A
Revolução de 30 deu-se, portanto, em meio aos esgotamento de um
padrão de desenvolvimento capitalista baseado na agroexportação de
um só produto. Tinha fim a hegemonia dos interesses cafeicultores
sobre a nação, bem como desarticulava-se o sistema político do
liberalismo excludente.
O grupo
que empolgou o poder no imediato pós-30 era constituído por membros
dos setores agropecuários não-exportadores em associação com
militares da oficialidade tenentista. Embora parte da oligarquia
gaúcha que apoiara Vargas tivesse a expectativa de que, com a
Revolução, os rio-grandenses passassem a ocupar a antiga posição
dos paulistas no controle da política nacional, a gama dos problemas
nacionais a resolver extrapolava em muito as meras pretensões
regionais.
Ante a
falência da cafeicultura como sustentáculo do padrão de acumulação
nacional, tratava-se antes de mais nada de garantir a continuidade do
desenvolvimento capitalista brasileiro através de novos padrões.
Ligado a esta questão, encontrava-se o problema de garantir as
condições de dominação sobre as classes subalternas, incorporando
reivindicações proletárias, desarticulando o movimento operário e
garantindo a ordem social. Tais questões – emergenciais e
prioritárias – achavam-se ligadas ao problema de dar uma nova base
de legitimidade ao Estado, ampliando-o enquanto participação dos
diferentes setores sociais.
Paralelamente
e ao mesmo tempo imbricados com tais questões nacionais, achavam-se
os interesses regionais e setoriais, das várias frações da
burguesia brasileira. Da mesma forma, havia alianças com o Exército
e expectativas das camadas médias urbanas, sem contar a necessidade
de incorporação, de forma tutelada, da massa popular das cidades.
A
revolução de 30 constituiu-se em mais uma etapa da revolução
burguesa que se desenvolvia no país, construindo progressivamente um
modo capitalista de produção e solidificando as estruturas
políticas e administrativas de constituição do poder burguês no
Brasil.
Quanto
ao primeiro problema a enfrentar – as possíveis saídas para o
desenvolvimento capitalista brasileiro que não a agroexportação –
o governo passou a atuar através de medidas até certo ponto
emergenciais. A cafeicultura, por exemplo, precisava ser atendida e o
governo tanto recorreu à emissão e desvalorização da moeda, para
atenuar a baixa do preço do artigo no mercado internacional, quanto
passou a comprar, queimar ou jogar no mar, o café excedente. Outras
medidas complementares foram tomadas, tais como a proibição de
plantio de novos pés de café e o pagamento pelo governo de 50% do
débito dos cafeicultores aos bancos, indenizando os credores com
apólices federais.
Paralelamente
a tais medidas, que tiveram o efeito de salvar o café da crise, mas
transferiram para a nação o custo da política econômica através
da inflação, o governo empenhou-se na diversificação da economia
brasileira.
Esta
proposta visava, por um lado, diversificar a pauta das exportações
brasileiras, suprindo o recuo da posição ocupado pelo café nas
vendas internacionais. Com isso, entrariam divisas e a nação
restabeleceria o equilíbrio da sua balança comercial. Por outro
lado, a diversificação da economia possibilitaria a integração do
mercado interno brasileiro e o consequente recuo das importações,
com notória economia das divisas, uma vez que as diferentes regiões
trocariam entre si produtos que antes adquiririam do mercado externo.
Por último, cabe registrar que tal política ia ao encontro dos
interesses das diferentes economias regionais, tanto voltadas para o
abastecimento do mercado interno quanto as voltadas para a
exportação. Quanto às trocas internacionais, inaugurou-se uma
sistemática de intercâmbio produto-produto, sem mediação de
divisas, como por exemplo o comércio com a Itália e Alemanha,
alcunhada de “política da lira e do marco compensado”.
O
resultado prático das várias medidas levadas a efeito pelo governo
para encontrar saídas para o desenvolvimento capitalista brasileiro
foi tornar a indústria o novo setor de ponta da economia brasileira.
O
desenvolvimento industrial pós-30 é resultado de um crescimento
progressivo do setor desde as últimas décadas do século passado,
ao que se conjugaram os efeitos da crise de 29, quando as
perturbações no mercado internacional estimularam a substituição
interna das importações. A tais fatores devem ser acrescentadas a
ação do Estado e a pressão dos próprios empresários.
No
decorrer da década de trinta, a dinâmica da acumulação do capital
passou do setor agrário para o industrial, mas a indústria ainda se
apoiava na produção de bens duráveis e semiduráveis. As bases
técnicas e financeiras eram ainda insuficientes para que se
instalasse um setor de bens de produção, fazendo o desenvolvimento
industrial brasileiro atingir novos patamares.
No que
toca ao segundo problema emergencial que se apresentava aos novos
detentores do poder no pós-30 – o estabelecimento de novas formas
de controle social -, procedeu-se à intervenção direta do Estado
no mercado de trabalho, através da legislação social e da
sindicalização das classes produtoras atreladas ao governo. O
sentido básico da nova política social correspondia tanto à
necessidade de assegurar as condições de dominação sobre a classe
trabalhadora, contendo o conflito quanto de garantir as condições
de reposição da força-trabalho, estabelecendo condições mínimas
para o operariado. Por outro lado, não estavam ausentes das
iniciativas trabalhistas as próprias necessidades econômicas do
governo, identificando-se no fundo previdenciário instalado a
constituição de uma reserva para o financiamento de setores
prioritários como a indústria de base.
Ambas as
questões – uma saída para o capitalismo e novas formas de
controle social – estavam relacionadas com a redefinição do
Estado brasileiro.
De uma
certa forma, o Estado pós-30 cumpriu as promessas da plataforma da
aliança Liberal ao se abrir à participação dos demais grupos
sociais, envolvendo em seu programa as diferentes frações
burguesas, incorporando as classes médias em função do aumento da
burocracia e, por último, cooptando parte do operariado com a
legislação social. Tal processo de ampliação da base política do
Estado não invalida a constatação de que a elite dirigente
(tecnocracia civil-militar) que passou a ocupar os cargos decisórios
correspondia a uma gama de interesses burgueses que eram prioritários
sobre os demais. Ou seja, o fato de o Estado se revelar como
representante de todas as classes sociais e buscar a sua legitimidade
nas massas demonstra que a burguesia estava conseguindo fazer passar
para a sociedade os seus interesses particulares como se fossem
universais.
O Estado
brasileiro se complexificava e modernizava, incorporando interesses
emergentes e revelando a diversificação da economia e da sociedade
brasileira.
Neste
sentido, o novo Estado realizou um reordenamento institucional
visando à centralização administrativa e passou a intervir e
regulamentar o aparelho burocrático, num processo de crescente
estatização.
Ocorreu
a hipertrofia do Executivo central com a centralização das decisões
e recursos. Com a criação de novos órgãos e funções, ampliou-se
o aparelho burocrático, com a deliberada incursão do Estado nos
planos educacional, de saúde, habitação, ao mesmo tempo em que se
proliferaram empresas estatais e de economia mista.
Com
relação às classes produtoras, progressivamente o Estado foi
implantando uma estrutura corporativista, na qual se processava a
arregimentação dos grupos econômicos no sentido do seu
entrosamento com o governo sem a mediação dos partidos políticos.
Ora
perpassando por todas estas questões e deliberações tomadas no
pós-30, achava-se a questão de encontrar o melhor encaminhamento
para as mesmas . Ou seja, reorientar o desenvolvimento capitalista
brasileiro, garantir as condições de controle sobre os subalternos
e rearticular a coalizão dominante de classes que seriam mais bem
viabilizadas através de um governo liberal-democrático ou
autoritário? Ou ainda, o Brasil pós-Revolução de 30 enveredaria
para maior abertura política ou pelo fechamento?
Na
verdade, o período que se estendeu de 1930 até 1937oscilou entre as
duas propostas. De 1930 a 1934, o Brasil vivenciou o Governo
Provisório onde, na ausência de um Legislativo, o Executivo
governou através de decretos-leis. Em suma, tratou-se de uma etapa
discricionária e foi somente por pressões de grupos regionais de
poder – São Paulo e parte da oligarquia gaúcha -, articulados na
Revolução Constitucionalista de 1932, que foram convocadas eleições
e instalou-se a Assembleia Constituinte em 1934. De 1934 a 1937, o
Brasil atravessou um período constitucional, sendo Getúlio Vargas,
chefe do Governo Provisório, eleito indiretamente pelo Congresso
como primeiro presidente constitucional do pós-30.
Pela
nova lei eleitoral de 1932 estabeleceu-se o voto secreto e foram
incluídas as mulheres como eleitoras.
Parte
das oligarquias reorganizou-se nos estados, sob a liderança de
alguns nomes, como Flores da Cunha no Rio Grande do Sul, que com a
reconstitucionalização passara de interventor a governador eleito.
Nos anos
que decorreram até 1937 radicalizou-se a política brasileira, com a
emergência de agremiações de direita e de esquerda que
contribuíram para desestabilizar a sociedade brasileira.
A Ação
Integralista Brasileira, chefiada por Plínio Salgado, e a Aliança
Nacional Libertadora, tendo por presidente de honra Luís Carlos
Prestes, corresponderam à orientação de caráter fascista, por um
lado, e comunista, por outro. Mais do que meras organizações que
expressavam tendências ideológicas, o integralismo e a ANL
configuraram a exteriorização de inconformidades sociais, temor de
proletarização e agravamento das condições de vida das camadas
populares urbanas e dos pequenos proprietários rurais.
O
movimento integralista, forma de fascismo indígena, apoiava-se numa
série de princípios caros à parte significativa dos setores médios
brasileiros que viam no esvaziamento do seu poder aquisitivo o risco
de se proletarizarem. Palavras de ordem como propriedade, família e
tradição calavam fundo junto à pequena burguesia e particularmente
entre o colonato alemão e italiano que não se encontrava alheio aos
sucessos políticos do fascismo na terra de origem de seus pais. Por
outro lado, a Aliança Nacional Libertadora correspondeu à
orientação da Internacional Comunista de formação de frentes
únicas na América Latina que consagrassem trabalhadores e classes
médias. O enfrentamento de ambos os grupos, causando intranquilidade
social, vinha ao encontro dos interesses do grupo que apostava no
fechamento da política brasileira como melhor forma de encaminhar as
medidas necessárias para a consolidação do Estado burguês.
Na
verdade, por pressão da sociedade civil, o governo pós-30 fora
obrigado a abrir o regime político sem que se consolidasse um novo
marco integrador dos interesses sociais. Às pressões oligárquicas
regionais de 1932 somaram-se os conflitos entre aliancistas e
integralistas em 1935, acrescentados do recrudescimento das greves
operárias. Sob a liderança do Partido Comunista, tais movimentos
passaram a expressar o descontentamento com a legislação social
outorgada pelo Estado, bem como a estratégia dos representantes do
Ministério do Trabalho, que tendiam a identificar-se com os
interesses dos patrões e não com os dos empregados.
Neste
contexto de intranquilidade, o governo fechou a Aliança Nacional
Libertadora no mesmo ano de 1935 e fez aprovar a Lei de Segurança
Nacional. O incremento da repressão estimulou novas reações, como
a Intentona Comunista de novembro de 1935, articulada por elementos
das Forças Armadas e que por sua vez propiciou novas ações
repressivas do governo. Foi declarado estado de sítio e após deu-se
a equiparação deste ao estado de guerra, suspenderam-se as
garantias individuais e organizou-se uma Comissão de Combate ao
Comunismo e um Tribunal de Segurança Nacional. Ganhava força a
marcha pelo fechamento político, levada a efeito pelo próprio
governo, que removia os últimos obstáculos para o golpe. No Rio
Grande do Sul, o governador Flores da Cunha reconstituíra um bloco
regional de poder, congregando as diferentes facções políticas em
torno de seu governo. Flores da Cunha representava o maior empecilho,
no plano dos estados, para a instalação da ditadura. Mediante
manobras de Vargas, a retirada de apoio político parlamentar a
Flores na legislatura estadual e a federalização da bancada gaúcha
obrigaram o governador a renunciar, fugindo para o Uruguai.
A
“descoberta” de um plano comunista para tomar conta do país,
enfraquecido “por acaso” no próprio Estado Maior do Exército,
marcou o desenrolar final dos acontecimentos. O Plano Cohen, forjado
especialmente para alarmar a sociedade brasileira, deu a
justificativa que faltava para o fechamento político, apesar da
campanha de sucessão presidencial se achar em curso.
O
Exército solicitou o estado de guerra, a opinião pública se
encontrava abalada e os políticos voltaram-se para os militares,
buscando neles o amparo e a salvaguarda das instituições.
A 10 de
novembro de 1937 era fechado o Congresso Nacional e tinha início o
Estado Novo. A ditadura se instalava numa sociedade já preparada
para a decretação do golpe. A consolidação do poder burguês no
país ingressava em uma nova fase e as classes dominantes transitavam
de uma forma burguesa para outra, mantendo a sua hegemonia sobre a
nação e o seu controle sobre os subalternos.
Estabelecia-se
o consenso de que a melhor forma de realizar o progresso econômico e
garantir a ordem social era através do regime autoritário.
Curiosamente, o Estado Novo se apresentava como o único capaz de
realizar a verdadeira democracia, através de um governo forte que
moralizaria as instituições, livrando-as de seus antigos vícios.
Fonte: O
Brasil Contemporâneo, de Sandra Jatahy Pesavento, páginas 41 a 48.