Os
atentados ocorridos em Copenhague, capital da Dinamarca, nos dias 14 e
15 de fevereiro, levaram o governo a anunciar um plano de combate ao
terrorismo que prevê investimentos de quase 1 bilhão de coroas
dinamarquesas (R$ 432 milhões) na ampliação da força policial e na
melhoria dos serviços de inteligência e segurança. Mesmo assim, o país é
reconhecido por sua abordagem “suave” com os jovens que deixaram a
terra natal para lutar por grupos terroristas.
Estimativas do serviço de segurança e inteligência da Dinamarca apontam que cerca de 100 cidadãos deixaram o país rumo à Síria e ao Iraque. Em uma nação com cerca de 5,6 milhões de habitantes, o número é representativo e faz da Dinamarca o segundo país da Europa Ocidental, depois da Suécia, com o maior número de europeus jihadistas proporcionalmente à população.
Diferentemente de nações europeias como Reino Unido e França, onde a lei antiterrorismo é rigorosa, na Dinamarca nenhum cidadão pode ser preso ou ter o passaporte confiscado pelo fato de ter viajado para a Síria ou Iraque, a menos que haja comprovação de que cometeu algum crime durante sua ausência do país. O que fazer, então, com aqueles que engrossaram as fileiras terroristas e estão retornando para casa?
Em Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 330 mil habitantes, um programa de reabilitação de jovens extremistas se tornou modelo não só para a capital, Copenhague, mas também por outros países que visitam o município em busca de informações. O prefeito de Aarhus, Jacob Bundsgaard, foi convidado pela Casa Branca para participar da última cúpula sobre como conter o extremismo, em Washington, nos Estados Unidos, no dia 18 de fevereiro.
O programa, gerido conjuntamente pela prefeitura e pela polícia de Aarhus desde 2007, não sofreu alterações depois dos atentados de Copenhague. Seus coordenadores ainda acreditam que reintegrar é melhor que punir.
Assim como qualquer outro cidadão dinamarquês, jovens extremistas que foram ou não para a Síria recebem oportunidades de educação, apoio na busca de emprego e moradia, acesso a serviços médicos e atendimento psicológico. Cada jovem é acompanhado por um mentor, pessoa do mesmo meio e religião que o assistido, e responsável por aconselhá-lo e ajudá-lo a enxergar novos caminhos. O programa não tenta mudar as crenças dos participantes, desde que elas não incitem a violência.
Quem coordena e orienta o grupo de mentores é o psicólogo Preben Bertelsen, da Universidade de Aarhus. Ele também oferece atendimento psicológico aos participantes. São jovens de classe média, muitos deles universitários, com idade entre 15 e 25 anos, nascidos na Dinamarca, mas descendentes de imigrantes. Alguns herdaram a religião muçulmana dos pais, outros são recém-convertidos. “Em comum, eles têm experiência de exclusão e racismo; sentem-se diferentes dos outros dinamarqueses. Estão em busca de uma identidade e de respostas para dúvidas existenciais”, enfatiza o psicólogo.
Bertelsen conta que a motivação principal daqueles que deixaram a estabilidade de seu lar, em Aarhus, pela incerteza do que encontrariam na Síria, é a crença religiosa. “Eles foram convencidos a lutar pelo plano de Deus. Mas muitos, quando chegaram lá, depararam com todos os tipos de maldade e corrupção. Ficaram decepcionados. Voltaram frustrados. Muitos sofreram ou sofrem desordem pós-traumática e perderam a fé na humanidade”. O psicólogo acredita que uma medida punitiva, em casos como esses, poderia agravar a situação. “Se forem abandonados ou punidos, podem se radicalizar ainda mais, tornando-se uma perigo para a sociedade”, salienta.
Dos dinamarqueses que foram para a Síria, 31 são de Aarhus e 22 deles frequentavam a mesquita salafista de Grimhojvej, que fica em Braband, a poucos metros do distrito de Gellerup, área popularmente conhecida como gueto de Aarhus, onde mais de 80% dos moradores são imigrantes, a maioria da Somália, Turquia e de países árabes. Em 2014, ao perceberem que o centro religioso poderia ter ligação com a radicalização dos jovens, representantes da prefeitura e da polícia passaram a se reunir com líderes da mesquita periodicamente.
A mesquita de Grimhojvej funciona em um velho prédio industrial e só é possível identificá-la pela placa na entrada. Ali, cerca de 300 fiéis atendem às preces nas sextas-feiras. O presidente do centro religioso, Ossama El Saadi, disse à Agência Brasil que “compreende a atitude dos que foram ajudar seus irmãos na Síria”, mas observou que tem incentivado os jovens que retornaram à Dinamarca a respeitar e aceitar as regras do país em que vivem. Apesar de não condenar o Estado Islâmico, El Saadi garante que a mesquita “não tem visões extremistas, como dizem alguns políticos, mas moderadas”.
Dos que foram para a Síria, cinco morreram, dez ainda estão fora e 16 retornaram. Todos os que voltaram foram chamados pela polícia para uma conversa e convidados – não obrigados – a se integrar ao programa. Seis recusaram e seguiram suas vidas, sob acompanhamento discreto do serviço de inteligência; dez resolveram participar e receberam diferentes graus de apoio, conforme a necessidade.
O coordenador do programa na prefeitura de Aarhus, Toke Agerschou, observa que, além da reabilitação, um trabalho intensivo de prevenção contra o extremismo é realizado continuamente na cidade. Cerca de 140 workshops sobre o assunto já foram promovidos com a participação de estudantes (crianças, adolescentes e jovens), famílias e membros da comunidade. Mais de 100 pessoas atuam como “olheiros”, alertando a polícia em caso de qualquer indício de radicalização. O Centro de Informações, montado especificamente para o programa, já recebeu mais de 130 notificações. Entre elas, várias denúncias.
Para Toke, a prova de que o programa – considerado inocente e suave por líderes políticos da oposição – funciona de verdade é o fato de que, de 2013 para 2014, o número de jovens que deixaram Aarhus rumo à Síria caiu de 31 para um. Em 2015, ainda não há registros. “Não estamos camuflando os dados, esses números são reais. Os resultados estão aí. Além disso, as pessoas que voltaram foram ajudadas e conseguiram retomar suas vidas”.
Com os atentados que chocaram Copenhague, no início deste mês – cometidos por um jovem dinamarquês, de descendência palestina, que tinha acabado de sair da prisão –, o comissário-chefe da Polícia de Aarhus, Jorgen Illum, está ainda mais certo de que a abordagem do programa de reabilitação é correta. “É importante ter uma legislação que deixe claro que atos criminosos são inaceitáveis. Mas também é muito importante trabalhar na prevenção. Se a abordagem for muito dura, se colocarmos as pessoas na cadeia, corremos o risco de radicalizá-las ainda mais.”
Agência Brasil
Estimativas do serviço de segurança e inteligência da Dinamarca apontam que cerca de 100 cidadãos deixaram o país rumo à Síria e ao Iraque. Em uma nação com cerca de 5,6 milhões de habitantes, o número é representativo e faz da Dinamarca o segundo país da Europa Ocidental, depois da Suécia, com o maior número de europeus jihadistas proporcionalmente à população.
Diferentemente de nações europeias como Reino Unido e França, onde a lei antiterrorismo é rigorosa, na Dinamarca nenhum cidadão pode ser preso ou ter o passaporte confiscado pelo fato de ter viajado para a Síria ou Iraque, a menos que haja comprovação de que cometeu algum crime durante sua ausência do país. O que fazer, então, com aqueles que engrossaram as fileiras terroristas e estão retornando para casa?
Em Aarhus, segunda maior cidade da Dinamarca, com cerca de 330 mil habitantes, um programa de reabilitação de jovens extremistas se tornou modelo não só para a capital, Copenhague, mas também por outros países que visitam o município em busca de informações. O prefeito de Aarhus, Jacob Bundsgaard, foi convidado pela Casa Branca para participar da última cúpula sobre como conter o extremismo, em Washington, nos Estados Unidos, no dia 18 de fevereiro.
O programa, gerido conjuntamente pela prefeitura e pela polícia de Aarhus desde 2007, não sofreu alterações depois dos atentados de Copenhague. Seus coordenadores ainda acreditam que reintegrar é melhor que punir.
Assim como qualquer outro cidadão dinamarquês, jovens extremistas que foram ou não para a Síria recebem oportunidades de educação, apoio na busca de emprego e moradia, acesso a serviços médicos e atendimento psicológico. Cada jovem é acompanhado por um mentor, pessoa do mesmo meio e religião que o assistido, e responsável por aconselhá-lo e ajudá-lo a enxergar novos caminhos. O programa não tenta mudar as crenças dos participantes, desde que elas não incitem a violência.
Quem coordena e orienta o grupo de mentores é o psicólogo Preben Bertelsen, da Universidade de Aarhus. Ele também oferece atendimento psicológico aos participantes. São jovens de classe média, muitos deles universitários, com idade entre 15 e 25 anos, nascidos na Dinamarca, mas descendentes de imigrantes. Alguns herdaram a religião muçulmana dos pais, outros são recém-convertidos. “Em comum, eles têm experiência de exclusão e racismo; sentem-se diferentes dos outros dinamarqueses. Estão em busca de uma identidade e de respostas para dúvidas existenciais”, enfatiza o psicólogo.
Bertelsen conta que a motivação principal daqueles que deixaram a estabilidade de seu lar, em Aarhus, pela incerteza do que encontrariam na Síria, é a crença religiosa. “Eles foram convencidos a lutar pelo plano de Deus. Mas muitos, quando chegaram lá, depararam com todos os tipos de maldade e corrupção. Ficaram decepcionados. Voltaram frustrados. Muitos sofreram ou sofrem desordem pós-traumática e perderam a fé na humanidade”. O psicólogo acredita que uma medida punitiva, em casos como esses, poderia agravar a situação. “Se forem abandonados ou punidos, podem se radicalizar ainda mais, tornando-se uma perigo para a sociedade”, salienta.
Dos dinamarqueses que foram para a Síria, 31 são de Aarhus e 22 deles frequentavam a mesquita salafista de Grimhojvej, que fica em Braband, a poucos metros do distrito de Gellerup, área popularmente conhecida como gueto de Aarhus, onde mais de 80% dos moradores são imigrantes, a maioria da Somália, Turquia e de países árabes. Em 2014, ao perceberem que o centro religioso poderia ter ligação com a radicalização dos jovens, representantes da prefeitura e da polícia passaram a se reunir com líderes da mesquita periodicamente.
A mesquita de Grimhojvej funciona em um velho prédio industrial e só é possível identificá-la pela placa na entrada. Ali, cerca de 300 fiéis atendem às preces nas sextas-feiras. O presidente do centro religioso, Ossama El Saadi, disse à Agência Brasil que “compreende a atitude dos que foram ajudar seus irmãos na Síria”, mas observou que tem incentivado os jovens que retornaram à Dinamarca a respeitar e aceitar as regras do país em que vivem. Apesar de não condenar o Estado Islâmico, El Saadi garante que a mesquita “não tem visões extremistas, como dizem alguns políticos, mas moderadas”.
Dos que foram para a Síria, cinco morreram, dez ainda estão fora e 16 retornaram. Todos os que voltaram foram chamados pela polícia para uma conversa e convidados – não obrigados – a se integrar ao programa. Seis recusaram e seguiram suas vidas, sob acompanhamento discreto do serviço de inteligência; dez resolveram participar e receberam diferentes graus de apoio, conforme a necessidade.
O coordenador do programa na prefeitura de Aarhus, Toke Agerschou, observa que, além da reabilitação, um trabalho intensivo de prevenção contra o extremismo é realizado continuamente na cidade. Cerca de 140 workshops sobre o assunto já foram promovidos com a participação de estudantes (crianças, adolescentes e jovens), famílias e membros da comunidade. Mais de 100 pessoas atuam como “olheiros”, alertando a polícia em caso de qualquer indício de radicalização. O Centro de Informações, montado especificamente para o programa, já recebeu mais de 130 notificações. Entre elas, várias denúncias.
Para Toke, a prova de que o programa – considerado inocente e suave por líderes políticos da oposição – funciona de verdade é o fato de que, de 2013 para 2014, o número de jovens que deixaram Aarhus rumo à Síria caiu de 31 para um. Em 2015, ainda não há registros. “Não estamos camuflando os dados, esses números são reais. Os resultados estão aí. Além disso, as pessoas que voltaram foram ajudadas e conseguiram retomar suas vidas”.
Com os atentados que chocaram Copenhague, no início deste mês – cometidos por um jovem dinamarquês, de descendência palestina, que tinha acabado de sair da prisão –, o comissário-chefe da Polícia de Aarhus, Jorgen Illum, está ainda mais certo de que a abordagem do programa de reabilitação é correta. “É importante ter uma legislação que deixe claro que atos criminosos são inaceitáveis. Mas também é muito importante trabalhar na prevenção. Se a abordagem for muito dura, se colocarmos as pessoas na cadeia, corremos o risco de radicalizá-las ainda mais.”
Agência Brasil