Encarcerado,
havia três anos, o prisioneiro caminhava com dificuldade e mal
conseguia abrir os olhos. A alva ( o tosco roupão vestido pelos
condenados) roçava os tornozelos. O baraço ( a grossa corda de
forca) rodeava-lhe o pescoço e se estirava até as mãos do carrasco
que o conduzia. Nas janelas, nas portas, nos beirais, pelas árvores,
o povo acompanhava cada gesto do padecente. À frente ia a cavalaria,
com suas fanfarras. Depois, o clero, os franciscanos e a Irmandade da
Misericórdia, rezando salmos. A seguir, acorrentados e monologando
com o crucifixo que trazia à altura dos olhos, ia o condenado. Às
vezes, a procissão parava. O escrivão, então, lia o mandado:
“Justiça que a rainha manda fazer a este infame, réu Joaquim José
da Silva Xavier, pelo horroroso crime de rebelião e alta traição
de que se constituiu chefe e cabeça na capitania de Minas Gerais...”
Às 11 da manhã, sob um sol abrasador, o séquito chegou ao Campo de
São Domingos, no Rio de Janeiro, local do patíbulo.
Três
horas antes, partira do presídio. Lá, quando o carrasco, o negro
Capitania, se aproximou, com o baraço e a alva, o condenado
adiantou-se e beijou-lhe as mãos e os pés. A seguir, quando lhe
ordenaram que se despisse para vestir a alva, ele tirou a camisa e
disse: “Meu Salvador morreu também assim, nu, por meus pecado.”
Agora, a vítima subia os degraus do patíbulo. Era sábado, dia 21
de abril de 1792.
O édito
da rainha conclamara o povo do Rio a assistir à execução, e a
praça estava repleta. À sombra da forca, o prisioneiro pediu ao
carrasco que “acabasse logo com aquilo”. Mas faltavam os sermões.
O frade Raimundo de Penaforte citou o Edesiastes: “Nem por
pensamento detraias do teu rei, porque as mesmas aves levarão a tua
voz e manifestarão teus juízos”. Em seguida, quando o povo e o
padecente rezavam o credo, de súbito, em meio a uma frase, houve um
baque surdo e o corpo da vítima balançava no ar. Para apressar a
morte, o carrasco pulou sobre os ombros do enforcado. Ambos dançaram
um bailado tétrico. Morria o Tiradentes.
Mas a
condenação ainda não estava completa: a sentença determinava que
o corpo fosse “espostejado”, e o esquartejamento começou em
seguida. Dividido em quatro pedaços, bem salgados e postos dentro
ele grandes sacos de couro, o corpo de Tiradentes partiu para a
última viagem. O quarto superior esquerdo foi pendurado num poste na
Paraíba do Sul. O quarto superior direito foi amarrado numa
encruzilhada na saída de Barbacena. O quarto inferior direito ficou
na frente da estalagem de Varginha, o último foi espetado perto de
Vila Rica, cidade a qual a cabeça de Tiradentes chegou em 20 de maio
de 1792. Ficou enfiada num poste, defronte da sede do governo.
Tiradentes saía da vida para entrar na história.
A
Rainha Louca
A
terrível sentença contra o alferes Joaquim José da Silva Xavier
incluía ainda a difamação de seus descendentes até a terceira
geração, a destruição de sua casa, em Vila Rica, o salgamento do
chão e o erguimento de um marco no local, para preservar a memória
infame do abominável réu – foi proferida às duas da manhã de 19
de abril de 1792. Conhecido como Tiradentes – devido à profissão
que eventualmente exercia - , o alferes foi considerado líder da
conjuração (ou Inconfidência) Mineira e o único dos implicados
condenado à morte. A sentença foi pronunciada em nome da rainha de
Portugal, D. Maria I. Mas ela, com certeza, nada soube do caso: D.
Maria era casada com seu tio, o rei consorte D. Pedro III. Em 1786, o
rei morreu, vítima de embolia cerebral. Dois anos depois, a varíola
levou-lhe o filho mais velho, José. Outro ano, estourou a Revolução
Francesa. Esse parece ter sido o golpe fatal para D. Maria: ela
passou a ter certeza que seria decapitada e, depois de morta, iria
para o inferno.
Alguns
historiadores acham que foi o bispo José Maria de Melo, seu
confessor, quem lhe despertou a paranoia e a carolice ensandecida. Em
1792, D. João tornou-se regente e em 1799 os médicos consideraram a
rainha incurável. D. Maria vivia trancada no palácio, gritando e
quebrando o que visse pela frente. Morreu em 1816, no Brasil, para
onde viera em 1808.
Fonte:
História do Brasil (1996), página 81.