“Andava
o Príncipe Conde de Nassau tão ocupado em fabricar a sua cidade,
que para afevorar os moradores a fazerem a casa, ele mesmo, com
muita curiosidade lhe andava deitando medidas, e endireitando as
ruas, para ficar a povoação mais vistosa, e lhe trouxe a entrar por
meio dela, por um clique, ou levada, a água do Rio Capiberibe...”
Frei
Manoel Calado Salvador – Valeroso Lucideno e Triunfo da
Liberdade, 1648...
Pois não
é que até os moradores do vilarejo de Recife, ocupado pelos
holandeses desde 1630, deram para colaborar voluntariamente com o
Conde de Nassau. Espantados e intrigados, nunca haviam visto um
fidalgo tão envolvido com o lugarejo. Encontravam-no pelas vielas
pelas vielas empunhando uma trena posto a medir a largura das ruas e
a dimensão das casas e palácios que se pusera a constituir.
Espontaneamente, vendo que aquele alemão não deseja apenas
extorqui-los, começaram a trazer-lhe madeira, telhas, tijolos e
pedras, a título de colaboração.
Apesar
de ter seus costados amparados no Nassau-Siegen, uma família de
aristocratas germânicos que tinham raízes fincadas no Sacro Império
Romano-Germando, o Conde José Maurício atendia a todos com muita
simplicidade.
Desembarcando
no nordeste do Brasil com uma equipe de arquitetos e engenheiros, o
conde foi fundo na construção da Mauristaad, a cidade de Maurício.
Célebres por aplacar tiranias do Mar do Norte, os técnicos de José
Maurício “arquitetos da cultura”, devem ter achado bem mais
fácil domar o Rio Capiberibe e secar mangues e os pântanos
circunvizinhos à minúscula Recife de então,.
A
intenção dele era fazê-la estupenda, a capital do império
holandês das Américas (composto então por uma cadeia de fortalezas
que iam do Forte Schoonenbourg, no Ceará, até o Forte Maurits, na
embocadura do São Francisco, ao sul de Alagoas, uns 1,5 mil
quilômetros mais ao sul). Controlado diretamente o açúcar de uma
lado do oceano e o tráfico negreiro do outro, o “ouro doce”ficava
inteiramente nas mãos da WIC (West Indische Compagnie), a grande
empresa holandesa daqueles tempos, a qual ele representava como
general-governeur (de 1637 a
1644).
Enquanto na Europa monarcas católicos e protestantes se enfezavam
na terrível Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), João Maurício
criou em Pernambuco o único espaço em que se praticou a liberdade
religiosa, autorizando o funcionamento das igrejas católicas e da
sinagoga judaica (aberta em 1642, a primeira da América do Sul), num
raro convívio harmônico com os templos calvinistas.
Ao embarcar para Nieuw Holland, a Nova Holanda (o nordeste do
Brasil), em outubro de 1636, na frota não trouxe apenas soldados,
por por igual uma plêiade de naturalistas e pintores. Enquanto Frans
Poste Albert Eckhout imprimiam em telas memoráveis as paisagens e os
“exóticos” habitantes da província açucareira, usando na
composição delas o que havia de melhor e mais avançado dos
equipamentos de observação da época (são os únicos testemunhos
pictóricos do Brasil do século 17), dois outros homens de ciência,
o médico Wilhelm Piso e o naturalista alemão Georg Marggraf,
lançaram-se ao estudo da farmacopeia local, das doenças tropicais,
da fauna e da flora de um modo geral.
A expedição científica de Nassau, que se encerrou com a volta
dele para a Holanda em 1644, depois de ele desentender-se com a
Companhia, foi a única que o Brasil até então conhecera. Outra
igual importância somente deu-se nos tempos de dom João VI, 175
anos depois!
Residindo por fim em Haia, José Maurício, que no seu diário
deixou páginas de embevecimento com os anos que passou no Brasil,
tornou o palácio de Stadhouder, do governo holandês, no
Mauritshuis, uma galeria de arte. Há pouco, no 17 de junho passado,
três cidades celebraram 400 anos do nascimento dele, ocorrido em
1604: Dillenbourg, na Alemanha, sua cidade natal; Recife, no Brasil,
que ele transformou; e Haia, na Holanda, onde ele administrou. Para
muitos “o parêntesis luminoso” de Nassau foi um dos poucos
governos sérios que o Brasil teve nos seus primeiros três séculos.
*Historiador
Fonte: Zero Hora,
página 8 de agosto de 2008, página 13.