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domingo, 5 de julho de 2015

A Resistência Negra

A historiografia brasileira, até cerca de 25 anos atrás, preferiu adotar a tese segundo a qual os escravos “se adaptaram bem” ao regime tirânico que lhes foi imposto no Brasil e que, nesse país, a escravidão teria sido relativamente branda. O mito do “bom senhor” quase adquiriu força de lei depois do lançamento, em 1933, de Casa Grande & Senzala, de Gilberto Freyre. No início dos anos 60, surgiram textos revisionistas da chamada “escola paulista” - liderada por Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso. Embora avesso à tese de Freyre, esses estudiosos – de formação esquerdista – preferiam estudar a questão pelo lado da “coisificação” do escravo, quase ignorando as rebeliões da senzala. Cardoso chegou a escrever que os escravos foram “testemunhos mudos de uma história para a qual não existem a não ser com (…) instrumento passivo”.
Estudos mais recentes e mais profundos, porém, revelam que a resistência dos escravos foi feroz e constante: milhares de negros lutaram de todas as formas contra os horrores que o destino lhes reservava. A fuga, solitária ou coletiva, não era a única forma de rebelião: houve incontáveis casos de escravos que quebraram ferramentas, incendiaram senzalas, dispersaram os rebanhos ou atacaram seus feitores. Muitos outros optaram pelo suicídio (em geral provocado pela ingestão de terra), ou então se deixavam acometer pelo banzo, o torpor mortal que levava à morte pela inanição. Onde houve escravidão, houve resistência.
Evidentemente, a forma mais comum de protesto contra a escravidão era a fuga. Apesar do rigor das punições (que incluíam a marcação com ferro em brasa, o açoitamento e até o corte do tendão de Aquiles), milhares de negros tentaram escapar da senzala – e muitos conseguiram. Embora grande parte fosse recapturada pelos capitães do mato, terríveis caçadores de homens quase infalíveis (negros na maioria), sempre houve aqueles que “estimando mais a liberdade entre as feras do que a sujeição entre os homens”, lograram-se meter na mata e lá fundar seus mocambos e quilombos (respectivamente “esconderijo” e “povoação”, em banto).
Quantos foram os quilombos e quantos negros neles viveram é algo impossível de calcular. Em 1930, o Guia Postal do Brasil registrava, segundo um pesquisador, 168 agências cujo nome derivava de quilombo ou mocambo. Eles se espalhavam da Amazônia ao Rio Grande do Sul, e alguns chegaram a ter cerca de 10 mil habitantes, como o quilombo do Ambrósio, em Minas. Não eram só negros de todas as tribos e línguas que viviam nos quilombos: também índios e brancos desajustados ou fora da lei podiam ser encontrados neles. Embora as autoridades e os senhores de escravos constantemente se unissem para articular expedições repressivas, enviadas a todo e qualquer quilombo, onde quer que eles se encontrassem, muitos desses núcleos resistiram por anos a fio. O maior e mais importante deles – Palmares, o berço de Zumbi – foi capaz de sobreviver por quase um século.

A Escravidão Indígena

Do descobrimento ao início efetivo da colonização, por volta de 1532, não houve escravidão indígena no Brasil: os portugueses conseguiam o que queriam – mantimentos e pau-brasil – através do escambo. Com a chegada da lavoura açucareira, a escravização começou e não poupou nem mesmo antigos aliados lusos. A partir da metade do século 16, porém, escravos africanos começaram a substituir os indígenas. Supostamente a troca se deu por causa da absoluta inadaptabilidade dos nativos ao trabalho agrícola. Mas a verdade é que, enquanto a captura dos índios só trazia lucros para os colonos, a escravidão negra logo se tornaria um negócio complexo e altamente rentável, gerando fortunas e trocas entre três continentes. Além disso, não apenas a coroa como também os jesuítas eram radicalmente contra a escravização dos índios – e grandes incentivadores do tráfico negreiro. Dezenas de leis foram feitas para proteger os nstivos do Brasil - os colonos, de todo o modo, logo trataram de transformá-las em letra morta. Protegidos ou não aos índios resultou um destino ainda mais cruel do que aquele reservado aos africanos: a maior parte das tribos foi extinta. De qualquer forma, índios e negros raramente se aproximaram, nunca se uniram e jamais procuraram ver o português como inimigo comum. Odiavam-se mutuamente.


Fonte: História do Brasil (1196), página 79.