- A epopeia das navegações
Formação de Portugal
A
origem do Reino de Portugal está diretamente ligada às lutas de
reconquista da Península Ibérica ao domínio muçulmano implantado
em 711. Tais lutas ocorreram dentro das características do
feudalismo, o sistema socioeconômico então preponderante na Europa:
um nobre francês, D. Henrique de Borgonha, recebeu um feudo de um
rei de Castela como recompensa pelo auxílio prestado nas campanhas
militares. Anos mais tarde, o filho desse nobre, D. Afonso Henriques,
obteve o reconhecimento da transformação desse feudo num reino –
O Reino de Portugal.
O período borgonhês da história
lusa (1140-1385) foi aquele em que se consolidou a preponderância da
aristocracia territorial, a despeito da lenta formação de um grupo
mercantil no país. Paralelamente à nobreza, também se fortaleceu o
clero católico, visto que a luta contra os mouros ajudou a estimular
muito o fanatismo religioso; de resto, a tendência proselitista do
catolicismo ibérico viria a ser um lado importante nas navegações
não se podendo esquecer que Cabral viajou sob a bandeira da Ordem de
Cristo.
A manutenção das estruturas
aristocráticos-feudais, durante por impedir que tal expansão
afetasse decididamente a vida portuguesa no sentido de uma transição
para um sistema capitalista. Com efeito, a Coroa, que ficou com ma
maior parte dos lucros provenientes das navegações para o Oriente,
gastou-os empreendimentos suntuários antieconômicos ou com eles
beneficiou de várias formas a nobreza. Posteriormente, quando a
empresa navegatória ultrapassou a fase da rapinagem e do ganho fácil
e imediato, verificou-se que o país não contava com uma sólida
estrutura capitalista mercantil que lhe permitisse enfrentar
vantajosamente os novos concorrentes que tinham aparecido: os
holandeses, os franceses e os ingleses. Finalmente, como agravante
desse quadro descrito, ainda há que assinalar a expulsão dos judeus
de Portugal, ocorrida no reinado de D. Manuel I. Esta decisão foi um
erro, isto que eles eram os maiores depositários do capital
proveniente da usura.
Talvez se possa, de resto, comparar o
erro da expulsão dos judeus de Portugal ao da revogação do Édito
de Nantes na França de Luís XIV (1865).
Não tendo sabido patrocinar uma
efetiva transição para novas formas sociais e econômicas, a
Monarquia portuguesa logo se viu comprometida pelo obsoletismo das
estruturas que foram mantidas e sustentadas.
O significado da empresa
navegatória
Sendo
um país voltado para o mar por razões geográficas – a posição
litorânea – Portugal também o foi por motivos econômicos.
Primeiro, porque o mar se mostrou a única alternativa à expansão
nacional, uma vez que do outro lado havia a Espanhola. Segundo,
porque a pesca e o sal já constituíam riquezas básicas dos
lusitanos desde a Idade Média.
Possibilitada
por notáveis descobertas técnicas (bússola, astrolábio, caravela)
e pela aliança entre a Dinastia de Avis e o grupo mercantil, a
empresa navegatória lusa teve o Seu momento áureo no século XV.
Segundo observação da Professora Helga Piccolo, o centro de
pesquisas náuticas de Sagres, nome associado às navegações, nunca
foi uma Escola “strictu senso”. Esse foi um muito que se formou a
partir de uma hipótese levantada pelo estudioso inglês Samuel
Purchas, nos inícios do século XVII. A rigor, portanto, a palavra
“escola” só tem validade se tomada na acepção de um estado de
espírito – aquele estado de espírito mercantil e aventureiro que
norteou as navegações.
A decadência do domínio muçulmano
e as Cruzadas reabriram o Mediterrâneo ao comércio entre Ocidente e
Oriente Próximo, no correr da Baixa Idade Média. E esse comércio,
feito especialmente por Veneza, era interessante à Europa, visto que
as caravanas traziam do Oriente – o Eldorado dos mercadores –
especiarias e artigos finos e exóticos que contavam com um mercado
em expansão no Velho Mundo.
O desejo de acabar com o monopólio
italiano na obtenção de tais artigos foi determinante na empresa
navegatória. Portugal procurou um caminho marítimo pelo sul da
África para chegar até a Índia e adquirir diretamente as
especiarias. Eliminar os intermediários era, aliás, um meio de
baratear os artigos desejados, ampliando, destarte, a faixa de
consumo.
Segundo uma concepção
tradicionalmente aceita, a queda de Constantinopla na mão dos turcos
(1453) suprimiu um entreposto natural das especiarias e deu origem às
navegações, que tinham por objetivo encontrar um outro caminho até
o Oriente. Entretanto, pelo exposto acima, ao se enfatizar a questão
da concorrência lusa em face ao monopólio italiano, as navegações
portuguesas adquirem caráter autônomo e o declínio comercial d
Constantinopla e do Mediterrâneo não aparece mais como causa e sim
como consequência do êxito obtido pelas navegações.
As navegações portuguesas começaram
com a ocupação de Ceuta (norte da África, 1415) e das ilhas do
litoral africano (Madeira, Açores, Cabo Verde), tendo expandido no
final do século XV, com a descoberta do Cabo da Boa Esperança
(1488, Bartolomeu Dias) e do Caminho das Índias (1498, Vasco da
Gama). Ao mesmo tempo que Portugal procurava atingir as Índicas via
Oriente e sul da África, a Espanha, vizinha dos portugueses,
incentivada pela expansão dos mouros, aceitava o projeto temerário
do genovês Colombo de chegar às Índias por um caminho oposto, pelo
Atlântico, em direção ao Ocidente. Como é sabido, o projeto de
Colombo redundou na descoberta da América em 1492. Esse fato trouxe
como consequência a necessidade de portugueses e espanhóis
demarcarem as respectivas áreas de influência no Ultramar. O Papa
Alexandre VI fez uma tentativa inicial (1493), mas a divisão
definitiva só veio em 1494, quando o Tratado de Tordesilhas fixou um
meridiano a 370 léguas das ilhas de Cabo Verde e estabeleceu que as
terras a serem descobertas a leste do meridiano referido seriam
portuguesas e as oeste seriam espanholas. A despeito de questões
importantes que dificultaram o comum acordo na demarcação efetiva –
questões como a da diferença na contagem da légua entre Portugal e
Espanha e a fixação da ilha de Cabo Verde que seria a referência
inicial – pode-se dizer que o citado Tratado de Tordesilhas acabou
determinando que o Brasil – ou, pelo menos boa parte dele, na
extensão atual – viesse a ser português bem antes da descoberta
oficial.
Problemas da descoberta do Brasil
A
descoberta oficial do Brasil acabou ocorrendo em 1500, quando uma
expedição destinada às Índias – a segunda – apontou no
litoral baiano antes de seguir viagem até o Oriente. Houve uma
“descoberta” nesse episódio? Não, enquanto revelação de algo
desconhecido, visto que – e o próprio Tratado de Tordesilhas o
comprova – já existia uma razoável certeza quanto à existência
de terras a ocidente. Entretanto, por outro lado, enquanto tomada de
posse, pode-se dizer que houve “descoberta” do Brasil, visto que
os portugueses oficializaram o ato, o que ninguém fizera antes.
Uma questão acadêmica, mas
interessante, acerca da “descoberta” do Brasil é a seguinte: ela
resultou de um acidente, de um acaso da sorte? Não, ao que tudo
indica. Os defensores da casualidade são hoje uma corrente
minoritária. A célebre carta de Caminha não refere a ocorrência
de calmarias. Além disso, é difícil aceitar uma frota com 13
caravelas, bússola e marinheiros experimentados se perdesse em pleno
Oceano Atlântico e viesse bater nas costas da Bahia por acidente.
E o que dizer do nome “Brasil”?
Atribui-se a origem à famosa madeira pau-brasil aqui encontrada.
Todavia, sabe-se de mapas dos séculos XIV e XV que se referem à
existência, a ocidente, de uma ilha chamada Brasil, termo que,
ligado a uma lenda céltico-irlandesa, significa, nesta língua,
“terra prometida”.
Rejeitado o acaso como fonte de
explicação no que tange aos objetivos da “descoberta” fica de
pé a seguinte pergunta: qual foi, portanto, a finalidade, a intenção
da expedição de Cabral? A melhor resposta parece ser aquela que
evoca a posição estratégica do Brasil, na época, como
indispensável para controle da rota atlântica que levava às
ambicionadas Índias. Enfim, o Brasil não o foi com vistas a ser
colonizado. Foi “descoberto” em função de interesses externos à
nova terra. Como diz Caio Prado Júnior, a colonização veio como
consequência do descobrimento, não tendo sido esta a sua
finalidade.
- A fase pré-colonizadora
A questão do colonialismo
O
Brasil ficou, por três séculos, na condição de colônia
portuguesa, embora nunca tivesse levado oficialmente esse nome.
Posteriormente, manteve, em muitos aspectos, tal situação, embora
tivesse oficialmente conquistado a independência e se torturado um
Estado nacional. Conclui-se daí que o colonialismo é uma situação
de dependência que transcende o nível político- administrativo,
podendo ou não incorporá-lo.
O colonialismo envolve um
relacionamento bilateral que beneficia inteiramente um lado
(metrópole) em detrimento do outro (colônia). A metrópole é o
componente ativo dinâmico: impõe e determina, é o fulcro da
decisão. A colônia é o componente passivo, submisso. Aceita e
imita os valores da metrópole, é a área periférica no contexto do
sistema. No colonialismo, se estabelece um binômio que interage
reciprocamente: dominação (metrópole) e dependência (colônia). E
todos os elementos os elementos correlatos só tem um objetivo, o de
assegurar a continuidade desse binômio montado em cima de uma base
econômica.
O colonialismo tem um dos seus
principais pontos de apoio naqueles segmentos que, no interior da
sociedade colonizada, ele consegue cooptar, isto é, aliciar. Tal
cooptação é possível na medida em que o colonialismo faz tais
segmentos participarem diretamente dos benefícios do sistema ou,
pelo menos, cria ilusões de que realmente o faz. A dominação
ideológica e cultural, por outro lado, favorece a que a maioria se
mantenha amorfa e passiva em relação a qualquer Alternativa d
contestação ao sistema vigente, o que é um outra forma de
cooptação, a cooptação pela alienação.
De resto, a cooptação pela
alienação, que pode ser exemplificada, no Brasil atual, através
das camadas mais pobres da população urbana que consome programas
de televisão, é uma modalidade de cooptação que inclusive auxilia
os verdadeiros ativistas do colonialismo que participam dos
benefícios do sistema, como foi referido acima, ao mesmo tempo em
que dificulta o avanço coletivo rumo ao processo emancipatório.
Com tudo isso, não é difícil de
concluir que, se o mecanismo de exploração colonialista é simples,
os meios de que ele se vale para se manter são variados e a ruptura
acaba sendo invariavelmente um processo complexo.
A fase pré-colonial
Durante
os primeiros trinta anos da dominação portuguesa, o Brasil não foi
tecnicamente falando, uma colônia, visto que não estavam presentes
diversos elementos que, segundo foi visto, fazem parte da estrutura
colonialista. É fato que existia uma riqueza da qual os portugueses
se apropriavam. Mas inexistia um sistema montado em função dessa
apropriação, um sistema político, social e cultural A apropriação
da referida riqueza – o pau-brasil – dava-se dentro de moldes
muito primitivos e a sociedade indígena que aqui existia não era
afetada pelo relacionamento econômico imposto pelas necessidades de
enriquecimento de Portugal. Em resumo, este dado nos mostra que se a
simples dominação política não configura a situação colonial,
da mesma forma não configura a apropriação pura e simples das
riquezas de uma terra pela população de outra. No caso, Portugal se
apropriava do pau-brasil encontrado nas matas do litoral, mas não
havia todo um sistema social e ideológico montado em cima desse
fato. Considerando o binômio dominação – dependência que
caracteriza o colonialismo, no Brasil daqueles anos não se pode
falar em dominação, pois não havia propriamente o que dominar, e
muito menos em dependência, uma vez que a sociedade local existente,
a indígena, era autossuficiente no trato com a terra e certamente
não necessitava do português para nada, apesar de apreciar as
bugigangas que ele lhe trazia.
A orientação mercantilista da época
ensinava que só tinha sentido manter uma colônia se ela produzisse
especiarias ou riqueza metálica. E o Brasil não produzia nem uma
coisa nem outra. Por esse motivo, constituiu um desafio para Portugal
conservar a posse de uma terra que não fora possível, de imediato,
integrar na grande corrente do capitalismo comercial do tempo. A
verdade é que o governo luso fazia questão de manter seus mal
delimitados domínios sul-americanos por causa do motivo estratégico
de que já se falou: garantir o controle da rota atlântica que
levava às Índias. O pau-brasil encontrado naqueles anos iniciais,
foi considerado monopólio da Coroa, mas o direito de explorá-lo foi
cedido a particulares mediante certas obrigações. Quem primeiro
obteve um contrato desse tipo foi Fernando de Noronha, que se
comprometeu a enviar anualmente 6 navios ao Brasil, explorar 300
léguas de costa, constituir um misto de entreposto e fortaleza
chamado Feitoria e pagar o quinto do pau-brasil ao governo. Durante
algum tempo ele se interessou pela empresa, mas depois desistiu, o
que comprova que o Brasil pré-colonial não era negócio muito
atraente.
A inexistência de uma fixação
regular do português aqui estimulou os corsários franceses, os
quais tinham o apoio do rei Francisco I (1515/1547), que não
reconhecia o direito de Espanha e Portugal dividirem só ente eles o
Novo Mundo (Tratado de Tordesilhas, 1494). Pois, segundo dizia, “não
constava nenhuma cláusula dessas no testamento de Adão”.
Tal como os portugueses, os franceses
mantiveram bom relacionamento com os indígenas, os quais extraíam o
pau-brasil na floresta para forasteiros em troca de bugigangas e
quinquilharias (escambo: troca de uma mercadoria por outra). É
interessante observar que esse tipo de relacionamento de trabalho,
que deixava o índio livre, com seu próprio ritmo de vida, de
caráter bastante assistemático e feito de acasos e circunstâncias,
acabou determinando que ele se habituasse à remuneração, qualquer
que fosse ela, pelo serviço realizado. Esse farto, entre outros,
ajuda a entender sua posterior resistência à escravidão.
Por volta de 1530, Portugal passou a
se interessar mais pelo Brasil: o comércio da Índia já estava
começando a dar prejuízo uma vez terminada a era da pilhagem. Além
disto, o Brasil estava sendo sistematicamente “visitado” pelos
franceses. Assim, para assegurar a efetiva posse da nova terra – de
onde poderiam provir, quem sabe, futuras riquezas – Portugal viu-se
obrigado a criar nela núcleos fixos de povoamento, isto é, colocou
em prática a colonização regular. Outro não foi o objetivo da
conhecida expedição de Martim Afonso de Souza, que em 1532, tendo
percorrido o litoral brasileiro e averiguado as condições para um
povoamento estável, fundou, em São Paulo, as primeiras Vilas do
Brasil: São Vicente, Santo André da Borda do Campo e Santo Amaro.
Começava na História do Brasil, a era dos latifundiários e dos
administradores. Ao contrário da América Espanhola, que teve uma
fase preliminar de conquista e rapina para depois de entrar na fase
dos administradores, o Brasil não passou por esse estágio, pois não
mostrara possuir riquezas capazes de forjar um Cortez ou um Pizarro.
A rapinagem e o aventureirismo lusitanos foram exercidos, naquela
época, no outro extremo do mundo, a Índia. O contato mais profundo
do Brasil com a civilização ocidental começa diretamente sob o
signo do colonialismo mercantilista.
Etnia
Não
houve democracia racial no Brasil Colonial, como não poderia haver
num sistema de dominação colonialista. Por outro lado, se uma raça
preponderou, consequentemente preponderam também os seus valores
culturais na formação social da área colonizada. Assim, na
evolução da colônia brasileira, o banco, especificamente o
português, impôs a sua organização econômica e política e as
suas concepções culturais, sociais e religiosas. A estrutura básica
da sociedade colonial, o seu aspecto agro latifundiário, patriarcal,
conservador, católico, aristocrático e voltado ao litoral deveu-se
inteiramente ao português.
Estudando-o cuidadosamente, Gilberto
Freyre viu nele três qualidades fundamentais de colonizador:
facilidade de aclimatação a regiões diferentes (o que explicaria
pela própria situação geográfica de Portugal, localizado na
fronteira de Europa e África), tendência a se locomover sem
problemas de uma região para outra (o que visaria compensar a
deficiência numérica em face das exigências de um império
colonial tão disperso) e (o que se explicaria pelo fato da própria
nação portuguesa ser um cadinho de povos, até mouros).
Gilberto Freyre: uma reavaliação
A
par do mérito do estilo, o livro clássico de Gilberto Freyre tem
ainda outros valores positivos como a abundância da informação
documentada, revelando o “olho do inglês”, de que fala Darcy
Ribeiro, e a busca de uma autoconsciência nacional através de uma
evocação das origens.
Entretanto, não nos enganemos: a
evocação é a de um descendente da classe dominante do período
açucareiro, saudoso de um tempo passado. Gilberto Freyre se esforçou
em suprimir preconceitos, mas acabou criando novos, ligados à classe
a qual pertence. Darcy Ribeiro os enumera impiedosamente:
1º)
O branco é sádico, o índio e o negro são masoquistas. Moral
implícita: o povo encontra num governo autoritário e despótico, o
que acaba sendo um modo de justificar a existência de mecanismos
repressivos destinados a manter uma ordem social calcada em
desigualdades.
2º) O índio é molenga no serviço,
tristonho e introvertido e o negro é vigoroso, adaptado aos trópicos
e essencialmente alegre.
Por isso é que o negro substituiu o
índio como escravo. Esta interpretação encerra estereotipações
simplistas, não se detendo em averiguar, por exemplo, os
conhecimentos que o índio tinha da agricultura (mandioca, milho),
utilizados pelo branco.
3º) O índio era “violento” e
essa violência se perpetuou atavicamente e “explica” a violência
das rebeliões sociais e políticas do nosso interior (quer dizer,
elas não se explicam como reação a uma violência anterior, a do
sistema vigente que lhes deu origem...)
4º) A Abolição foi prematura,
privando o negro da proteção patriarcal do senhor que o assistia na
doença e na velhice. Esta visão da “escravidão humanizada”,
posta abaixo por Edison Carneiro, Clóvis Moura e Décio Freitas,
entre outros, prende-se ao estudo de um tipo negro especificamente, o
doméstico, esquecendo o outro, aquele que realmente sofria, sem
gozar de direito algum, o trabalhador do eito.
O paraíso conquistado
Os
autores mais lúcidos têm como certo, atualmente, que a ocupação
da América Latina no século XVI representou a implantação de um
inferno para índios e negros. Para os conquistadores e seus
cronistas, porém, pareceu que um verdadeiro Éden tinha sido
encontrado, uma terra de abundância, sem as doenças que grassavam
na Europa e imensa em suas perspectivas de enriquecimento para
indivíduos de vontade e iniciativa.
Quanto a isso, pode-se dizer que o
fato de Portugal não ter inicialmente compartilhado de uma visão
delirante acerca do Novo Mundo deveu-se a dois motivos: não
encontrou metais preciosos na nova terra, logo de saída, e tratou
desde cedo, de submeter os voluntarismos aventurescos individuais aos
interesses do Estado no processo colonizatório, proibindo, por
exemplo, a penetração no interior a fim de evitar a burla do fisco.
É claro que, circunscrevendo a colonização à vida rotineira da
sociedade ariada ao longo da fixa litorânea, Portugal se interessou
em frear a imaginação acerca de uma interpretação idílica ou
paradisíaca do Brasil.
Finalmente, é interessante observar
que o desejo dos europeus de encontrar no Novo Mundo aquele paraíso
perdido com o pecado de Adão e Eva bem mostra o conteúdo religioso
da época da qual a Europa saía, a Idade Média. E mostra também
quão pronunciada era a crise econômica, política, social e
cultural dessa época, a ponto de os indivíduos passarem a ansiar
por um lugar novo – e antigo ao mesmo tempo – que lhes devolveria
a segurança de outros tempos.
- O primeiros estágios da administração colonial
A questão das capitanias
O
início da História do Brasil foi, como se viu, marcado por uma
série de dilemas e opções drásticas. Uma das mais importantes
veio a ser justamente a que redundou na criação do sistema
administrativo das capitanias hereditárias.
Tem-se
ressaltado que, ao dividir o Brasil em lotes “por linha de testada”
(costa), Portugal não estava inventando algo novo, visto que já se
aplicara tal sistema nas ilhas atlânticas. Entretanto, não se deve
esquecer a especificidade do caso brasileiro, primeiro, por ser alvo
da cobiça estrangeira, ou seja, dos franceses, segundo, por ser uma
região excepcionalmente grande e distante.
As capitanias representavam uma
solução de emergência. Para a coroa, não se tratou de renunciar
ao Brasil em favor do capital privado. Tratou-se, isso sim, de usá-lo
no snetido de que ele fizesse o investimento inicial para descobrir
em que se poderia assentar economicamente a colonização. Foi algo
assim como se um exército mandasse batedores à frente para
reconhecer o terreno a ser depois conquistado.
Em 1549, constatando que o açúcar
poderia ser uma solução para o problema colonizatório, bem como,
esperando achar no Brasil a riqueza metálica que a Espanha
encontrara no Peru, o rei D. João III houve por bem enviar ao país
o primeiro governador geral, que era um representante da Coroa
destinado a dar às capitanias a coordenação de que elas
necessitavam. A instituição do governo geral evidenciou a nova
preocupação que Portugal passou a ter com o Brasil. De fato,
funcionou aqui a lei da compensação: estando em crise o comércio
com a Índia, o interesse luso obviamente deslocou-se para o Brasil.
O significado do governo geral
Nelson
W. Sodré definiu o governo geral como um “primeiro esboço de
poder público” no Brasil. Com efeito, não foi muito além de
esboço, pois, como observou Oliveira Vianna, as distâncias, as
comunicações e o poder dos latifundiários se constituíram em
problemas significativos com vistas à estruturação de um governo
realmente centralizado. O Brasil da época se reduzia a um punhado de
grandes propriedades, dominadas por senhores com muitos escravos.
Como não havia imprensa, “opinião pública”, no sentido preciso
do termo era coisa inexistente. Nelson W. Sodré diz que só o padre
falando de seu púlpito, nas missas dominicais, é que tinha alguma
possibilidade de mobilização coletiva.
Com certeza não se pode comparar o
avanço, no sentido da unidade política, obtido da vinda da família
real, com aquele conseguido entre os séculos XVI e XIX. No primeiro
caso, foi muito maior. Em história, entretanto, nada se faz
bruscamente. A centralização imposta por D. João foi construída
sobre rudimentos já estabelecidos por governadores gerais e
vice-reis. Só se olharmos pelo prisma do nosso tempo, que foi o que
fez Oliveira Viana, é que a obra de unificação política da
colônia nos parecerá de precários significado. Mesmo que, segundo
Maria da Conceição Tavares, tinham sido então lançadas as raízes
da futura tradição autoritária do Estado brasileiro.
Marco importante nas origens do
futuro Estado unitário brasileiro foi a obra do Marquês do Pombal.
Sabendo da carência de gente para administrar uma colônia que se
expandia, especialmente na zona mineradora, ele se valeu de
brasileiros para preencherem as necessidades do estamento
burocrático, o que, segundo Kenneth Maxwell, veio a ser um primeiro
fator da Inconfidência Mineira.. Além disso, deveu-se ao mesmo
Pombal a redução da autonomia das câmaras municipais, centros do
poder político do latifúndio, a mudança da capital para o Rio de
Janeiro (até 1763, era em Salvador), a expulsão dos jesuítas,
escarados como perigo em face dos objetivos de centralização do
Estado, e a transição definitiva do governo geral para o
vice-reinado.
Os primeiros governadores gerais
Um
governador geral vinha para exercer tarefas administrativas e
militares por um prazo de três anos. Era assessorado por um
provedor-mor (encarregado do fisco), um ouvidor-mor (encarregado da
Justiça) e um capitão-mor-da-costa (encarregado pela defesa do
litoral contra o corsalismo europeu). O governador geral vinha também
munido de um documento que lhe definia as atribuições e que alguns
consideram um marco em nossa pré-história constitucional, o
Regimento.
O Brasil teve dezenas de governadores
gerais até o século XVIII. Habitualmente são citados os três
primeiros, marcos iniciais da tarefa colonizadora. Atribui-se a eles
(Tome de Souza, Duarte da Costa) a vinda dos primeiros jesuítas, a
construção de Salvador, a primeira capital (Tomé de Souza) e a
luta contra o invasor francês, disposto a disputar fatias do
território brasileiro (Mem de Sá). Esses homens podem ser
considerados pioneiros na construção da administração
centralizada do Brasil Colonial.
Quando se deu realmente a transição
do governo geral para o vice-reinado? Parece que não há uma
documentação precisa a respeito. Há os que apontam 1640, ano em
que veio para cá o Marquês de Montalvão, primeiro governador geral
que ostentou o título de vice-rei. Já outros preferem 1720, a
partir de quando todos os governadores gerais passaram a ser assim
chamados. Finalmente, há os que apontam a responsabilidade do
Marquês do Pombal na definitiva transição de governo geral para
vice-reinado e consequentemente elevação do “status” dessa que
já era a mais importante colônia ultramarina portuguesa.
O vice-reinado
Em
que se distinguiram exatamente os vice-reis dos antigos governadores
gerais? Em primeiro lugar, eram cercados da maior pompa. Em segundo,
provinham da alta nobreza. Em terceiro, dispunham de mais poderes,
pois segundo a observação da Professora Helena Piccolo, podiam
aplicar os rigores das penas judiciárias até às pessoas
socialmente mais bem situadas.
Um vice-rei, muito mais do que um
governador geral, que lembrava um funcionário graduado, aparentava
ser um representante da Coroa de Portugal. O governador geral dava a
ideia de um executante de ordens ao passo que o vice-rei parecia a
própria personificação do sagrado poder monárquico.
- Açúcar – a tarefa secular
A opção pela economia açucareira
Por
diferentes motivos, a base da colonização não pôde ser nem o
pau-brasil (que propiciou um lucro ínfimo: não mais de 5% da
receita portuguesa) e nem a mineração (que não pôde se
desenvolver por não terem sido encontrados metais preciosos aqui no
século XVI, pelo menos em quantidades apreciáveis).
Essa riqueza, trazida de fora, veio a
ser a cana-de-açúcar. Tudo colaborou para que fosse ela. O meio
(clima quente e úmido e solo do massapê no litoral) mostrou-se
favorável, Portugal já tinha experiência com o plantio e
comercialização do produto nas ilhas atlânticas e, primeiramente,
tratava-se de um artigo com amplas chances de mercado na Europa. Sua
obtenção, naquela época, era difícil, já que se constituía numa
especiaria que vinha do Oriente e dependia de um comércio que, além
de muito oneroso, não era frequentemente o bastante para atender a
uma crescente demanda.
- Açúcar –a tarefa secular
A opção pela economia açucareira
Por
diferentes motivos, a base da colonização não pôde ser nem o
pau-brasil (que propiciou um lucro ínfimo: não mais de 5% da
receita portuguesa) nem a mineração (que não pôde se desenvolver
por não terem sido encontrados metais preciosos aqui no século XVI,
pelo menos em quantidades apreciáveis). Além disso, dentro da visão
mercantilista da época, a não ser que o Brasil fosse mantido no
nível estagnado de colônia de povoamento, não haveria sentido em
investir nele, administrando-o ou defendendo-o de invasores, se não
houvesse possibilidade de extrair da terra alguma riqueza
significativa, capaz também de atrair povoadores do Velho Mundo.
Essa riqueza, trazida de fora, veio a
ser a cana-de-açúcar. Tudo colaborou para que fosse ela. O meio
(clima quente e úmido e solo massapê no litoral) mostrou-se
favorável. Portugal já tinha experiência com o plantio e
comercialização do produto nas ilhas atlânticas e, principalmente,
tratava-se de um artigo com amplas chances de mercado na Europa. Sua
obtenção, naquela época, era difícil, já que se constituía numa
especiaria que vinha do Oriente e dependia de um comércio que, além
de muito oneroso, não era frequente o bastante para atender uma
crescente demanda.
O domínio do latifúndio
O
tipo de propriedade criado no Brasil em função da economia
açucareira foi o latifúndio. Os motivos residiram na abundância de
terras, nas altas exigências de investimento, que limitavam a
iniciativa a poucos, e nas necessidades de produção e defesa. Em
caso de qualquer ataque externo, era mais fácil defender um
latifúndio por existir mais gente trabalhando.
A engrenagem da produção açucareira
era tão complexa que Antonil, muito justamente, falou em “fábrica”
ao referir-se a ela. Com efeito, a cana era só plantada como ainda
transformada em açúcar no próprio latifúndio. Para tal, existia o
engenho, constituído de moenda, caldeira e casa de purgar (onde o
açúcar era branqueado). O proprietário que não tinha engenho
pagava com a metade da colheita para moer no engenho de outrem. Quem
arrendava uma terra de um latifundiário tinha o compromisso de moer
a cana somente no engenho deste e, obviamente, pagava com a metade da
colheira, afora o que era cobrado a título de aluguel.
Os grandes latifúndios de
cana-de-açúcar compreendiam, além da plantação e do engenho,
também a senzala, onde dormiam os negros, a capela, sendo o
responsável por ela algo como um feudatário do latifundiário, e a
casa grande, onde residia o senhor patriarcal, suprema autoridade
local e um verdadeiro aristocrata não-titulado.
Os altos lucros trazidos pela
economia açucareira fizeram com que esta monopolizasse todas as
atenções e daí decorreram a não-diversificação de atividades e
a monocultura. Com efeito, os holandeses, que se especializaram na
compra e revenda do produto, não queriam saber de comprar outra
coisa. E os latifundiários, por outro lado, adquiriam deles as
manufaturas e os escravos de que careciam. Isso significa que o
açúcar se constituía na única possibilidade que o dono da terra
tinha de equilibrar receita e despesa, o que, de resto, conforme se
verá, não chegou a acontecer.
Pouca
coisa teria o Brasil, nessa época, a oferecer além do açúcar. Nas
engenhocas ou molinetes fabricava-se aguardente, subproduto da cana
de baixo custo e que servia não só para consumo interno das classes
inferiores (mais tarde, não só inferiores...) como também para o
comércio de escravos da África. Os artigos de subsistência de
cultivavam em minifúndios ou nos intervalos de plantio da cana. O
fumo foi plantado na Bahia, tendo-se desenvolvido a partir do século
XVIII e servido a uma finalidade à da aguardente: a ser instrumento
de troca para obtenção de escravos no continente negro.
A mais significativa atividade
propiciada pelo açúcar não foi, entretanto, nenhuma das acima
citadas. Foi, isso sim, o gado. A pecuária, inicialmente
desenvolvida no litoral, servia ao abastecimento da zona canavieira.
Com o tempo, todavia, a expansão da lavoura acabou retirando as
pastagens do gado e este se viu “expurgado” para o interior e lá
se tornou um decisivo fator de povoamento. Foi sintomático que o rei
D. Pedro II, em 1701, houvesse estabelecido, numa Carta Régia, uma
proibição formal a que a empresa criatória se desenvolvesse fora
do sertão. Numa etapa posterior, o gado, através do Vale do São
Francisco, desceria para o sudeste com a finalidade de abastecer a
nova área de progresso econômico e social formada com a descoberta
do ouro.