao “pau de paciência”, como se chama o pelourinho, a dor dá-lhe tanta energia que a vítima encontra forças para se erguer nas pontas dos pés a cada chicotada, movimento convulsivo tantas vezes repetido que o suor da fricção do ventre e das coxas da vítima acaba polindo o pelourinho.
Entretanto, alguns condenados (e esses são temíveis) demonstram grande força de caráter, sofrendo em silêncio até a última chicotada. De volta à prisão, a vítima é submetida a uma segunda prova, não menos dolorosa: a lavagem das chagas com vinagre e pimenta e grande quantidade de sal.
“Essas penas, de 50 a 200 chibatadas, são rigorosas, mas há outras bárbaras, como a que condena à morte o chefe de quilombos: são 300 chibatadas ao longo de vários dias. No primeiro, ele recebe cem, à razão de 30 por vez. A última execução abre chagas já profundas e ataca as veias mais importantes, provocando uma tal hemorragia que o negro sucumbe”.
Faltas “menos graves” eram punidas com palmatória, cujas pancadas podiam chegar a 200: com o tronco que, segundo Debret, provocava “mais tédio do que dor”; ou com a gargalheira, colar de ferro com vários ganchos que facilitava a captura de escravos fujões. A primeira fuga era punida com a marcação, por ferro em brasa, de um F no rosto ou no ombro do escravo. Na segunda tentativa, o fugitivo tinha uma orelha cortada e, na terceira, era chicoteado até a morte.
Outras “faltas graves”, além de fuga, podiam ser punidas com a castração, a quebra dos dentes a martelo, a amputação dos seios, o vazamento dos olhos ou a queimadura com lacre ardente. Houve casos de escravos lançados vivos nas caldeiras ou passados na moenda, além daqueles que, besuntados de mel, foram atirados em grandes formigueiros. O estudo mais aprofundado dos castigos revela que não eram aplicados para “corrigir” o escravo (mesmo porque, muitas vezes não se sobrevivia a els), mas para semear o terror entre os que eram forçados a assistir aos suplícios.
As punições eram, em geral, aplicadas por outros escravos – atrás deles, porém, ficava o feitos, sempre pronto a punir qualquer brandura ou esmorecimento por parte do carrasco. Durante 300 anos, o castigo foi uma peça básica para a manutenção de engrenagem escravocrata.


Fonte: História do Brasil (1996), página 76.