Como
todas as sociedades escravocratas, também no Brasil a variedade de
suplícios e castigos estipulados pelos senhores para punir seus
servos foi ampla, geral e irrestrita. A punição mais comum era o
açoite em praça pública, regulada pelo Código Penal. Num de seus
desenhos mais conhecidos, o francês Jean Baptieste Debret, que
esteve no Brasil de 1816 a 1831, retratou esse suplício e escreveu
sobre ele: “O povo admira a habilidade do carrasco que, ao levantar
o braço para aplicar o golpe, arranha de leve a epiderme, deixando-a
em carne viva depois da terceira chicotada. Conserva ele o braço
levantado durante o intervalo de alguns segmentos entre cada golpe,
tanto para contá-los em voz alta como para economizar forças até o
final da execução. O chicote, que ele mesmo fabrica, tem sete ou
oito tiras de couro bastante espessas e bem retorcidas. Esse
instrumento contundente nunca deixa de produzir efeito quando bem
seco, mas, ao amolecer, pelo sangue, precisa o carrasco trocá-lo,
mantendo para isso cinco ou seis a seu lado, no chão (…). Embora
fortemente amarrado ao “pau de paciência”, como se chama o
pelourinho, a dor dá-lhe tanta energia que a vítima encontra forças
para se erguer nas pontas dos pés a cada chicotada, movimento
convulsivo tantas vezes repetido que o suor da fricção do ventre e
das coxas da vítima acaba polindo o pelourinho.
Entretanto,
alguns condenados (e esses são temíveis) demonstram grande força
de caráter, sofrendo em silêncio até a última chicotada. De volta
à prisão, a vítima é submetida a uma segunda prova, não menos
dolorosa: a lavagem das chagas com vinagre e pimenta e grande
quantidade de sal.
“Essas
penas, de 50 a 200 chibatadas, são rigorosas, mas há outras
bárbaras, como a que condena à morte o chefe de quilombos: são 300
chibatadas ao longo de vários dias. No primeiro, ele recebe cem, à
razão de 30 por vez. A última execução abre chagas já profundas
e ataca as veias mais importantes, provocando uma tal hemorragia que
o negro sucumbe”.
Faltas
“menos graves” eram punidas com palmatória, cujas pancadas
podiam chegar a 200: com o tronco que, segundo Debret, provocava
“mais tédio do que dor”; ou com a gargalheira, colar de ferro
com vários ganchos que facilitava a captura de escravos fujões. A
primeira fuga era punida com a marcação, por ferro em brasa, de um
F no rosto ou no ombro do escravo. Na segunda tentativa, o fugitivo
tinha uma orelha cortada e, na terceira, era chicoteado até a morte.
Outras
“faltas graves”, além de fuga, podiam ser punidas com a
castração, a quebra dos dentes a martelo, a amputação dos seios,
o vazamento dos olhos ou a queimadura com lacre ardente. Houve casos
de escravos lançados vivos nas caldeiras ou passados na moenda, além
daqueles que, besuntados de mel, foram atirados em grandes
formigueiros. O estudo mais aprofundado dos castigos revela que não
eram aplicados para “corrigir” o escravo (mesmo porque, muitas
vezes não se sobrevivia a els), mas para semear o terror entre os
que eram forçados a assistir aos suplícios.
As
punições eram, em geral, aplicadas por outros escravos – atrás
deles, porém, ficava o feitos, sempre pronto a punir qualquer
brandura ou esmorecimento por parte do carrasco. Durante 300 anos, o
castigo foi uma peça básica para a manutenção de engrenagem
escravocrata.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 76.