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segunda-feira, 15 de junho de 2015

A Idade e Ouro da China: os Song do Norte e do Sul

O desabrochar só crescimento material na China

Os três séculos em que os Song dominaram a China atestam uma curiosa anomalia. Essa época foi, por uma lado, extremamente criativa, e a China avançou então mais do que o resto do mundo em termos de invenções tecnológicas, produção material, filosofia política, governo e cultura de elite.
Livros impressos, pinturas, o sistema de exames para o serviço civil são exemplos de preeminência da China. Por outro lado, foi justamente durante esse período da expansão chinesa que invasores tribais, oriundos da Ásia Interior, começaram gradualmente a assumir o controle administrativo e militar do Estado e do povo chinês. Estariam as realizações culturais da China na época dos Song relacionadas à dominação não-chinesa? Essa é um questão central, embora complexa.
Em 960, o comandante da guarda do palácio da última das Cinco Dinastias do Nore da China foi aclamado por suas tropas com o novo imperador. Assim levado ao poder, Zhao Kuangyin fundou a dinastia Song. Ele e seu sucessor, prudentes e hábeis, aposentaram os generais, substituíram os governadores militares por funcionários civis, concentraram as tropas de elite no exército palaciano, construíram uma burocracia composta de diplomados por meio de exames e centralizaram a receita. O controle dos militares e o estabelecimento de um novo poder civil foi exemplarmente realizado. O século e meio durante o qual os Song do Norte ocuparam o poder (960-1126) foi um dos períodos mais criativo da China, de certo modo semelhante à Renascença, que começaria na Europa dois séculos mais tarde.
A avaliação do lugar estratégico ocupado pelo Song na história da China requer a adoção de diferentes abordagens. A primeira seria sob o plano do crescimento material demográfico, urbano e referente à produção, à tecnologia e ao comércio interno e externo.
A população da China atingiu cerca de sessenta milhões de habitantes em meados do período Han (por volta de 2 d.C.). Depois de conhecer um provável declínio na era da desunião, ela aparece ter chegado de novo entre cinquenta e sessenta milhões de habitantes no ápice da dinastia Tang, no início dos anos 700. Ela voltou a crescer para cerca de cem milhões no início da dinastia Song, permanecendo estável por volta de 120 milhões até o fim do século XII: podemos dizer que 45 milhões se concentravam ao norte do rio Huai e 75 milhões ao longo do Yangzi e em direção ao sul.
O crescimento da população acarretou um desenvolvimento da vida urbana que na capital se tornou espetacular Kaifeng, centro político e administrativo dos Song do Norte, mantinha uma grande concentração de funcionários e de pessoal de serviço, tropas e parasitas atraídos pela corte. Essa cidade tinha apenas quatro quintos da superfície da capital Tang, Chang'an, mas era três vezes maior do a Roma antiga. Em 1021, sua população intramuros era de cerca de um milhão. Em 1100, os registros totalizaram 1,05 milhão de pessoas e, se adicionarmos o exército, cerca de 1,4 milhão.
Tal concentração urbana só podia ser alimentada na medida em que Kaifeng se encontrava próxima à junção do primeiro Grande Canal com o rio Amarelo, que comandava o transporte fluvial por barcaças desde o celeiro de grãos do baixo Yangzi.
O comércio interno e inter-regional chinês era facilitado por transportes baratos através do Grande Canal, do Yangzi, seus afluentes e lagos e de outros rio e sistemas de canais. Essas vias aquáticas estendiam-se por cerca de 48 mil quilômetros, criando a mais populosa área de comércio do mundo. O comércio exterior sempre foi uma derivação desse grande comércio interno da China.
A indústria cresceu em Kaifeng, em primeiro lugar para atender às necessidades do governo. Por exemplo, o Norte da China tinha então extensos depósitos de carvão e ferro, que podiam ser transportados a baixo custo por via aquática para a capital. A exaustão dos recursos florestais por volta de 1.000 d.C. Obrigou as fundições de ferro a usarem carvão mineral em vez de carvão vegetal nos altos fornos de coque. Além disso, o ferro fundido assim produzido permitiu que os trabalhadores do ferro da dinastia Song desenvolvessem uma técnica de eliminação do carbono para a produção do aço. Por volta de 1078, o Norte da China estava produzindo anualmente mais de 114 mil toneladas de ferro-gusa (setecentos anos mais tarde, a Inglaterra produzia apenas a metade dessa quantidade).
Essa atividade forneceu cotas de malhas e armas feitas de aço à indústria da guerra. Antes disso, usava-se uma proto artilharia sob a forma de catapultas para as guerras de sítio, e a pólvora foi originalmente empregada em lanças incendiárias, granadas e bombardas. Se os cercos primitivos conseguiam manter-se, era porque os estoques de suprimentos de uma cidade sitiada lhes permitia, com frequência, resistir a seus sitiadores, obrigados a pilhar campos estéreis. AS novas armas dos Song podiam agora demolir muralhas e portões, explodir minas de pólvora e provocar incêndios no interior das muralhas.
Infelizmente para a dinastia dos Song do Norte, essa tecnologia de guerra foi rapidamente adotada pelos invasores Ruzhen, que estabeleceram sua dinastia Jin no Norte da China, depois de capturar Kaifeng, em 1126. Uma nova capital Song foi então criada no Sul, em Hangzhou.
Em seu apogeu, no início de 1200, a grande capital dos Song do Sul estendeu-se por mais de 32 quilômetros, ao longo do estuário do rio Quantang. Ela ia desde os subúrbios do Sul, com mais de quatrocentos mil habitantes, passando pela cidade imperial murada, com meio milhão de habitantes, até os subúrbios do Norte, com cerca de duzentas mil pessoas. Como notou Marco Polo, Hangzhou possuía algumas características similares às de Veneza. Água corrente oriunda do grande lago do oeste fluía pela cidade, por uma vintena ou mais de canais que também serviam para carregar os dejetos em direção ao leste, para as marés do estuário do rio.
No interior de suas muralhas, a cidade tinha cerca de dezoito quilômetros quadrados, cortados ao meio pela larga Via Imperial, que corria do sul ao norte. Antes da conquista mongol, em 1279, Hangzhou possuía uma população de mais de um milhão de habitantes (algumas estimativas chegam a dois milhões e meio), o que a tornava a maior cidade do mundo. A Veneza de Marco Polo teria talvez cinquenta mil habitantes: é fácil entender por que a vida urbana da China fascinou tanto.
Durante a dinastia Song do Sul, o comércio exterior fornecia a maior parte da receita do governo – única vez em que isto ocorreu antes do século XIX. A demanda de artigos de luxo em Hangzhou, especialmente de especiarias importadas pela Rota das Especiarias – que ia da Índia Ocidental até a China e que se estendia até a Europa – está na base da rápida expansão do comércio exterior na época Song. A demanda era tão elevada que as famosas exportações chinesas de sedas e porcelanas, assim como de moedas de cobre, não eram assim como de moedas de cobre, não eram suficientes para contrabalançá-las. A diáspora islâmica – que chegou a Espanha e influenciou profundamente a Europa – provocou também, na época dos Song, uma grande expansão do Comércio marítimo nos portos chineses de Gunazhou (Cantão), Quanzhou (Zayton), Xiamen (Anoy), Fuzhou e Hangzhou. Embarcações chinesas desciam pela costa da Ásia Oriental até as Índias e, dobrando a Índia chegavam até mesmo à África Oriental, mas o comércio exterior dos Song do Sul encontrava-se ainda fortemente concentrado nas mãos dos árabes. Os impostos que recaíam sobre eles permitiam que os Song do Sul se apoiassem mais no sal e nas taxas comerciais do que no tradicional esteio da vida imperial, ou seja, os impostos sobre a terra. Um dos efeitos desse aumento do comércio foi ter revivido o uso do papel-moeda, inaugurado pelos Tang, que começou com notas de pagamento do governo para a transferência de fundos, notas promissórias e outros papéis de poder de negociação limitado, chegando até a emissão, pelo governo, de papel-moeda em todo o território nacional. Tal como o carvão, o papel-moeda também fascinou Marco Polo.
A tecnologia náutica chinesa era a melhor do mundo nesse período. Os grandes navios compartimentados da China (com até quatro converses, quatro ou seis mastros e doze velas), dirigidos por um leme de popa e pelo uso de mapas e da bússola, podiam embarcar até quinhentos homens. Essa tecnologia era bem mais avançado do que a que estava em vigor na Ásia Ocidental e na Europa, onde as galeras mediterrâneas ainda utilizavam força muscular e um ineficiente sistema de população a remo.
Essas facetas são penas alguns exemplos das realizações dos Song. Qualquer expansionista dotado de uma mente moderna, ao voltar o olhar para todo esse crescimento e criatividade, pode imaginar como a China dos Song, poderia ter dominado o mundo marítimo e alterado o curso da história, invadindo e colonizado a Europa a partir da Ásia. Aparentemente, a única coisa que faltava era motivação e incentivo. É evidente que isso é apenas uma fantasia pouco convencional, mas ela permite que nos perguntemos sobre o que impediu um maior desenvolvimento da “revolução econômica medieval” da China, nas palavras de Mark Elvin (1973). É fácil apontar os invasores bárbaros e culpar a conquista mongol por ter bombardeado o navio do Estado Song em sua rota tão promissora em direção aos tempos modernos. Essa interpretação apresenta a fascinação própria a toda teoria centrada em uma causa única, porém, como veremos a seguir, elas foram muitas.
As seções seguintes mostrarão como o sistema de exames tornou-se uma fonte importante de fornecimento de burocratas para o serviço civil: como a menor possibilidade de obter um cargo no serviço civil encorajou a classe dos eruditos (shi) a retornar ao seu envolvimento nos assuntos locais como líderes da aristocracia rural; e como a filosofia neoconfunciana ajudou essa mudança de foco.


Fonte: China – Uma Nova História, páginas 95 a 100.