Embora a
escravidão seja uma instituição quase tão velha quanto a própria
humanidade, jamais o tráfico de escravos fora um negócio tão
organizado, permanente e vultoso quanto se tornou depois que os
portugueses estabeleceram, no início do século 16, uma vasta rota
triangular que uniu a Europa, a África e a América e transformou
milhões de negros em lucrativa moeda de troca. Manufaturas europeias
eram levadas para a Guiné e cambiadas por escravos em entrepostos
costeiros. Os mesmos navios partiam em seguida conduzindo em seu
porões aldeias inteiras para trabalhar até a morte nas plantações
do Brasil. Uma vez no Novo Mundo, esses escravos em geral não eram
vendidos trocados por açúcar – revendidos, a seguir, com grande
lucro na Europa. A fórmula cedo pôde incluir a Ásia, já que os
panos coloridos feitos em Goa, na Índia, passaram a ser mercadoria
oferecida nas feitorias da Guiné. Mas o pioneirismo luso foi logo
ameaçado pela concorrência dos holandeses, ingleses e espanhóis.
No século 17, se já não eram os maiores traficantes de escravos,
britânicos e holandeses eram os que mais lucravam com ele.
No
século seguinte, porém, brasileiros e lusos radicados no Brasil se
tornariam os maiores e mais eficientes traficantes da história.
Utilizando-se da cachaça e do tabaco de terceira – baratos e
abundantes no Brasil, e apreciadíssimos na África –, criaram um
circuito comercial espantosamente eficiente e rendoso. Embora
capturado cada vez mais no interior do continente africano, os
escravos iam ficando cada vez mais baratos, à medida que aumentava o
interesse pelo fumo e pela aguardente. Os postos de captura e troca
de escravos logo se espalhavam por quase toda a África negra,
incluindo Moçambique e outros portos do Índico. O mercado de carne
humana floresceu plenamente até 1815, quando, sentindo-se
prejudicada pelo tráfico, a Inglaterra decidiu proibi-lo.
A quem
se deve o pioneirismo do tráfico na Europa do início da Era
Moderna? Os historiadores ainda discutem o tema, embora muitos deles
atribuam ao longo período de denominação moura na península
ibérica o hábito de escravizar outros povos e raças, logo adotado
por lusos e castelhanos. Os primeiros escravos negros ter chegado a
Portugal em 1441, a bordo da nau com a qual antão Gonçalves
retornou da Guiné. De início, houve restrição real à
escravização de africanos – utilizados apenas em serviços
domésticos, e com moderação. Com o início da lavoura canavieira
nos Açores e em Cabo Verde, a escravidão, mais que tolerada, passou
a ser incentivada. E não apenas além-mar: “Os escravos pululam
por toda parte”, escreveu o cronista Nicolau Clenardo, em 1502.
“Tanto que, quero crer, são, em Lisboa, mais que os portugueses de
condição livre”.
A mais
antiga referência à importação de africanos para o Brasil é
encontrada num documento escrito em São Vicente, em 3 de março de
1533, no qual Pero de Góis pede ao rei “17 peças de escravos,
forros de todos os direitos e frete que saem pagar”. Em 1539,
Duarte Coelho, donatário de Pernambuco, repete o pedido, insistindo
também na isenção de impostos. Pelo alvará de 29 de março de
1559, o rei D. Sebastião decidiu, enfim, “fazer mercê àqueles
que tinham construído engenhos no Brasil”, permitindo-lhes
“mandar resgatar ao rio e resgates do Congo e trazer de lá para
cada um dos ditos engenhos até 120 pessoas de escravos resgatadas à
sua custa”.
Estava
iniciado o tráfico em grande escala. Em breve se encerraria o
chamado ciclo da Guiné, iniciando-se o de Angola. Em 1585, segundo
uma informação do padre José de Anchieta, hoje considerada um
exagero, já eram 120 mil os escravos africanos vivendo – e cedo
morrendo – em Pernambuco. De qualquer modo, era apenas o início.
Preocupados
com os índios, que morriam como moscas n~~ao apenas por sua absoluta
impossibilidade de adaptação ao regime do trabalho forçado como
também pelos surtos epidêmicos que grassavam nos aldeamentos, os
jesuítas foram os primeiros a incentivar o tráfico de africanos
para o Brasil. Melhor adaptados ao modo de produção agrícola e ao
trabalho organizado, os negros se revelaram, de início, uma opção
superior para os senhores de engenho. O negócio, porém, cedo se
mostrou muito melhor para os traficantes: trocados por fumo e
cachaça, os escravos eram baratos na África. Como o açúcar feito
no Nordeste era levado para a Europa nos mesmos navios que traziam
escravos da África, os negreiros forçavam os engenhos a adquirir
novos escravos sob pena de não comprarem sem açúcar. Assim, os
senhores de engenho logo se endividaram.
De
qualquer forma, um escravo se “pagava” em cinco anos. Melhor para
seus senhores: devido aos maus-tratos frequentes, à jornada de
trabalho nunca inferior a 18 horas diárias, às péssimas condições
de alojamento e às rações criminosamente exíguas, os escravos em
média, não sobreviviam mais do que sete anos no Brasil. Mas como um
“peça da África”, custava cerca de 50 mil réis, até mesmo
portugueses pobres podiam ter pelo menos uma. E de fato tinham: não
ter escravos no Brasil era considerado alto tão humilhante que,
dentre os raros adventícios que não conseguiam adquirir o seu,
muitos preferiam voltar para o reino.
O preço
baixo e a facilidade de substituir as “peças” explicam por que,
entre as duas opções que dividiam os senhores escravos – “deve-se
criá-los ou comprá-los?” -, os brasileiros sempre optaram pela
segunda. A mortalidade infantil também era assustadoramente alta
entre os escravos – isso quando eles conseguiam “reproduzir em
cativeiro”, já que o número mulheres trazidas da África foi
cinco vezes menor do que o dos homens.
A
máquina escravocrata que se estabeleceu primeiro nos engenhos (que
“gastavam” cerca de 200 escravos por ano, cada) e depois de minas
das Gerais, associada ao costume de substituir” escravo morto pelo
moribundo seguinte, transformou o Brasil na maior nação
escravagista do Novo Mundo – e a mais dependente de escravos. As
consequências econômicas, políticas, morais e sociais foram
enormes.
Na
África, lavradores e aldeões eram capturados aos milhares por
caçadores de homens, que, em geral, utilizavam os mesmos métodos
empregados pelos traficantes berberes. Os cativos eram então
conduzidos às feitorias à beira mar e, a seguir, embarcados para o
Novo Mundo. No século 17, encerrado o ciclo da Guiné, começa o
ciclo de Angola, durante o qual cerca de 600 mil escravos foram
trazidos para o Brasil. Eram bantos: congos (ou cabindas), benguelas
e ovambos e foram introduzidos em Pernambuco e no Rio de Janeiro, de
onde partiram para Minas Gerais e São Paulo. No alvorecer do século
18, inicia-se o clico da Costa da Mina (hoje Benin e Daomé), durante
o qual cerca de 1,3 milhão de escravos foram trazidos para o Brasil.
Nesse
período, os povos escravizados eram sudaneses: iorubás (ou nagôs),
geges (ou daomeanos), minas, hauçás, tapas e bornus. Nessa época,
os traficantes lusos, holandeses, espanhóis e ingleses já haviam
sido amplamente superados pelos brasileiros. O ciclo da Costa da Mina
perdurou até 1815, quando o tráfico de escravos no Atlântico
passou a ser duramente reprimido pela Inglaterra. De 1815 até 1951,
mesmo ilegal, o tráfico persistiu e, de acordo com alguns
estudiosos, em quantidades e condições ainda mais amedrontadoras
que antes.
Na
terceira e quarta fases do tráfico, era o Rio e não mais Salvador o
grande centro escravagista brasileiro. Os escravos eram desembarcados
no porto, pagavam impostos como qualquer mercadoria (cerca de 3
mil-réis, ou 5% de seu valor) e eram posto à venda nos mercados na
rua Valongo (hoje Camerino, no Centro da cidade). Lá permaneciam
“nus, cabelos raspados, parecendo objetos medonhos (…) marcados
com ferro quente no peito (…) cobertos de feridas e extensas e
corrosivas (…) com fisionomias estúpidas e pasmas”, esperando
comprador. Até mulheres “iam às compras”: “Vão enfeitadas”,
escreveu o inglês Robert Walsh, em 1828, “Sentam-se, manipulam e
examinam suas compras, e levam-nas embora com a mais perfeita
indiferença, como se estivessem comprando um cão ou uma mula”.
A
preferência recaía nos negros “minas”: os bantos eram
considerados mais fracos e suscetíveis a doenças. Poucos, porém,
completariam uma década trabalhando no Brasil.
Fonte:
História do Brasil (1996), páginas 74 e 75.