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sábado, 6 de junho de 2015

O budismo e o Estado

A comparação entre o papel do budismo na China e do cristianismo na Europa mostra uma diferença marcante no plano político. Após a ressuscitação do poder central pelos Tang, o confucionismo foi se revigorando, sob a influência budista, para fortalecer o governo. A burocracia imperial acabaria por administrar a igreja budista com rédeas curtas.
A adaptação do budismo à maneira de ser dos chineses fica evidente, por exemplo, na educação. Como mostra Eric Zürcher (1959), o Caminho Budista era semelhante ao confucionismo no reforço da importância do comportamento moral. O aprendiz budista tinha de aprender inúmeras regras de conduta e lutar constantemente contra o pecado, o desejo e o apego. Tinha de observar as cinco regras: abster-se de matar, de roubar, de fazer sexo ilícito, de mentir e de usar tóxicos.
O sangha – ou comunidade de monges e freiras, noviços fiéis – tinha de cumprir um grande número de votos. Além disso, havia a realização de boas obras e caridade (uma ramificação que vem de tradição confuciana dos “contratos comunitários”, xiangyue, com Song e depois deles, conforme veremos.
Durante a época budista na China, de cerca de 500 a 850, o budismo não reduziu o poder do Estado como única fonte de ordem política e social. A alta cultura ainda era dominada pela elite secular dos literatos. Isso significa que a comunidade de crentes budistas era mantida rigidamente dentro de certos limites. Só depois do século VI os sangha como corporação tinham rompido seus laços com a sociedade externa. Com relação ao governo, chamavam por autonomia, livre de controle e impostos governamentais, e até incluíam as mulheres. Mais cedo ou mais tarde essa autonomia tornaria o budismo uma ameaça ao Estado.
Sob os Tang, a tendência era burocratizar o budismo com controle administrativo, concessão de títulos, venda de certificados de ordenação, compilação de um cânone budista e um sistema de sistema de exames clericais para selecionar talentos.. Os monges tinham de passar por em árduo programa de treinamento e estudo antes de ordenação. Os exames clericiais para os budistas, bem como os aplicados ao clássico metre confucionista, eram realizados pelo Ministério dos Ritos. A educação nos monastérios budistas que preparavam os monges para o sistema confuciano de exames pareciam predecessores das academias do período Song. Assim, o budismo, até o rompimento de 845, era circunscrito de forma consistente em seus esforços educacionais pela dominação mais antiga do ensino confucionista. No entanto, o budismo teria influência indireta, mais tarde, no amálgama conhecido como neoconfucionismo.
O budismo tinha prejudicado tão pouco a tradição política que o governo Tang teve relativamente poucos problemas em coibir o poder econômico dos monastérios. As várias perseguições a budistas, sobretudo no século IX, foram, em parte, uma luta para evitar o domínio de terras pela igreja e facilitar a aplicação de impostos sobre essas terras. Mas não houve luta entre igreja e Estado na China medieval comparável à que aconteceu no Ocidente.
A igreja – fosse budista ou daoísta – era praticamente incapaz de ser independente do Estado. Seus sacerdócios e templos eram muito descentralizados, dependentes da modesta contribuição local, mas sem congregações organizadas de fieis nem administrações nacionais, além de serem passivos acerca de questões políticas.
Imitando o exemplo budista, a religião daísta, diferente dos filósofos ou alquimistas, atingiu as massas com um panteão imponente e várias seitas, mas não conseguiu criar uma organização global. Os monastérios e templos daístas continuavam sendo unidades isoladas atendendo às crenças populares. Pela sua própria natureza, o daísmo não poderia se tornar uma força organizada com poder sobre a política chinesa: expressava uma alternativa ao confucionismo no domínio da crença pessoal, porém deixava o domínio da ação aos confucionistas.
Por outro lado, os daístas contribuíram para a tecnologia chinesa por meio das práticas alquímicas há muito exercidas, tanto na busca pela imortalidade quanto pela herança mais imediata da fabricação do ouro. Em suas experiências fisiológicas e químicas, descobriram elixires e pesquisaram ervas, organizando a grande farmacopeia chinesa da qual o mundo até hoje tem usufruído. Os alquimistas fizeram contribuições à tecnologia da porcelana, tintas, ligas metálicas e até outras invenções chinesas como a bússola e a pólvora. Várias de suas conquistas, conforme Joseph Weedham, eram “protociência, e não pseudociência”.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 88, 89 e 90.