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sábado, 6 de junho de 2015

Mudança social: a transição Tang-Song

Dos vários movimentos de mudança durante o final da dinastia Tang, o de maior duração foi o de declínio das famílias aristocráticas que tinham dominado o governo. A dinastia Han Posterior viu uma distinção social marcada, embora não oficial, entre as famílias da elite (shi) e o povo comum (shu), além das pessoas humildes (jianmin). Em seu sentido original, o termo shi designava “servidores”, referindo-se à elite erudita que servia o Estado. Dos Han até o final dos Tang, o status “aristocrático” dos grandes clãs coincidiu com a posse de altos cargos no governo pelos membros desses clãs. As famílias da elite eram listadas nos registros sociais oficiais. O casamento entre elas e gente do povo era visto com maus olhos. Durante o período de desunião pós-Han, a elite era fonte de cerca de três quartos oficiais do governo. Durante o início da dinastia Tang, a proporção era de mais da metade e, mais tarde, de três quintos. Embora os clãs aristocráticos do Noroeste tivessem uma origem principalmente não-chinesa, eram uma grande fonte de funcionários para o governo central. Como diz Divid Johnson (1977), “Diferente da Inglaterra ou da França, onde um homem podia chegar a uma posição social de vulto por meio de uma carreira no direito, na medicina, no comércio, na igreja ou no exército, na China só havia uma hierarquia profissional significativa: a do serviço civil”.
A ausência de primogenitura na China significava que uma divisão equânime da propriedade entre homens era a prática mais comum em caso de morte do chefe da família. O código legislativo imperial exigia herança divisível e, assim, impediu o surgimento de uma nobreza latifundiária como ocorreu na Europa. Se um membro da família se tornasse um funcionário do governo por duas ou três gerações, a família mais cedo ou mais tarde entraria em declínio. Cada geração era potencialmente insegura e tinha de provar seu valor na vida oficial. O status decairia. No entanto, foi criada uma medida protetora em que os Tang mantinham vários grupos de status fora da burocracia categorizada a partir dos quais eles poderiam retornar ao serviço social.
As nomeações para cargos eram feitas por intermédio de recomendações, primeiro pelo prefeito, de quem se esperava a categorização de todos os membros da elite dentro de sua jurisdição conforme uma escala que acabaria por consistir em nove categorias, cada uma dividida em superior e inferior. As avaliações oficiais de cada candidato em sondagem para a nomeação eram acumuladas em dossiês. Com esse sistema, a elite perpetuava-se. Embora o sistema de exames tenha começado na época Sui-Tang, o processo de seleção de funcionários não prevalecia. O recrutamento era mais um processo social que legal, já que no campo social os contatos pessoais (guanxi) constituíam a matriz pela qual os candidatos a cargos progrediam e o status familiar era mantido. Por exemplo, os Wei do Norte criaram sua própria lista de grandes clãs e tornaram-na equivalente à lista chinesa, de forma que famílias de ascendência nômade podiam ingressar na vida chinesa em postos elevados. Foram elaboradas listas oficiais das genealogias dos grandes clãs entre 385 e 713 d.C., obviamente com base nas listas de recomendação enviadas pelos prefeitos. Essas genealogias estabelecidas eram as bases para os casamentos arranjados.
Os fundadores da dinastia Tang sentiram que esse sistema obstruía a probabilidade de talentos e sublevaram-se contra ele. Assim, as novas famílias sino bárbaras do Noroeste, que estavam tomando o poder nessa época, fizeram com que as grandes famílias chinesas a nordeste da planície do Norte da China sofressem um baque. Os fundadores da dinastia Tang também denunciaram os enormes presentes exigidos pelas famílias antigas quando suas famílias casavam. Em 659, houve um censo da genealogia nacional de duzentos capítulos, contendo 2.287 famílias de 235 clãs. Um dos objetivos da revisão era, evidentemente, conter as famílias do Noroeste.
No século VIII, aparentemente a manutenção de cargos tornara-se o principal critério de status familiar, e o pedigree dos grandes clãs perdeu importância. Agora tudo dependia da categorização oficial da pessoa listada, e não de suas origens familiares. Legalmente, os funcionários não eram mais considerados uma elite especial. Embora seus filhos recebessem uma categorização menor no código legal Tang, não havia mais um status de classe elevada assinalado no código que desse direitos especiais à nomeação para cargos. A instituição imperial tinha prevalecido sobre os interesses sociais dos grandes clãs.
Segundo Denis Twitchett (in CHOC 3) sugere, foi assim que os Tang iniciaram a transição do governo de famílias aristocráticas, em que a casa imperial era apenas primus inter pares, para o governo da China por uma burocracia treinada selecionada pelo mérito – em parte pelos exames. A decadência das famílias aristocráticas tornou o o poder central mais capacitado a dominar as regiões locais. O imperador se tornaria um governante sacrossanto isolado em seu palácio, distante dos companheiros de batalha e dependente dos conselheiros que ascendiam com a nova burocracia.
A perda do domínio do governo pelos clãs aristocráticos no final do período Tag foi acompanhada por outra grande mudança – o governo encerrou seu intenso domínio sobre a vida econômica chinesa. O colapso do sistema de campo igualitário de distribuição de terras rurais e dos mercados oficiais e preços fixos nas cidades mostrou que a economia estava crescendo além do controle estatal. As propriedades começaram a se acumular nas mãos dos magnatas locais. Procurando ancorar o poder estatal, o sistema de impostos foi racionalizado com o estabelecimento de cotas anuais a serem cobradas sobre a terra, e não sobre a pessoa, no verão e no outono. Ficar conhecido, a partir de 780, como o sistema de dois impostos, ou seja, a combinação de impostos territoriais com impostos prediais. As cotas de impostos eram estabelecidas previamente e forneciam alguma segurança ao governo central, embora o novo sistema tenha confirmado a incapacidade de o governo continuar controlando o enriquecimento individual e o livre comércio no país.
Após a rebelião de 755-763, a superintendência de comércio do governo também começou a decair. A política Tang tinha sido de conservar a regulamentação do comércio, para que os mercados oficialmente supervisionados com preços estáveis auxiliassem a produção camponesa e não permitissem a ignóbil propensão humana a perseguir o lucro. A venda tributária do comércio só era considerada importante quando ocorria uma crise fiscal, embora isso sempre acontecesse em épocas de necessidade militar ou decadência dinástica. A rede de comunidades comerciais da China (conforme descrita na Introdução) logo emergiria sob os Song e seria prolífica para o Estado controlar.
Finalmente, devido à rebelião de An Lushan, a China havia se militarizado, mesmo que os postos Tang na Ásia Central tenham sido tomados e a maior parte do Noroeste estivesse ocupada por um povo tibetano, os Tangut. Dentro da China, as novas províncias totalizavam, num primeiro momento, trinta unidades, a maioria sob governantes militares cujas guarnições lhe concediam poder sobre o governo local. Em contraste, o governo central quase não tinha exércitos próprios e foi várias vezes ameaçado de ser tomado pelos invasores Tangut. Após 763, o poder do imperador baseava-se precariamente em quatro regiões – a província metropolitana, a zona fronteiriça a noroeste, o baixo Yangzi e a zona ao longo do Grande Canal, que era o cordão umbilical da capital. Várias províncias do Norte da China mantinham-se fora do controle central e, assim, desfalcavam o sistema de impostos de renda de cerca de um quarto da população do império, deixando que as regiões do baixo Yangzi e do vale Huai fosse a principal fonte de renda da dinastia.
Após a rebelião, alguns poucos imperadores Tang conseguiram reorganizar-se e centralizou o poder, mas a época áurea dos Tang já passara. Nessa época, a Corte Interna estava abalada pela confiança do imperador no poder dos eunucos, enquanto a Corte Externa era destruída por um partidarismo extremo.
Em geral, a introdução do serviço civil Tang contribuiu para uma renovação do confuncionismo, outro aspecto da transição Tang-Song, sobre a qual a pesquisa mais recente é a de David McMullen (1988). Os Tang promoveram um desenvolvimento contínuo da cultura clássica por meio do sistema escolar, dos exames, do culto a Confúcio e do rtual estatal, bem como pela historiografia e a literatura secular. Esse crescimento da elite budista durante os Tang preparou o terreno para o florescimento intelectual dos Song do Norte.
Em 845, o imperador Tang decretou uma repressão ampla e sistemática aos monastérios budistas, como seus enormes latifúndios isentos de impostos e resplandescentes templos urbanos abrigando centenas de ocupantes. Duzentos e cinquenta mil sacerdotes e freiras foram obrigados a retornar à vida laica. Daí em diante, o governo controlou o crescimento budista por meio da emissão de todos os certificados de ordenação para monges. O esplendor dos Tang e o budismo chinês foram decaindo juntos.
As relações de poder no Norte da China nessa época sugerem que o verdadeiro interregno do poder central durou desde a rebelião de 755 até 979. Os governantes militares sobreviventes da dinastia Tang e seus sucessores estabeleceram regimes centralizados, conduzidos pessoalmente, que se tornaram o modelo de governo durante o interregno e no início da dinastia dos Song do Norte.
Em seu século final, os Tang foram uma lição concreta de anarquia. Os funcionários, tantos civis como militares, tornaram-se tão cinicamente corruptos e os camponeses aldeões foram oprimidos de modo tão grosseiro que o abominável virou lugar-comum. A lealdade desapareceu. A bandidagem assumiu o comando. Gangues glutinaram-se em hordas armadas, saqueando tudo o que viram pela frente, de província em província. Os imperadores, seus eunucos e funcionários perderam o controle e eram execrados. Por seis anos (878-884) o importante bandido Huang Chao liderou sua horda por todos os lugares da China, de Shandong a Fuzhou e Guangzhon, depois houyang e Chang'an, que foi destruída. Em 907, o fim oficial da dinastia Tang, os turcos e outros povos não-chineses ocuparam boa parte do Norte da China, e o poderio militar floresceu em outro lugar.
Desses escombros emergiram estados regionais conhecidos no Norte da China como as Cinco Dinastias e, no Centro e Sul, como os Dez Reinos. O problema do poderio militar generalizado só seria resolvido pela dominação de um exército imperial na nova capital, com a chegada da dinastia Song, em 960.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 91 à 94.