Umberto
Eco é um monstro da erudição. Publicou alguns best-sellers
mais cultos do mundo, entre os quais “O Nome da Rosa”, com
passagens em latim. Quando eu fazia o curso de Umberto Eco no Colégio
da França, em Paris, fiz uma entrevista com ele. Quis saber a razão
de tanta dificuldade nos seus livros. Ele respondeu na bucha que,
para sentir prazer, o leitor precisa carregar pedras. Gostei. E pulei
as partes que não compreendi. Anos depois, fui à casa de Umberto
Eco em Milão. Levei comigo meu amigo professor da USP Clóvis de
Barros Filho. Ofereci, como intermediário, 150 mil dólares para Eco
vir ao Brasil. Ele recusou. Explicou que os jornalistas
brasileiros são muito chatos e não o deixariam em paz. Algo
assim. Sem vaselina.
O homem
é fogo. Recentemente ele soltou uma verdade paradoxal: as redes
sociais deram voz a uma legião de imbecis. Irrefutável. Eco
lamentou que agora idiotas têm o mesmo direito à expressão que
prêmio Nobel. O problema é que tem Prêmio Nobel idiota. Outro dia,
o britânico Tim Hunt, ganhador do Nobel de Medicina de 2001, saiu-se
com esta idiotice sobre mulheres em laboratórios de pesquisa: “Você
se apaixona por elas, elas se apaixonam por você e, quando as
crítica, elas choram”. Alguém politicamente incorreto poderá
insistir que é verdade. O que se deveria fazer nesses dois casos?
Acabar com as redes sociais? Tirar as mulheres dos laboratórios? Só
permitir acesso à Internet de ganhadores do Nobel? Proibir mulheres
de serem cientistas? Será que homens não se apaixonam por homens
enquanto pesquisam? Um especialista europeu queria que fosse criada
uma comissão de sábios para avaliar a cada vez o que poderia ser
publicado na Internet. É ou não um idiota? Não é preciso
responder.
Hunt
pediu demissão do seu cargo de professor numa importante
universidade depois da sua defecada. As paixões continuarão
maravilhosamente a atrapalhar e a estimular descobertas científicas.
Restam os imbecis da Internet. Como lidar com eles? Ninguém sabe.
Eco não pretende acabar com as redes sociais nem instituir um
tribunal para julgar conteúdos publicáveis. Fez apenas um desabafo.
Deve estar tomando bordoadas de imbecis. Há uma lei na Internet:
quanto mais idiota, mais persistente. O imbecil jamais desiste. Não
tem consciência da sua imbecilidade. SE não tem o seu comentário
imbecil liberado, pergunta condidamente se está sendo censurado. Não
claro que não, está sendo objeto de uma política antimala. Eco,
por seu lado, está carregando algumas pedras para aprender a não
ser imbecil.
Brincadeira.
O cara é gente boa e manda muito bem escrevendo. Dando aula, faz
mais barulho do que uma manifestação da CUT, o que, já não é
muito difícil. A verdade é que Eco tocou num problema sem solução.
A Internet do futuro será totalmente dominada pelos imbecis. Será o
que já é: parte da realidade universal. Eu, como imbecil, saúdo a
nossa vitória. Enfim, nós, os imbecis, estamos dominando o mundo.
Ou sempre dominamos? Ou os gênios só ficaram sabendo disso agora?
Para Eco, a imbecilidade saltou da mesa de bar para as redes. A vida
tornou-se um interminável comercial reacionário de cerveja.
Fonte:
Correio do Povo, página 2 de 21 de junho de 2015.