Do Estadão Conteúdo
Ustra comandou o DOI-CODI, núcleo mais radical da repressão política nos anos de chumbo, entre 1971 e 1974Foto: Arquivo / Agência Brasil
O advogado e jurista Fábio Konder Comparato disse que a ação por danos morais movida por familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino - torturado e morto nas dependências do DOI-CODI, em São Paulo - pode prosseguir contra os herdeiros do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O militar morreu na quinta-feira, 15, vítima de câncer e complicações cardíacas.
O processo da família de Merlino foi aberto na Justiça de São Paulo, mas está parado por decisão do Tribunal de Justiça do Estado, segundo Comparato.
Merlino, jornalista e militante do Partido Operário Comunista (POC), foi preso ilegalmente em Santos e levado para o DOI-CODI, no famoso endereço da Rua Tutoia, em São Paulo. Na época, a versão oficial do Exército é que o militante tinha se suicidado, atirando-se debaixo de um carro na rodovia Régis Bittencourt, região do município de Jacupiranga (Vale do Ribeira).
Ustra comandou o DOI-CODI, núcleo mais radical da repressão política nos anos de chumbo, entre 1971 e 1974. Nesse período, dezenas de militantes desapareceram. Nos últimos anos, procuradores da República vinham tentando processar o coronel da ditadura, mas juízes federais rejeitavam as denúncias invocando a Lei da Anistia.
"Como a responsabilidade penal é estritamente pessoal, as ações criminais intentadas contra o coronel são automaticamente arquivadas", ressalta Comparato. "Mas a ação de danos morais, contra ele movida pelos familiares de Luiz Eduardo da Rocha Merlino, morto sob tortura no DOI-CODI, pode prosseguir contra os herdeiros do coronel", completa
O jurista faz uma ponderação. "É bem verdade que aqui, no Tribunal de Justiça, o desembargador Salles Rossi, relator da apelação interposta da sentença condenatória em primeira instância, teve recentemente a curiosa ideia de desconsiderar o princípio jurídico de que a responsabilidade civil é independente da criminal. Ele simplesmente suspendeu o processo da ação cível de danos morais, alegando que o Supremo Tribunal Federal ainda não havia decidido, em última instância, se a Lei de Anistia de 1979 aplica-se aos agentes estatais que cometeram crimes contra opositores políticos durante o regime militar."
Comparato também representa a família Teles em ação declaratória movida contra Ustra em 2003. "Só agora, graças à excepcional celeridade da Justiça brasileira, (a ação) chegou à fase final no Supremo Tribunal Federal e fica extinta de pleno direito. Vale dizer: o Poder Judiciário reconheceu que o coronel cometeu atos de tortura contra presos políticos."
Segundo o jurista, "quanto às ações cíveis, é preciso distinguir as meramente declaratórias das condenatórias". "Somente no processo destas últimas é que os herdeiros da parte falecida podem se habilitar a sucedê-lo."
"De se lembrar que, embora o Supremo Tribunal Federal tenha considerado válida, em 2010, a anistia de crimes de homicídio, tortura, estupro, desaparecimento forçado e ocultação de cadáver, cometidos por agentes estatais contra presos e opositores políticos, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, naquele mesmo ano, julgou que tal decisão representava flagrante violação da Convenção Americana de Direitos Humanos, ratificada pelo Brasil", adverte Fábio Konder Comparato.
DEFESA - O criminalista Paulo Esteves, defensor de Ustra, disse que o coronel "morreu sem nunca ter sido condenado".
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