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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Novo governo argentino retoma nesta quarta negociações com "fundos abutres"


Brasília - Entrevista coletiva do presidente eleito da Argentina, Mauricio Macri, no Palácio do Planalto (Elza Fiúza/Agência Brasil)
O novo presidente da Argentina, Mauricio MacriElza Fiúza/Agência Brasil
O novo governo argentino retomará nesta quarta-feira (13) as negociações com os chamados “fundos abutres” – aqueles que compraram títulos da dívida pública a preços baixos, depois da moratória de 2001, e entraram na Justiça para cobrar o devido sem desconto. Apesar de representarem apenas 1% dos credores, eles conseguiram impedir o acesso do país ao mercado financeiro internacional.
“Não vai ser fácil, nem rápido encontrar uma solução, explicou à Agência Brasil o economista Gaston Rossi. “Mas o novo governo quer dar um sinal de que está disposto a negociar e recuperar a credibilidade. E com isso talvez consiga colocar novos papéis da dívida no mercado internacional”.
 No primeiro mês de governo, o presidente Mauricio Macri fez várias mudanças em relação às politicas adotadas nos últimos 12 anos por seus antecessores, Nestor e Cristina Kirchner.  Ele eliminou os controles cambias em vigor desde 2011, acabou com travas às importações (questionadas por empresários brasileiros e também pela Organização Mundial do Comercio, a OMC), reduziu os impostos às exportações de grãos e carne e chegou a um acordo com os parceiros do Mercosul (Brasil, Paraguai, Uruguai e Venezuela) para avançar nas negociações comerciais com a União Europeia (UE), paralisadas na gestão de sua antecessora, Cristina Kirchner. Ele também enfrentou uma inundação e fissurou uma costela brincando com a filha.
Eleito com 51,3% dos votos e sem maioria no Congresso, Macri aproveitou o recesso parlamentar para avançar com as reformas prometidas, com mais de 260 decretos. O governo está revendo contratações e contratos da gestão anterior – muitos deles feitos de última hora. Entre essas contratações,estão  2.035 no Congresso, feitas pelo vice de Cristina Kirchner, Amado Boudou, que está sendo processado por corrupção. Na Argentina, o vice-presidente é também presidente do Senado.
Mas o uso de um decreto para nomear dois juízes da Suprema Corte foi questionado tanto pela oposição, quanto pelos aliados de Macri na coligação partidária Cambiemos (Mudemos, em português). O presidente reconheceu o erro e voltou atrás, mas afastou Martin Sabatella -  o titular da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação Audiovisual (Afsca), a autarquia responsável pela implementação da Lei de Meios Audiovisuais.
Aprovada pelo Congresso em 2009, a legislação acaba com os monopólios no setor audiovisual. Mas na Argentina, a Lei de Meios virou símbolo da queda de braço entre Cristina Kirchner e o grupo Clarin (o maior de mídia do pais), que fez oposição a seu governo e foi objeto de várias campanhas governistas.
Macri alega que Sabatella e outros funcionários nomeados por sua antecessora são “militantes políticos” e quer substituí-los por “técnicos” isentos. Ele determinou a fusão da Afsca com a Autoridad Federal de Tecnologias da Informação e das Comunicações (Aftic), que controla as empresas telefônicas. Mas Sabatella diz que vai resistir no cargo até o fim de seu mandato, em 2017, e a briga continua na Justiça.
Em compensação, o atual governo conseguiu negociar a saída de Alejandro Vanoli (o presidente do Banco Central, nomeado por Cristina Kirchner em outubro de 2014 e com mandato até 2019).  Ele renunciou e Macri pôde nomear para o cargo um homem de sua confiança, o economista Federico Sturzenegger, que mal assumiu aumentou as taxas de juros acima da inflação prevista para 2016.
Segundo o ministro da Fazenda, Alfonso Prat-Gay, este ano a inflação argentina ficará entre 20% e 25%. “Macri recebeu uma herança econômica e financeira complicada: inflação anual superior a 30%, câmbio e tarifas dos serviços públicos defasados, déficit fiscal, estatísticas nacionais manipuladas e um Banco Central com escassas reservas”, explicou o economista Gaston Rossi. “O governo preferiu corrigir logo o câmbio, que era uma medida necessária, mas arriscada. E atacar outros problemas, que têm maior impacto político, mais adiante e de forma mais gradual”.
Desde 2011, a Argentina vinha implementando sucessivas medidas para limitar as operações cambiais e impedir a saída de divisas do país. Para comprar dólares, o cidadão argentino ou residente estrangeiro precisava pedir à Receita Federal que, quando autorizava, estabelecia limites. O uso de cartão de débito no exterior foi proibido e o cartão de crédito taxado. Surgiu o “dólar blue” ou paralelo, que chegou a valer quase o dobro do oficial.  Os controles cambiais afetavam também turistas e empresas.
Na campanha, Macri prometeu eliminar os controles cambiais – apesar de dispor de poucas reservas no Banco Central, para usar, caso fosse preciso intervir no mercado e conter uma disparada do dólar, que elevaria ainda mais a inflação. “Mas a aposta deu certo”, disse o economista Fausto Spotorno. O dólar oficial alcançou o paralelo, sem produzir um descontrole nos preços – que o governo pretende negociar, num pacto social, com provedores e consumidores.
Ao mesmo tempo em que tenta recuperar a confiança perdida, o novo governo tem que enfrentar problemas sérios, cuja solução depende de apoio politico. Entre eles, os subsídios aos serviços públicos, outorgados desde a crise de 2001 e mantidos até hoje, até para a população mais rica.

“Um de cada cinco pesos gastos pelo governo serve para subsidiar eletricidade, gás e serviços públicos. Esse dinheiro não faz parte dos programas sociais – são tarifas que jamais foram reajustadas”, explica Rossi. “Um apartamento de 100 metros quadrados em Buenos Aires, por exemplo, paga US$ 3 (R$ 12) de luz por mês. Isso é muito menos do que pagam argentinos em outras províncias ou nossos vizinhos da América do Sul”.
A distorção de preços, diz Rossi, acabou afetando os investimentos na área energética. A Argentina, que em 2006 tinha um saldo positivo de US$ 6 bilhões na sua balança comercial de energia, registrou déficit de US$ 5 bilhões no ano passado. Segundo Spotorno, o objetivo de Macri e “normalizar o país” para incentivar a produção nacional e atrair investimentos.

Entre as medidas para reestabelecer a confiança estão a implementação de taxas de juros de 33%, a revisão dos cálculos do Indec (instituto responsável pelas estatísticas nacionais, que sofreu intervenção em 2007), a redução do imposto sobre a exportação de soja de 35% para 30% e a substituição de uma medida protecionista (que dificultava a entrada de 19 mil produtos) por outra (que afeta a importação de apenas 1,400 produtos).
Apesar das demonstrações de que quer virar a página, Macri enfrentará um importante desafio nas negociações com os fundos abutres, cujas reivindicações foram apoiadas pelo juiz Thomas Griesa (de Nova York) e pela Suprema Corte dos Estados Unidos. A Justiça americana determina que, além de pagar a totalidade da dívida com os fundos especulativos (que processaram a Argentina e representam 1% dos credores), o país terá que pagar juros. "Com isso, a dívida que originalmente era de US$ 430 milhões hoje, chega aos US$ 2 bilhões", disse Rossi.
Mas o problema maior, segundo o economista,  é que os outros 6% dos credores que não processaram a Argentina, mas tampouco aderiram às propostas de reestruturação da dívida podem pedir os mesmos benefícios. "Não vejo uma solução a curto prazo - mas é possível que o governo consiga demonstrar boa vontade e, com isso, permissão para colocar papéis no mercado internacional, coisa que até hoje não pode fazer", concluiu. 
 Segundo o analista político Rosendo Fraga, outro importante desafio de Macri será constituir uma aliança partidária capaz de apoiar suas reformas no Congresso . Ele também precisara do apoio dos sindicatos e empresários, para conter preços, salários e a inflação.