Ao
alertar para o risco de que, sem adoção de providências adequadas,
o sistema carcerário no país pode acabar entrando em colapso, o
ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, acabou tocando numa
questão tabu para a sociedade, que é a revisão da chamada Lei de
Crimes Hediondos. O rechaço à simples possibilidade de penas mais
brandas para atos como os que atentam contra a vida é previsível
entre parcelas de uma sociedade cada vez mais vulnerável à
violência. Ainda assim, o impasse enfrentado pela superlotação das
prisões, no Estado e no país de maneira geral, não pode ser
ignorado, pois afeta tanto quem está atrás como fora das grades.
Obviamente,
a aplicação de penas mais severas e a exigência de seu cumprimento
integral em regime fechado, determinada pela Lei de Crimes Hediondos
na década passada, não se constitui na causa do excesso de
prisioneiros constatados hoje nos cárceres. Ainda assim, o fato de o
número de detentos no país praticamente ter triplicado de 1995 para
cá indica que o simples rigor legal não é o suficiente para deter
o avanço da criminalidade. Mesmo com os investimentos feitos desde
então no sistema carcerário, o déficit de vagas supera hoje a
lotação do estádio do Maracanã, dando um ideia clara da
dificuldade do pais em fazer com que os criminosos sejam punidos.
Por
isso, a advertência do ministro é importante por chamar a atenção
para o fato que, apesar dos instrumentos previstos pela Lei de
Execuções Penais, o uso de penas alternativas ainda é pouco
difundido. Quatro em cada cinco detentos no país estão em regime
fechado, fazendo com que, a cada mês, se eleve em 3,5 mil o déficit
de vagas no sistema prisional. A consequência óbvia é a elevada
concentração de internos em espaços reduzidos. Além de desumana,
a situação favorece as chamadas escolas do crime e a disseminação
de gangues que passam a atuar de dentro das celas, o que mantém os
riscos para a sociedade.
Apesar
da percepção contrária de uma parcela significativa da população,
um dos problemas enfrentados hoje é justamente a dificuldade de
punir os transgressores da lei, pois poucos deles acabam detidos,
investigados, processados e sentenciados. O risco é de que, em
breve, não haja nem mais lugar para acolher os condenados. Por isso,
além de ações que ajudem a prevenir a criminalidade, o país deve
recorrer a mais prisões para reduzir a impunidade, mas também a
medidas como as penas alternativas, que permitam a punição de casos
menos graves sem sobrecarregar ainda mais os presídios.
Fonte:
Zero Hora, editorial da edição de 11 de agosto de 2004, página 16.