Em 1780,
um século após a descoberta das minas, Vila Rica já havia muito
deixara de ser um acampamento mineiro embarrado e sem atrativos.
Situada no sopé do grandioso penedo do Itacolomi, a cidade se
constituía de uma teia de ruas pavimentadas percorrendo ladeiras
íngremes, ladeadas por graciosas construções de dois pisos, muitas
das quais possuíam terraços ajardinados e floridos. No topo das
colinas, ou em frente a praças amplas a arejadas, havia inúmeras
igrejas barrocas, com altares reluzindo em ouro e paredes repletas de
ornamentações suntuosas. Não era uma cidade: era uma obra de arte
urbana. Vila Rica, disse um poeta, era “pérola preciosa do
Brasil¨. Mas a riqueza da cidade – seja ouro preto, seus diamantes
reluzentes, suas minas opulentas – era também fonte de suas
desgraças. Submetida a uma sangria feroz, que se manifestava na
forma impostos de entrada e impostos de saída (qualquer produtos
levado às minas era duramente taxado; cada grama de ouro que saía
pagava em tributo oneroso), Vila Rica via sua formatura se esvair.
Levado
para além-mar, o ouro de Minas permitiria a D. João V reinar numa
luxuosa ostentação a ponto de se tornar conhecido como o Roi-Soleil
português. O mais grave é que o “fulvo metal”, nem sequer
servia para enriquecer a metrópole: era apenas o ouro “que
Portugal distribuía tão liberalmente para a Europa”, como
observou o viajante inglês Henry Fielding. Nada mais natural,
portanto, que a jovem sociedade mineira – tão diferenciada da
elite rural de indignação e revolta. E essa revolta não demoraria
muito para eclodir.
Pelo
menos algumas vantagens Vila Rica conseguiu auferir de sua opulência.
Além de constituir uma sociedade essencialmente urbana, possuía uma
estrutura bem mais complexa do que aquela que se reduzia a senhores e
escravos. Havia uma “classe média”: comerciantes, mercadores,
artistas e, é claro, poetas. Outra possibilidade aberta pelo ouro
foi a chance concedida a alguns filhos da elite local de realizarem
seus estudos na Europa. Muitos herdeiros de mineradores bem-sucedidos
foram enviados para a Universidade de Coimbra, em Portugal. E lá,
vários deles tomaram contatos com ideias liberais e republicanas,
acompanhando o furor provocado pela Revolução Francesa e pela
independência dos Estados Unidos. Um desses estudantes, José da
Maia e Barbalho, chegou a entrar em contato com Thomas Jefferson,
embaixador dos EUA na França, sondando-o sobre um possível apoio
norte-americano à independência do Brasil. Enquanto isso, em Vila
Rica, mudanças políticas tornaram insustentável o que já era
ruim. Em outubro de 1783, o governador Rodrigo José de Meneses,
homem de grande cultura, amigo do poeta Cláudio Manuel da Costa e
liberal com os contrabandistas, foi substituído por Luís da Cunha
Meneses, um sujeito em tudo diferente dele. Para atacar a elite
descontente, Cunha fez uma aliança populista com as classes
inferiores de Vila Rica. Mas era um corrupto que saqueava os cofres
públicos e desfilava ostensivamente pelas ruas de Vila Rica com suas
muitas concubinas. Foi satirizado pelas Contas Chilenas, livro
provavelmente escrito por Tomás Antônio Gonzaga, no qual era
chamado de “Fanfarrão Minésio”.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 84.