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segunda-feira, 15 de junho de 2015

Elogios à meia-idade, Alcides Mandelli Stumpf

“Entre o riso e a lágrima há apenas o nariz.” (Millôr Fernandes)

A meia-idade chega quando o sentimento predominante é o de participarmos de uma grande festa sem sermos convidados. Quando reconhecemos que passamos a vida inteira sem que nada de muito importante tenhamos feito, ou que algo de grave tenha acontecido perto de nós.
A moral fica elástica. O pensamento deixa de ser obrigatório ensaio mental que precede o falar e o fazer. Pecados que atormentavam jovens espíritos se reduzem a ausências de juízos. Perfeição e autossuficiência passam à indiferença. Ações e reações fluem banais: provas da influência de força e caráter inerentes ao passar do tempo.
Assume-se a condição de alienado sem maiores pejos ou cerimônias – até com certo orgulho. São bem-aceitas as limitações intelectuais, o fim dos ideais, a confirmação da inutilidade existencial.
Medos, receios, pressões, prevenções e perversões diluem-se no turvo poço da experiência. Tudo já foi feito ou experimentado. Bem ou mal experimentado, se não sentido, bem imaginado.
Diminui o sal da comida. O regime alimentar torna-se permanente. Firma-se de vez o vital impasse físico, fisiológico e filosófico entre o masculino e o feminino: homem épico, mulher lírica e casamento dramático.
No entanto, é meu dever assegurar que há mais vantagens que desvantagens à meia-idade – antes que alguém da faixa etária cometa suicídio.
Entre as novas primazias destaco algumas irrefutáveis: não há limites claros entre o certo e o errado, o céu e o inferno, o bem e o mal, o amor e a paixão. Há maior confiança no taco (mesmo um tanto gasto); lida-se melhor com o pior e com os piores; vive-se com mais intensidade os prazeres que, aos poucos, vão rareando com os cabelos.
Características acentuam-se. Tolerância e barriga aumentam. Pessoas espaçosas e egos inflados são postos de lado. E, finalmente, elogios provenientes de crápulas soam como insultos. Por outro lado, o interesse pessoal persiste forte, dirigido àquilo que legitimamente entusiasma.
Entende-se, enfim, que obteríamos resultados bem melhores e práticos sem as intervenções da ética, dos bons costumes e do politicamente correto.
Chega-se à conclusão de que ainda há muito o que fazer. Tenta-se viver como se todo dia fosse o último. Com a certeza definitiva de que, dia desses, acabamos acertando.

Médico


Fonte: Correio do Povo, página 2 de 7 de junho de 2015.