Idosa esquecida dentro de ônibus receberá indenização por danos morais
A empresa Real Sur Transporte e Turismo foi condenada pelo 3º Juizado Cível de Taguatinga/DF a indenizar senhora de 66 anos esquecida dentro de ônibus de propriedade da empresa. A ré recorreu, mas a sentença foi mantida, à unanimidade, pela 2ª Turma Recursal do TJDFT.
Verificou-se dos autos que, após baldeação para troca de ônibus interestadual que faria o trajeto Taguantiga/DF-Palmas/GO, foi dado seguimento normal à viagem, enquanto o primeiro veículo foi encaminhado para garagem da empresa. Ocorre que não se verificou que uma das passageiras, no caso a autora - idosa e hipertensa -, ainda estava no interior do veículo, no compartimento das poltronas do tipo leito. Qual não foi sua surpresa ao perceber que estava sozinha, dentro de um ônibus trancado, escuro e abafado, já que o ar condicionado estava desligado e as janelas são vedadas, sem possibilidade de abertura manual.
"Tal situação em si configura má prestação de serviço, já que jamais deveria ter ocorrido se a ré tivesse o cuidado mínimo de assegurar-se da devida retirada de todos os passageiros. Não é crível que os prepostos da ré, se tivessem realizado simples vistoria no interior do veículo (dever elementar que lhes incumbia), não tenham visto uma pessoa ainda dentro do ônibus antes de trancá-lo na garagem. Não se trata de um pertence ou objeto esquecido no veículo, mas uma pessoa", diz o juiz.
"O que se colhe dos autos é que não houve o básico cuidado de avisar adequada e inequivocamente todos os passageiros da mudança de ônibus e de passar em revista o interior do veículo. Até porque poderia haver, ainda que remotamente, algum passageiro preso no banheiro, ou acometido por mal estar, ou até desmaiado, enfim de algum modo que lhe impossibilitasse sair voluntariamente do ônibus", prossegue o magistrado, ao acrescentar: "E nem se cogite que a autora contribuiu para o evento, por supostamente ter adormecido, já que é perfeitamente normal (e lícito) dormir em viagens, mormente quando se opta por um assento do tipo leito".
Diante disso, o julgador registra que a situação em comento, por si só, é suficiente para configurar o dano moral suportado pela autora, uma vez que extrapola a esfera do mero aborrecimento, visto que a ré abandonou a autora dentro do ônibus, "impondo-lhe circunstância degradante, de extremo desconforto, angústia, até mesmo desespero". Por fim, destaca que a autora "é senhora idosa, tendo ficado muito assustada e nervosa, em total desamparo, como bem salientou o policial que atendeu a ligação telefônica da autora pelo número 190, o qual foi ouvido em audiência de instrução do feito".
Em sede recursal, a Turma confirmou o entendimento do juiz, afirmando que "a prestação de serviço, após socorro policial, conduzindo a autora ida e volta ao destino, não afasta a responsabilidade pelo dano já ocasionado quando de seu esquecimento dentro do veículo que fora trancado na garagem". Assim, concluiu devida a indenização por danos morais, no importe de R$ 5 mil, tendo em vista a adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Processo: 2015.07.1.004792-8
Fonte: TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal - 02/03/2016 e Endividado
Verificou-se dos autos que, após baldeação para troca de ônibus interestadual que faria o trajeto Taguantiga/DF-Palmas/GO, foi dado seguimento normal à viagem, enquanto o primeiro veículo foi encaminhado para garagem da empresa. Ocorre que não se verificou que uma das passageiras, no caso a autora - idosa e hipertensa -, ainda estava no interior do veículo, no compartimento das poltronas do tipo leito. Qual não foi sua surpresa ao perceber que estava sozinha, dentro de um ônibus trancado, escuro e abafado, já que o ar condicionado estava desligado e as janelas são vedadas, sem possibilidade de abertura manual.
"Tal situação em si configura má prestação de serviço, já que jamais deveria ter ocorrido se a ré tivesse o cuidado mínimo de assegurar-se da devida retirada de todos os passageiros. Não é crível que os prepostos da ré, se tivessem realizado simples vistoria no interior do veículo (dever elementar que lhes incumbia), não tenham visto uma pessoa ainda dentro do ônibus antes de trancá-lo na garagem. Não se trata de um pertence ou objeto esquecido no veículo, mas uma pessoa", diz o juiz.
"O que se colhe dos autos é que não houve o básico cuidado de avisar adequada e inequivocamente todos os passageiros da mudança de ônibus e de passar em revista o interior do veículo. Até porque poderia haver, ainda que remotamente, algum passageiro preso no banheiro, ou acometido por mal estar, ou até desmaiado, enfim de algum modo que lhe impossibilitasse sair voluntariamente do ônibus", prossegue o magistrado, ao acrescentar: "E nem se cogite que a autora contribuiu para o evento, por supostamente ter adormecido, já que é perfeitamente normal (e lícito) dormir em viagens, mormente quando se opta por um assento do tipo leito".
Diante disso, o julgador registra que a situação em comento, por si só, é suficiente para configurar o dano moral suportado pela autora, uma vez que extrapola a esfera do mero aborrecimento, visto que a ré abandonou a autora dentro do ônibus, "impondo-lhe circunstância degradante, de extremo desconforto, angústia, até mesmo desespero". Por fim, destaca que a autora "é senhora idosa, tendo ficado muito assustada e nervosa, em total desamparo, como bem salientou o policial que atendeu a ligação telefônica da autora pelo número 190, o qual foi ouvido em audiência de instrução do feito".
Em sede recursal, a Turma confirmou o entendimento do juiz, afirmando que "a prestação de serviço, após socorro policial, conduzindo a autora ida e volta ao destino, não afasta a responsabilidade pelo dano já ocasionado quando de seu esquecimento dentro do veículo que fora trancado na garagem". Assim, concluiu devida a indenização por danos morais, no importe de R$ 5 mil, tendo em vista a adequação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Processo: 2015.07.1.004792-8
Fonte: TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal - 02/03/2016 e Endividado
Código de Defesa do Consumidor não é expressão de paternalismo jurídico
por Amanda Flávio de Oliveira
De tempos em tempos, retorna à discussão o argumento de que os direitos do consumidor positivados em nosso ordenamento jurídico seriam expressão do “paternalismo jurídico”. Em muitas dessas ocasiões, identifica-se uma clara “atecnia” no emprego da expressão “ paternalismo jurídico”, revelando claro desconhecimento de seu significado. Em muitas das ocasiões, o termo é utilizado de forma pejorativa, para assim identificar ações com as quais o sujeito discorda e que tenham elementos de ação protetiva.
Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política, já identificava os elementos com os quais o termo é confundido: paternalismo, na linguagem vulgar, é uma manifestação de autoritarismo, mesmo que benevolente[1]. O mesmo autor, em outra passagem de sua obra, igualmente adverte para a ausência de neutralidade de todos os termos da linguagem política: “cada um deles pode ser usado com base na orientação política do usuário para gerar reações emocionais, para obter aprovação ou desaprovação de um certo comportamento, para provocar, enfim, consenso ou dissenso”[2].
Bobbio também menciona a “ameaça” que o pensamento liberal historicamente identificou no Estado paternal e discorre sobre os inúmeros pensadores responsáveis por relacionar o poder paterno com o poder divino dos reis combatido pelos liberais[3]. Se a Monarquia era a manifestação de um Estado paternal, combatê-lo era a missão dos defensores do Liberalismo.
O paternalismo também representou, na história da humanidade, uma ameaça real ao modelo capitalista que se buscou implantar no conjunto das bases do Estado Liberal. Mesmo quando já instalado o sistema capitalista, o paternalismo foi constantemente identificado como “a ameaça socialista”. Sobre o tema, Otto H. Kahn publicou, nos EUA, em 1919, a obra The Menace of Paternalism (A Ameaça do Paternalismo), em que afirmava, de forma contundente: “From governmental paternalism to socialism is not a very long step” e “Nor, indeed, can paternalism and liberty exist side by side”[4] (ou, em tradução livre: "Do paternalismo governamental ao socialismo não é um passo muito longo" e "Nem, de fato, o paternalismo e a liberdade podem existir lado a lado"). Kahn afirmava que as ideias paternalistas teriam sempre o apoio dos que buscam popularidade, dos oportunistas, dos invejosos e até mesmo daqueles desejosos de uma Justiça social, mas que não examinam criticamente e à luz da razão a experiência que demonstra que por essa via se causará mais dano que bem à sociedade[5].
É de se reconhecer, porém, padecer Kahn do mesmo mal que aponta nos defensores do socialismo: a utilização de argumentos muito subjetivos, quase emotivos, para sustentar suas ideias. A contradição de seu discurso contra a ausência de embasamento racional das convicções paternalistas fica evidente no fundamento por ele utilizado para embasar as ideias liberais: “I have complete confidence in the sober common sense of the American people”[6] ("Eu tenho completa confiança no senso comum sóbrio do povo americano").
Seja qual for a convicção ideológica do pesquisador, é seu dever contextualizar o problema sobre o qual pretende refletir no estágio mais contemporâneo de evolução das Ciências. Especificamente em relação ao Direito do Consumidor brasileiro, não é correto do ponto de vista científico proceder-se a uma avaliação sobre seu enquadramento em um modelo liberal ou paternalista de Estado desconsiderando-se tudo o que já se construiu desde Adam Smith e Stuart Mill sobre o comportamento humano no mercado. Tampouco se pode encarar a “ameaça socialista” com os mesmos olhos e os mesmos argumentos, tendo a experiência histórica fornecido tantos outros elementos para formação de uma crítica séria.
Fato é que no Brasil, não raro, verifica-se o emprego de forma atécnica da expressão “paternalismo jurídico” para se referir ao Direito do Consumidor aqui desenvolvido, ou a aspectos pontuais da efetividade da lei. O emprego é totalmente inadequado. Fruto de mandamento constitucional, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro consiste em lei criada segundo um processo legislativo democrático e busca dar eficácia a um direito fundamental reconhecido em nível global. Sua aplicação sempre ocorre por meio de autoridades expressamente identificadas com essa competência. As decisões dessas autoridades sempre estarão sujeitas a recursos processuais, que asseguram a garantia de um novo olhar sobre o caso e permitem a correção de eventuais excessos praticados pelo julgador que, de forma condenável, tenha extrapolado os limites de proteção autorizados pela lei.
Do ponto de vista do fundamento para a proteção do sujeito de direitos, a lei informa textualmente ser a “vulnerabilidade do consumidor” a razão do tratamento protetivo conferido. De forma objetiva, deve-se registrar: i) consumidores são todos, indistintamente, que se encontrem em uma relação econômica em posição de adquirente ou vítima de um produto ou serviço, o que torna a categoria universal e não discriminatória; ii) a circunstância da “vulnerabilidade”, que torna uma parte merecedora de proteção em detrimento da outra, aplica-se a todos os que se encontram na posição de consumidores, indistintamente; e iii) outras áreas do saber, na contemporaneidade, já identificaram, testaram e produziram robustas pesquisas que comprovam a condição de vulnerabilidade em que as pessoas humanas se encontram, em diferentes circunstâncias de sua vida, mesmo que, por vezes, elas acreditem honestamente estarem tomando decisões racionais. A circunstância da vulnerabilidade não pode mais ser referida como mera “alegação”, sem embasamento empírico. Estudos contundentes demonstram a limitada racionalidade humana e seu comportamento “enviesado” no mercado[7].
Soma-se a isso a constatação de que, se a Constituição de 1988 consagrou o capitalismo em nosso país, ela não consagrou o Estado Liberal clássico, haja vista as disposições que regem a atividade econômica no país. Exemplo disso encontra-se no Título VII, destinado a disciplinar a Ordem Econômica (artigos 170 a 192), que estabelece como princípios norteadores a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas pelas leis brasileiras que tenham sua sede e administração no país, numa perfeita convivência entre ideais liberais e sociais. Se capitalismo e liberalismo são ideias unidas por uma mesma gênese histórica, elas não se confundem.
Por outro lado, o reconhecimento dos direitos humanos pelas Constituições nacionais representa a maior revolução já experimentada pelo direito positivo[8]. No evoluir da história da Humanidade e das instituições internacionais, os direitos de liberdade (também conhecidos como civis e políticos) foram os primeiros a merecer atenção. Entretanto, o mesmo evoluir dos fatos históricos conduziu à imperiosidade de se reconhecer uma outra espécie de direitos humanos, os chamados direitos econômicos e sociais, uma vez que, vivenciado o exercício dos direitos à liberdade, restaram evidenciadas as suas limitações e insuficiências. Os direitos econômicos e sociais resultaram, portanto, do exercício dos direitos políticos e civis, e significam a busca por um humanismo real, não ficcional.
Os direitos sociais e econômicos são compatíveis com o novo Estado que surgiu pós-crença no Estado Liberal clássico. Para sua realização, necessitam de prestação por parte do Estado e, por isso, pressupõem alguma forma de regulação ou regulamentação da liberdade. São eles, portanto, uma manifestação da superação do Liberalismo clássico, mas não podem ser referidos como uma política anticapitalista[9]. Mesmo com a consagração desses direitos no ordenamento jurídico de um país que optou pelo capitalismo como sistema econômico, restam preservados a propriedade privada, o trabalho assalariado, a apropriação privada dos meios de produção e seu exercício com vistas ao lucro.
É aí que se enquadram os direitos do consumidor, no Brasil, codificados na Lei n. 8.078/90. São eles expressões de direitos humanos, constitucionalizados, disciplinados por lei, aplicados segundo um procedimento legal. Estão muito longe de representarem o autoritarismo, a opressão característicos dos tempos dos reis despóticos. Estão muito longe de representarem o retorno da ameaça socialista. São manifestações de direitos. Como bem adverte o professor português Cabral de Moncada: “Um nível adequado de prestações não é caridade. É um verdadeiro direito subjetivo”.
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[1] Essa situação não causa estranhamento a Bobbio, para quem: “A linguagem política é notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos. Esta variedade depende tanto do fato de muitos termos terem passado por longa série de mutações históricas (…) A maior parte desses termos é derivada da linguagem comum.” BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora UNB, 1998, p. V.
[2] Id. ibid., p. V-VI.
[3] Id. ibid., p. 908.
[4] KAHN, Otto H. The menace of paternalism. The Constitution Review, 1919, v. 3, n. 114, p. 6-9.
[5] Id. ibid., p. 13.
[6] Id. ibid., p. 6.
[7] Recomenda-se, a esse respeito, fortemente, o estudo da Escola da Economia Comportamental (Behavioral Economics).
[8] Para Lorenzetti, os direitos humanos têm sido responsáveis por transformar totalmente o Direito. LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la decision judicial. Fundamentos de derecho. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 320.
[9] No mesmo sentido, CABRAL DE MONCADA, op. cit., p. 184.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 02/03/2016 e Endividado
Norberto Bobbio, em seu Dicionário de Política, já identificava os elementos com os quais o termo é confundido: paternalismo, na linguagem vulgar, é uma manifestação de autoritarismo, mesmo que benevolente[1]. O mesmo autor, em outra passagem de sua obra, igualmente adverte para a ausência de neutralidade de todos os termos da linguagem política: “cada um deles pode ser usado com base na orientação política do usuário para gerar reações emocionais, para obter aprovação ou desaprovação de um certo comportamento, para provocar, enfim, consenso ou dissenso”[2].
Bobbio também menciona a “ameaça” que o pensamento liberal historicamente identificou no Estado paternal e discorre sobre os inúmeros pensadores responsáveis por relacionar o poder paterno com o poder divino dos reis combatido pelos liberais[3]. Se a Monarquia era a manifestação de um Estado paternal, combatê-lo era a missão dos defensores do Liberalismo.
O paternalismo também representou, na história da humanidade, uma ameaça real ao modelo capitalista que se buscou implantar no conjunto das bases do Estado Liberal. Mesmo quando já instalado o sistema capitalista, o paternalismo foi constantemente identificado como “a ameaça socialista”. Sobre o tema, Otto H. Kahn publicou, nos EUA, em 1919, a obra The Menace of Paternalism (A Ameaça do Paternalismo), em que afirmava, de forma contundente: “From governmental paternalism to socialism is not a very long step” e “Nor, indeed, can paternalism and liberty exist side by side”[4] (ou, em tradução livre: "Do paternalismo governamental ao socialismo não é um passo muito longo" e "Nem, de fato, o paternalismo e a liberdade podem existir lado a lado"). Kahn afirmava que as ideias paternalistas teriam sempre o apoio dos que buscam popularidade, dos oportunistas, dos invejosos e até mesmo daqueles desejosos de uma Justiça social, mas que não examinam criticamente e à luz da razão a experiência que demonstra que por essa via se causará mais dano que bem à sociedade[5].
É de se reconhecer, porém, padecer Kahn do mesmo mal que aponta nos defensores do socialismo: a utilização de argumentos muito subjetivos, quase emotivos, para sustentar suas ideias. A contradição de seu discurso contra a ausência de embasamento racional das convicções paternalistas fica evidente no fundamento por ele utilizado para embasar as ideias liberais: “I have complete confidence in the sober common sense of the American people”[6] ("Eu tenho completa confiança no senso comum sóbrio do povo americano").
Seja qual for a convicção ideológica do pesquisador, é seu dever contextualizar o problema sobre o qual pretende refletir no estágio mais contemporâneo de evolução das Ciências. Especificamente em relação ao Direito do Consumidor brasileiro, não é correto do ponto de vista científico proceder-se a uma avaliação sobre seu enquadramento em um modelo liberal ou paternalista de Estado desconsiderando-se tudo o que já se construiu desde Adam Smith e Stuart Mill sobre o comportamento humano no mercado. Tampouco se pode encarar a “ameaça socialista” com os mesmos olhos e os mesmos argumentos, tendo a experiência histórica fornecido tantos outros elementos para formação de uma crítica séria.
Fato é que no Brasil, não raro, verifica-se o emprego de forma atécnica da expressão “paternalismo jurídico” para se referir ao Direito do Consumidor aqui desenvolvido, ou a aspectos pontuais da efetividade da lei. O emprego é totalmente inadequado. Fruto de mandamento constitucional, o Código de Defesa do Consumidor brasileiro consiste em lei criada segundo um processo legislativo democrático e busca dar eficácia a um direito fundamental reconhecido em nível global. Sua aplicação sempre ocorre por meio de autoridades expressamente identificadas com essa competência. As decisões dessas autoridades sempre estarão sujeitas a recursos processuais, que asseguram a garantia de um novo olhar sobre o caso e permitem a correção de eventuais excessos praticados pelo julgador que, de forma condenável, tenha extrapolado os limites de proteção autorizados pela lei.
Do ponto de vista do fundamento para a proteção do sujeito de direitos, a lei informa textualmente ser a “vulnerabilidade do consumidor” a razão do tratamento protetivo conferido. De forma objetiva, deve-se registrar: i) consumidores são todos, indistintamente, que se encontrem em uma relação econômica em posição de adquirente ou vítima de um produto ou serviço, o que torna a categoria universal e não discriminatória; ii) a circunstância da “vulnerabilidade”, que torna uma parte merecedora de proteção em detrimento da outra, aplica-se a todos os que se encontram na posição de consumidores, indistintamente; e iii) outras áreas do saber, na contemporaneidade, já identificaram, testaram e produziram robustas pesquisas que comprovam a condição de vulnerabilidade em que as pessoas humanas se encontram, em diferentes circunstâncias de sua vida, mesmo que, por vezes, elas acreditem honestamente estarem tomando decisões racionais. A circunstância da vulnerabilidade não pode mais ser referida como mera “alegação”, sem embasamento empírico. Estudos contundentes demonstram a limitada racionalidade humana e seu comportamento “enviesado” no mercado[7].
Soma-se a isso a constatação de que, se a Constituição de 1988 consagrou o capitalismo em nosso país, ela não consagrou o Estado Liberal clássico, haja vista as disposições que regem a atividade econômica no país. Exemplo disso encontra-se no Título VII, destinado a disciplinar a Ordem Econômica (artigos 170 a 192), que estabelece como princípios norteadores a soberania nacional, a propriedade privada, a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, a redução das desigualdades regionais e sociais, a busca do pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas pelas leis brasileiras que tenham sua sede e administração no país, numa perfeita convivência entre ideais liberais e sociais. Se capitalismo e liberalismo são ideias unidas por uma mesma gênese histórica, elas não se confundem.
Por outro lado, o reconhecimento dos direitos humanos pelas Constituições nacionais representa a maior revolução já experimentada pelo direito positivo[8]. No evoluir da história da Humanidade e das instituições internacionais, os direitos de liberdade (também conhecidos como civis e políticos) foram os primeiros a merecer atenção. Entretanto, o mesmo evoluir dos fatos históricos conduziu à imperiosidade de se reconhecer uma outra espécie de direitos humanos, os chamados direitos econômicos e sociais, uma vez que, vivenciado o exercício dos direitos à liberdade, restaram evidenciadas as suas limitações e insuficiências. Os direitos econômicos e sociais resultaram, portanto, do exercício dos direitos políticos e civis, e significam a busca por um humanismo real, não ficcional.
Os direitos sociais e econômicos são compatíveis com o novo Estado que surgiu pós-crença no Estado Liberal clássico. Para sua realização, necessitam de prestação por parte do Estado e, por isso, pressupõem alguma forma de regulação ou regulamentação da liberdade. São eles, portanto, uma manifestação da superação do Liberalismo clássico, mas não podem ser referidos como uma política anticapitalista[9]. Mesmo com a consagração desses direitos no ordenamento jurídico de um país que optou pelo capitalismo como sistema econômico, restam preservados a propriedade privada, o trabalho assalariado, a apropriação privada dos meios de produção e seu exercício com vistas ao lucro.
É aí que se enquadram os direitos do consumidor, no Brasil, codificados na Lei n. 8.078/90. São eles expressões de direitos humanos, constitucionalizados, disciplinados por lei, aplicados segundo um procedimento legal. Estão muito longe de representarem o autoritarismo, a opressão característicos dos tempos dos reis despóticos. Estão muito longe de representarem o retorno da ameaça socialista. São manifestações de direitos. Como bem adverte o professor português Cabral de Moncada: “Um nível adequado de prestações não é caridade. É um verdadeiro direito subjetivo”.
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[1] Essa situação não causa estranhamento a Bobbio, para quem: “A linguagem política é notoriamente ambígua. A maior parte dos termos usados no discurso político tem significados diversos. Esta variedade depende tanto do fato de muitos termos terem passado por longa série de mutações históricas (…) A maior parte desses termos é derivada da linguagem comum.” BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. Brasília: Editora UNB, 1998, p. V.
[2] Id. ibid., p. V-VI.
[3] Id. ibid., p. 908.
[4] KAHN, Otto H. The menace of paternalism. The Constitution Review, 1919, v. 3, n. 114, p. 6-9.
[5] Id. ibid., p. 13.
[6] Id. ibid., p. 6.
[7] Recomenda-se, a esse respeito, fortemente, o estudo da Escola da Economia Comportamental (Behavioral Economics).
[8] Para Lorenzetti, os direitos humanos têm sido responsáveis por transformar totalmente o Direito. LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoría de la decision judicial. Fundamentos de derecho. Santa Fe: Rubinzal-Culzoni, 2006, p. 320.
[9] No mesmo sentido, CABRAL DE MONCADA, op. cit., p. 184.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 02/03/2016 e Endividado
Políticos têm dado declarações contra o bilionário; http://glo.bo/1QNGoGl
Agência de viagens deverá pagar indenização por cobrança de impostos não previstos em contrato
Juiz do 7º Juizado Especial Cível de Brasília condenou o Hotel Urbano Viagens e Turismo S.A. ao pagamento de indenização, por danos materiais, pela cobrança de impostos não previstos em contrato. Da decisão cabe recurso.
O autor alega ter efetuado compra de duas hospedagens por seis noites, em Las Vegas, pelo valor de R$ 1.237,44, com taxas e impostos já inclusos no preço. Afirma que no "voucher" emitido pelo Hotel Urbano Viagens e Turismo S.A. não havia nenhum aviso sobre o pagamento de quaisquer outras taxas, impostos ou cobranças adicionais. Assevera que dias depois foi cobrado em seu cartão de crédito valores referentes aos impostos do estabelecimento hoteleiro (2x U$ 147,84). Assim, pede pela condenação da agência de viagens a devolver, em dobro, os valores cobrados a título de impostos pelo hotel, bem como a indenizá-lo pelos danos morais sofridos.
A agência, por sua vez, alega que cumpriu com o seu dever de fornecer informações claras e precisas, sendo o equívoco culpa exclusiva do consumidor.
Para o juiz, assiste razão à parte autora, pois, segundo ele, não se pode esquecer que o consumidor tem direito à informação clara e adequada das características essenciais de produtos e serviços que venha a contratar ou adquirir, conforme determinam os artigos 6º, III, e 31 do Código de Defesa do Consumidor - CDC. Ocorre que, em virtude de falha na prestação dos serviços, o autor não recebeu informações claras e precisas acerca da cobrança adicional de impostos pelo hotel vinculado ao pacote de turismo. Ademais, constata-se pelos documentos anexados aos autos que não há nenhuma informação no "voucher", emitido pela agência, da possibilidade de cobrança adicional de impostos pelo estabelecimento hoteleiro, afirmou.
Assim, constatado o descumprimento, pelo réu, do dever qualificado de informação imposto ao fornecedor de produtos e serviços pelo CDC, sua condenação a restituir o valor pago pela parte autora a título de impostos é medida que se impõe, declarou o magistrado. Todavia, afirmou que o reembolso deverá ser feito na forma simples, uma vez que os impostos eram devidos.
No tocante aos danos morais, o juiz constatou que, não obstante os transtornos e aborrecimentos sofridos pela parte autora, a conduta adotada pelo empresa não se mostra apta, por si só, a causar abalo extraordinário à sua dignidade e honra subjetiva, tratando-se apenas de ilícito contratual. Desta forma, diante da ausência de comprovação de situação que tenha abalado a honra ou ocasionado abalo psicológico considerável à parte autora, não há que se falar em dano moral a ser indenizado, concluiu .
Assim, o magistrado julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o Hotel Urbano Viagens e Turismo S.A. a pagar ao autor a quantia de R$ 1.114,72, a título de indenização por danos materiais.
DJe: 0723934-04.2015.8.07.0016
Fonte: TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal - 02/03/2016 e Endividado
O autor alega ter efetuado compra de duas hospedagens por seis noites, em Las Vegas, pelo valor de R$ 1.237,44, com taxas e impostos já inclusos no preço. Afirma que no "voucher" emitido pelo Hotel Urbano Viagens e Turismo S.A. não havia nenhum aviso sobre o pagamento de quaisquer outras taxas, impostos ou cobranças adicionais. Assevera que dias depois foi cobrado em seu cartão de crédito valores referentes aos impostos do estabelecimento hoteleiro (2x U$ 147,84). Assim, pede pela condenação da agência de viagens a devolver, em dobro, os valores cobrados a título de impostos pelo hotel, bem como a indenizá-lo pelos danos morais sofridos.
A agência, por sua vez, alega que cumpriu com o seu dever de fornecer informações claras e precisas, sendo o equívoco culpa exclusiva do consumidor.
Para o juiz, assiste razão à parte autora, pois, segundo ele, não se pode esquecer que o consumidor tem direito à informação clara e adequada das características essenciais de produtos e serviços que venha a contratar ou adquirir, conforme determinam os artigos 6º, III, e 31 do Código de Defesa do Consumidor - CDC. Ocorre que, em virtude de falha na prestação dos serviços, o autor não recebeu informações claras e precisas acerca da cobrança adicional de impostos pelo hotel vinculado ao pacote de turismo. Ademais, constata-se pelos documentos anexados aos autos que não há nenhuma informação no "voucher", emitido pela agência, da possibilidade de cobrança adicional de impostos pelo estabelecimento hoteleiro, afirmou.
Assim, constatado o descumprimento, pelo réu, do dever qualificado de informação imposto ao fornecedor de produtos e serviços pelo CDC, sua condenação a restituir o valor pago pela parte autora a título de impostos é medida que se impõe, declarou o magistrado. Todavia, afirmou que o reembolso deverá ser feito na forma simples, uma vez que os impostos eram devidos.
No tocante aos danos morais, o juiz constatou que, não obstante os transtornos e aborrecimentos sofridos pela parte autora, a conduta adotada pelo empresa não se mostra apta, por si só, a causar abalo extraordinário à sua dignidade e honra subjetiva, tratando-se apenas de ilícito contratual. Desta forma, diante da ausência de comprovação de situação que tenha abalado a honra ou ocasionado abalo psicológico considerável à parte autora, não há que se falar em dano moral a ser indenizado, concluiu .
Assim, o magistrado julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o Hotel Urbano Viagens e Turismo S.A. a pagar ao autor a quantia de R$ 1.114,72, a título de indenização por danos materiais.
DJe: 0723934-04.2015.8.07.0016
Fonte: TJDF - Tribunal de Justiça do Distrito Federal - 02/03/2016 e Endividado