A
comparação entre o papel do budismo na China e do cristianismo na
Europa mostra uma diferença marcante no plano político. Após a
ressuscitação do poder central pelos Tang, o confucionismo foi se
revigorando, sob a influência budista, para fortalecer o governo. A
burocracia imperial acabaria por administrar a igreja budista com
rédeas curtas.
A
adaptação do budismo à maneira de ser dos chineses fica evidente,
por exemplo, na educação. Como mostra Eric Zürcher (1959), o
Caminho Budista era semelhante ao confucionismo no reforço da
importância do comportamento moral. O aprendiz budista tinha de
aprender inúmeras regras de conduta e lutar constantemente contra o
pecado, o desejo e o apego. Tinha de observar as cinco regras:
abster-se de matar, de roubar, de fazer sexo ilícito, de mentir e de
usar tóxicos.
O sangha
– ou comunidade de monges e freiras, noviços fiéis – tinha de
cumprir um grande número de votos. Além disso, havia a realização
de boas obras e caridade (uma ramificação que vem de tradição
confuciana dos “contratos comunitários”, xiangyue, com
Song e depois deles, conforme veremos.
Durante
a época budista na China, de cerca de 500 a 850, o budismo não
reduziu o poder do Estado como única fonte de ordem política e
social. A alta cultura ainda era dominada pela elite secular dos
literatos. Isso significa que a comunidade de crentes budistas era
mantida rigidamente dentro de certos limites. Só depois do século
VI os sangha como corporação tinham rompido seus laços com
a sociedade externa. Com relação ao governo, chamavam por
autonomia, livre de controle e impostos governamentais, e até
incluíam as mulheres. Mais cedo ou mais tarde essa autonomia
tornaria o budismo uma ameaça ao Estado.
Sob os
Tang, a tendência era burocratizar o budismo com controle
administrativo, concessão de títulos, venda de certificados de
ordenação, compilação de um cânone budista e um sistema de
sistema de exames clericais para selecionar talentos.. Os monges
tinham de passar por em árduo programa de treinamento e estudo antes
de ordenação. Os exames clericiais para os budistas, bem como os
aplicados ao clássico metre confucionista, eram realizados pelo
Ministério dos Ritos. A educação nos monastérios budistas que
preparavam os monges para o sistema confuciano de exames pareciam
predecessores das academias do período Song. Assim, o budismo, até
o rompimento de 845, era circunscrito de forma consistente em seus
esforços educacionais pela dominação mais antiga do ensino
confucionista. No entanto, o budismo teria influência indireta, mais
tarde, no amálgama conhecido como neoconfucionismo.
O
budismo tinha prejudicado tão pouco a tradição política que o
governo Tang teve relativamente poucos problemas em coibir o poder
econômico dos monastérios. As várias perseguições a budistas,
sobretudo no século IX, foram, em parte, uma luta para evitar o
domínio de terras pela igreja e facilitar a aplicação de impostos
sobre essas terras. Mas não houve luta entre igreja e Estado na
China medieval comparável à que aconteceu no Ocidente.
A igreja
– fosse budista ou daoísta – era praticamente incapaz de ser
independente do Estado. Seus sacerdócios e templos eram muito
descentralizados, dependentes da modesta contribuição local, mas
sem congregações organizadas de fieis nem administrações
nacionais, além de serem passivos acerca de questões políticas.
Imitando
o exemplo budista, a religião daísta, diferente dos filósofos ou
alquimistas, atingiu as massas com um panteão imponente e várias
seitas, mas não conseguiu criar uma organização global. Os
monastérios e templos daístas continuavam sendo unidades isoladas
atendendo às crenças populares. Pela sua própria natureza, o
daísmo não poderia se tornar uma força organizada com poder sobre
a política chinesa: expressava uma alternativa ao confucionismo no
domínio da crença pessoal, porém deixava o domínio da ação aos
confucionistas.
Por
outro lado, os daístas contribuíram para a tecnologia chinesa por
meio das práticas alquímicas há muito exercidas, tanto na busca
pela imortalidade quanto pela herança mais imediata da fabricação
do ouro. Em suas experiências fisiológicas e químicas, descobriram
elixires e pesquisaram ervas, organizando a grande farmacopeia
chinesa da qual o mundo até hoje tem usufruído. Os alquimistas
fizeram contribuições à tecnologia da porcelana, tintas, ligas
metálicas e até outras invenções chinesas como a bússola e a
pólvora. Várias de suas conquistas, conforme Joseph Weedham, eram
“protociência, e não pseudociência”.
Fonte:
China – Uma Nova História, páginas 88, 89 e 90.