Por 200
anos, mais do que uma obsessão, o ouro – ou a ausência dele –
fora uma maldição para os portugueses que viviam no Brasil. Ao
contrário do que acontecia nos territórios conquistados pela
Espanha, não havia, na terra do pau-brasil, “coisa de metal algum”
como, em 1502, diagnosticara Américo Vespúcio. O padrinho do Novo
Mundo fora mais cético do que o primeiro cronista do Brasil. Em
abril de 1500, ao redigir sua carta para o rei D. Manuel, Pero Vaz de
Caminha revelava toda a esperança dos descobridores em achar o
“fulvo metal” na terra nova: o simples fato de um indígena ter
olhado para o colar de ouro que ornamentava o peito de Cabral e, em
seguida, apontar para as montanhas, foi tomado como sinal inequívoco
de que, naquelas serrarias, deveria haver ouro, muito ouro.
A ilusão
perduraria por dois séculos – e reclamaria muitas vidas antes de
se tornar uma espantosa realidade.
Embora
algumas pepitas tenham sido encontradas no sopé do pico do Jaraguá,
em São Paulo, em 1590, e certos ribeiros do litoral do Paraná
revelassem areia aurífera, o fato é que, até 1693, no Brasil quase
nada do que refulgia era ouro – com exceção, é claro, da pedra
conhecida como o “ouro de tolos”, a pirita. No entardecer do
século 17, porém, Portugal e Brasil se encontravam numa crise
financeira tão profunda que, em 1674, o próprio regente Pedro II
(Coroado rei em 1683) escrevera aos “homens bons” da vila de São
Paulo encorajando-os a partir para o sertão em busca de metais. Não
dissera, em 1519, o capitão Hernán Cortez ao imperador asteca
Montezuma que os espanhóis sofriam de uma “doença do coração
que só o ouro pode curar”? Um século e meio mais tarde, Portugal
e o Brasil estava de tal forma enfermos que só um Eldorado poderia
salvá-los. Pois ele existia e logo seria achado - embora trouxesse
outras moléstias.
Alguns
historiadores acham que não se devem desconsiderar “os efeitos
psicológicos” que as missivas reais teriam exercido sobre os 11
sertanistas que as receberam. Mas o fato é que aos bandeirantes de
São Paulo não restava outra forma de manter suas vidas nômades
senão caçando ouro: seus currais indígenas estavam esgotados. Ao
rei também não sobrava outra opção: anos antes, enquanto
perdurava a União Ibérica, foram enviados da corte especialistas em
minas para estudar as potencialidades minerais do Brasil. O único
deles que resistiu às agruras do sertão – o espanhol Rodrigo
Castelo Branco – foi assassinado por Borba Gato, genro de Fernão
Dias, assim que chegou à mina que o “caçador de esmeraldas”
acabara de descobrir. Depois desse crime sem castigo, quem não fosse
bandeirante e paulista não se arriscaria a percorrer os ermos do
Brasil. Aos paulistas caberia a façanha de encontrar a maior jazida
de ouro já descoberta no mundo. Mas não seriam eles que lucrariam
com ela.
A
discussão acadêmica sobre qual o primeiro ouro descoberto nas
Gerais é tamanha que não restam dúvidas de que os achados foram
simultâneos, o que indica também que havia várias expedições
percorrendo a serra da Mantiqueira e os valores dos rios das Velhas e
das Mortes em busca do metal. Borba Gato teria sido o primeiro a
achar ouro, mas, após o crime de lesa-majestade que cometera, fora
obrigado a se esconder em matos remotos. Em 1693, por sua vez,
chegava ao Espírito Santo o paulista Antônio Ruiz de Arzão “com
50 e tantas pessoas, entre brancos e carijós domésticos de sua
administração, todos nus e esfarrapados, sem pólvora ou chumbo”:
vinham do sertão de Minas, onde, durante a caça aos escravos,
haviam sido duramente atacados por ferozes cataguás. A expedição,
porém, fora vitoriosa: entre os trapos que o cobriam, Arzão trazia
10 gramas de ouro. Impossibilitado de voltar ao sertão, deu o mapa
da mina para o concunhado, Bartolomeu Bueno de Siqueira, que, pouco
antes, perdera toda a sua herança no jogo. Siqueira partiu no rumo
indicado e em janeiro de 1695 se viu obrigado a informar ao
governador do Rio, Castro Caldas, que o ouro não era mais uma
miragem: a “grandeza das lavras” e a “fertilidade das minas”
eram evidentes. Em fins de 1696, já se contavam aos milhares os
paulistas que saíam de Taubaté (ponto de partida de Arzão e
Siqueira) rumo ao “sertão dos Categuases”, do outro lado da
Mantiqueira. A jornada até as minas durava cerca de dois meses e
meio e o roteiro conduzia de Taubaté a Lorena (via Guaratinguetá).
Do vale do Rio Paraíba, cruzavam-se a serra da Mantiqueira pela
garganta do Embaú atingindo-se, então, os três principais polos
mineradores: nas nascentes do Rio das Mortes, tendo por centro São
João del Rei; na região de Ouro Preto e Mariana, na serra do
Tripuí, e no Sabará e sua vizinha Caetê. Em 1699, Garcia Paris
(filho de Fernão Dias), abriu um caminho bem mais curto, que
conduzia do Rio de Janeiro às minas em 14 dias. Nessa época, a
região já populava com toda a espécie de aventureiros: levas de
peregrinos que partiam de todos os os contos do Brasil, “os mais
pobres deles só com suas pessoas e seu limitado trem às costas”.
De
acordo com um cronista, eram “indivíduos tão alucinados que,
vindos de distância de 30 ou 40 dias de jornada, partiam sem
provimento algum – assim, pelo caminho, muitos acabaram de
irremediável inanição e houve quem matasse o companheiro para lhe
tomar uma pipoca de milho”. Um grande surto de fome assolou as
minas em 1697-98. Muitos mineiros, com os alfajores cheios de ouro,
morreram sem encontrar um pedaço de mandioca, pelo qual dariam uma
pepita. Mas os horrores da fome seriam apenas os primeiros a cometer
o efervescente sertão dos cataguás e as fulgurantes “minas de
Taubaté”. Novas desgraças estavam sendo fermentadas.
Ouro
branco! Ouro preto! Ouro pobre! De cada ribeirão trepidante e de
cada montanha, o metal rolou na cascalhada para fauto d'El-Rei, para
glória do imposto. Manoel Bandeira.
Manoel
Bandeira.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 66.