A má fama dele estava
feita. Quatro meses depois da sua estreia espetacular foi transladada
para a Place du Carroussel, onde decepou uma penca de
seguidores da monarquia caída em desgraça. Para o supliciamento de
Luís XVI foi removida para um lugar maior, a Place de la Concorde,
onde o rei sucumbiu em 21 de janeiro de 1793. Nos tempos de paroxismo
do terror, chegou a alimentar-se de 30 cabeças por dia. A maioria
delas enviadas ao cadafalso pelo inquisidor e acusador mor da
revolução, o juiz Fouquier-Tinville, presidente do Tribunal
Revolucionário. Nos dez meses que durou a histeria de uma república
que se sentia sitiada, abateram-se, segundo um minucioso pesquisador,
16.594 pessoas, aos quais deve-se acrescentar uma das 30 ou 40 mil
vítimas por toda a França.
Criadores como
vítimas
Nem todos eram nobres.
Em sua grande parte eram o que Robespierre denominava de “satélites
da tirania”, gente comum que prestava serviços e dava sua simpatia
à causa dos aristocratas. Foi um dos maiores festivais de sangue que
a França conheceu.
Não demorou muito
para que aqueles que dela fizeram largo uso, condenando seus
adversários políticos a serem decepados, também fossem por ela
vitimados. Primeiro doi Georges Danton e, no Termidor, Robespierre,
Saint-Just e todo o estado maior dos jacobinos.
Auto de fé
revolucionário
Os guilhotinamentos
eram verdadeiros espetáculos populares. A multidão, desprovida de
cricos, de estádios, de qualquer outro lazer, transformou a
frequência à praça do cadafalso num programa patriota e familiar.
De certa forma o
cenário inteiro, a prisão dos suspeitos, a denúncia sem provas, as
vítimas expostas à execração pública, seguida da profanação
dos corpos lembravam muito aos autos de fé dos tempos da Inquisição
católica.
As crianças eram
erguidas sobre os ombros para que vissem o estertor dos inimigos da
revolução. Bem perto da máquina ficavam as tricoteuses, as
tricoteiras, mulheres envoltas em linhas e agulhas que, próximo das
vítimas, as injuriavam.
Exultavam com o olhar
de desespero dos adversários quando contemplavam aquela porta sem
batente, aquele magnífica exatidão das paralelas, a impecável
geometria, armada por um triângulo negro, carrancuda, gotejando
sangue em seu gume, exigindo justiça social.
Projeção
Depois daqueles dias
de abril, faz pouco mais de dois séculos, nunca mais a aristocracia
se recuperou. O fantasma daquela máquina mortífera não cessou mais
de atormentá-la. Nenhum outro instrumento executor de uma sentença
de morte foi mais conhecido nos tempos contemporâneos do que a
guilhotina. De certa forma o largo emprego que os revolucionários
deram a ela depois de 1792 ajudou a infamar a causa de 1789,
ampliando a legenda negra que envolveu a Revolução Francesa. Para
muita gente, a palavra revolução passou a ser sinônimo de
guilhotina. Este triste aspecto fez por ensombrecer as conquistas
notáveis da Revolução de 1789, além, claro, de lançar no
opróbrio o nome do doutor Guillotin.
História por Voltaire
Schilling