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domingo, 28 de junho de 2015

O Distrito Diamantino

Como se todo o fausto e os favores que o ouro trouxera a Corte não fossem o bastante, em 1727 chegava a Portugal a notícia de que, nas fraldas do Serro Frio, num lugarejo conhecido por Arraial do Tijuco (hoje Diamantina), surgira uma grande lavra com os mais reluzentes diamantes. D. João V exultou. Pelo reino todo se celebraram “festas esplêndidas, e te-déuns e procissões inumeráveis que extasiaram o povo português, por quadrarem à sua religiosidade. Para Roma remeteu o governo as primeiras amostras. Ações de graças solenes se deram ao Todo Poderoso na capital do mundo católico. O santo papa, os cardeais e todos os monarcas da Europa felicitaram D. João V. Não se ocuparam os povos da terra com outro objeto e notícia. Dir-se-ia que se descobrira coisa que devia regenerar e felicitar o universo”.
No Tijuco, porém, a alegria iria durar pouco. A política que Portugal instaurou no distrito diamantino seria das mais repressivas e opressoras da colonização europeia na América.
A notícia oficial da descoberta dos diamantes foi feita uns dez anos após os primeiros achados. O lusitano Bernardo da Fonseca Lobo, que achou uma “faisqueira” em 1723, é tido como o primeiro descobridor, mas desde 1714 havia notícias do surgimento de diamantes e topázios. Assim que a riqueza do veio ficou evidente, Lisboa anulou todas as cartas de datas concedidas na região e declarou a extração de diamantes o mais absoluto monopólio da Coroa, constituindo o Distrito Diamantino, com sede no Tijuco.
Por quase cem anos, a Coroa manteve a zona diamantina na mais absoluta clausura, proibindo a presença de “negros e pardos livres, de desocupados ou pedintes”. Vendas e tabernas foram fechadas, comerciantes expulsos. Um estado policial se instalou na região. A situação permaneceu igual mesmo depois de 1740, quando a Coroa decidiu “vender” o direito de exploração a um contratante. O sistema perdurou por 30 anos e revelou-se mais eficiente: extraíram-se, então 1.666.569 quilates das minas.
O Brasil jogou tantos diamantes no mercado europeu que o preço do quilate caiu 75%. Dos seis contratantes que detiveram o poder de explorar os diamantes, quatro caíram em desgraça depois que o Marquês do Pombal assumiu o comando da corte de Lisboa. Ao longo de sete décadas (de 1740 a 1810), o Brasil produziu cerca de três milhões de quilates. Mais de dez mil escravos trabalharam nas minas – muitos deles, bem como vários “vadios” capturados na região, foram torturados até a morte sob a acusação (às vezes irreal) de roubo de diamantes.
Apesar de clausura medieval imposta às minas, em 1809, o viajante inglês John Mawe – geólogo diletamente mas compete – obteve permissão para visitar o Arraial do Tijuca. Fez um relato detalhista e fluente. Junto com o clássico Memórias do Distrito Diamantino, escrito em 1868 por Joaquim Felício dos Santos, a Viagem ao Interior do Brasil, de Mawe, permanece como a fonte fundamental para o estudo do reluzente e trágico período dos diamantes.

Xica dos Diamantes

De todos os incríveis personagens forjados pela opulência diamantina, talvez nenhum tenha sido mais extraordinário do que a ex-escrava Xica da Silva, também conhecida como Xica que manda. Amante do desembargador João Fernandes de Oliveira, sexto contratador dos diamantes – homem “rico com um nababo, poderoso como um príncipe e soberano do Tijuco” -, Francisca da Silva era filha de um português com uma africana e fora escrava de José Silva Oliveira (pai do inconfidente José Oliveira Rolim). Assim que foi libertada e se tornou amante do desembargador, Xica da Silva virou a pessoa mais influente do Tijuco. O marido mandava na cidade, e ela mandava no marido.
Xica da Silva ia à missa coberta de diamantes, acompanhada por 12 mulatas esplendidamente trajadas. “O lugar mais distinto do templo era-lhe reservado”, diz Joaquim Felício dos Santos, segundo o qual Xica era “alta, corpulenta, de feições grosseiras e cabeça raspada; não possuía graças, não possuía beleza, não possuía espírito”. O historiador nasceu 12 anos depois da morte de Xica (ocorrida em 1796). Felício descreve também o “magnífico edifício em forma de castelo, com teatro particular, delicioso jardim de plantas exóticas, cascatas artificiais e um vasto tanque, com um navio em miniatura para 8 ou 10 pessoas” que João Fernandes – logo derrubado por Pombal – fez construir para a amada.

Fonte: História do Brasil (1996), página 72.