Mostrando postagens com marcador Nassau. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Nassau. Mostrar todas as postagens

sábado, 6 de junho de 2015

Nassau, arquiteto da cultura, por Voltaire Schilling*

Andava o Príncipe Conde de Nassau tão ocupado em fabricar a sua cidade, que para afevorar os moradores a fazerem a casa, ele mesmo, com muita curiosidade lhe andava deitando medidas, e endireitando as ruas, para ficar a povoação mais vistosa, e lhe trouxe a entrar por meio dela, por um clique, ou levada, a água do Rio Capiberibe...”

Frei Manoel Calado Salvador – Valeroso Lucideno e Triunfo da Liberdade, 1648...

Pois não é que até os moradores do vilarejo de Recife, ocupado pelos holandeses desde 1630, deram para colaborar voluntariamente com o Conde de Nassau. Espantados e intrigados, nunca haviam visto um fidalgo tão envolvido com o lugarejo. Encontravam-no pelas vielas pelas vielas empunhando uma trena posto a medir a largura das ruas e a dimensão das casas e palácios que se pusera a constituir. Espontaneamente, vendo que aquele alemão não deseja apenas extorqui-los, começaram a trazer-lhe madeira, telhas, tijolos e pedras, a título de colaboração.
Apesar de ter seus costados amparados no Nassau-Siegen, uma família de aristocratas germânicos que tinham raízes fincadas no Sacro Império Romano-Germando, o Conde José Maurício atendia a todos com muita simplicidade.
Desembarcando no nordeste do Brasil com uma equipe de arquitetos e engenheiros, o conde foi fundo na construção da Mauristaad, a cidade de Maurício. Célebres por aplacar tiranias do Mar do Norte, os técnicos de José Maurício “arquitetos da cultura”, devem ter achado bem mais fácil domar o Rio Capiberibe e secar mangues e os pântanos circunvizinhos à minúscula Recife de então,.
A intenção dele era fazê-la estupenda, a capital do império holandês das Américas (composto então por uma cadeia de fortalezas que iam do Forte Schoonenbourg, no Ceará, até o Forte Maurits, na embocadura do São Francisco, ao sul de Alagoas, uns 1,5 mil quilômetros mais ao sul). Controlado diretamente o açúcar de uma lado do oceano e o tráfico negreiro do outro, o “ouro doce”ficava inteiramente nas mãos da WIC (West Indische Compagnie), a grande empresa holandesa daqueles tempos, a qual ele representava como general-governeur (de 1637 a 1644).
Enquanto na Europa monarcas católicos e protestantes se enfezavam na terrível Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), João Maurício criou em Pernambuco o único espaço em que se praticou a liberdade religiosa, autorizando o funcionamento das igrejas católicas e da sinagoga judaica (aberta em 1642, a primeira da América do Sul), num raro convívio harmônico com os templos calvinistas.
Ao embarcar para Nieuw Holland, a Nova Holanda (o nordeste do Brasil), em outubro de 1636, na frota não trouxe apenas soldados, por por igual uma plêiade de naturalistas e pintores. Enquanto Frans Poste Albert Eckhout imprimiam em telas memoráveis as paisagens e os “exóticos” habitantes da província açucareira, usando na composição delas o que havia de melhor e mais avançado dos equipamentos de observação da época (são os únicos testemunhos pictóricos do Brasil do século 17), dois outros homens de ciência, o médico Wilhelm Piso e o naturalista alemão Georg Marggraf, lançaram-se ao estudo da farmacopeia local, das doenças tropicais, da fauna e da flora de um modo geral.
A expedição científica de Nassau, que se encerrou com a volta dele para a Holanda em 1644, depois de ele desentender-se com a Companhia, foi a única que o Brasil até então conhecera. Outra igual importância somente deu-se nos tempos de dom João VI, 175 anos depois!
Residindo por fim em Haia, José Maurício, que no seu diário deixou páginas de embevecimento com os anos que passou no Brasil, tornou o palácio de Stadhouder, do governo holandês, no Mauritshuis, uma galeria de arte. Há pouco, no 17 de junho passado, três cidades celebraram 400 anos do nascimento dele, ocorrido em 1604: Dillenbourg, na Alemanha, sua cidade natal; Recife, no Brasil, que ele transformou; e Haia, na Holanda, onde ele administrou. Para muitos “o parêntesis luminoso” de Nassau foi um dos poucos governos sérios que o Brasil teve nos seus primeiros três séculos.

*Historiador


Fonte: Zero Hora, página 8 de agosto de 2008, página 13.