“Entre o riso e a
lágrima há apenas o nariz.” (Millôr Fernandes)
A meia-idade chega
quando o sentimento predominante é o de participarmos de uma grande
festa sem sermos convidados. Quando reconhecemos que passamos a vida
inteira sem que nada de muito importante tenhamos feito, ou que algo
de grave tenha acontecido perto de nós.
A moral fica elástica.
O pensamento deixa de ser obrigatório ensaio mental que precede o
falar e o fazer. Pecados que atormentavam jovens espíritos se
reduzem a ausências de juízos. Perfeição e autossuficiência
passam à indiferença. Ações e reações fluem banais: provas da
influência de força e caráter inerentes ao passar do tempo.
Assume-se a condição
de alienado sem maiores pejos ou cerimônias – até com certo
orgulho. São bem-aceitas as limitações intelectuais, o fim dos
ideais, a confirmação da inutilidade existencial.
Medos, receios,
pressões, prevenções e perversões diluem-se no turvo poço da
experiência. Tudo já foi feito ou experimentado. Bem ou mal
experimentado, se não sentido, bem imaginado.
Diminui o sal da
comida. O regime alimentar torna-se permanente. Firma-se de vez o
vital impasse físico, fisiológico e filosófico entre o masculino e
o feminino: homem épico, mulher lírica e casamento dramático.
No entanto, é meu
dever assegurar que há mais vantagens que desvantagens à meia-idade
– antes que alguém da faixa etária cometa suicídio.
Entre as novas
primazias destaco algumas irrefutáveis: não há limites claros
entre o certo e o errado, o céu e o inferno, o bem e o mal, o amor e
a paixão. Há maior confiança no taco (mesmo um tanto gasto);
lida-se melhor com o pior e com os piores; vive-se com mais
intensidade os prazeres que, aos poucos, vão rareando com os
cabelos.
Características
acentuam-se. Tolerância e barriga aumentam. Pessoas espaçosas e
egos inflados são postos de lado. E, finalmente, elogios
provenientes de crápulas soam como insultos. Por outro lado, o
interesse pessoal persiste forte, dirigido àquilo que legitimamente
entusiasma.
Entende-se, enfim, que
obteríamos resultados bem melhores e práticos sem as intervenções
da ética, dos bons costumes e do politicamente correto.
Chega-se à conclusão
de que ainda há muito o que fazer. Tenta-se viver como se todo dia
fosse o último. Com a certeza definitiva de que, dia desses,
acabamos acertando.
Médico
Fonte: Correio do Povo,
página 2 de 7 de junho de 2015.