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segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Guerrilha do Araguaia

Os segredos do Araguaia
A falta de informações exatas sobre a guerrilha se deve à destruição de documentos relacionados ao conflito.


Eumano Silva
Da Equipe do Correio Braziliense
16/03/2004

Os brasileiros ainda conhecem pouco a respeito de um dos fatos mais importantes da história do país. Durante três anos, na primeira metade da década de 1970, o Exército travou uma luta sangrenta contra militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) no sudeste do Pará. O episódio ficou conhecido como Guerrilha do Araguaia.

Os combates terminaram no final de 1974. Os números finais do confronto armado travado às margens do rio Araguaia são imprecisos, mas estima-se que tombaram cerca de 60 guerrilheiros comunistas, dezesseis militares e mais ou menos uma dezena de moradores da região envolvidos no conflito.

As Forças Armadas deslocaram milhares de homens para a Amazônia, algo em torno d dez mil, movimentação de tropas só comparada à guerra de Canudos, no final do século XIX, e à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, na década de 1940. A falta de informações exatas se deve à decisão tomada pelos militares, de destruir todos os vestígios e documentos relacionados ao confronto.

Os únicos arquivos existentes foram preservados por militares interessados em preservar a história dos combates, alguns divulgados nos últimos anos por diferentes jornais e revistas. As últimas revelações documentadas foram feitas no ano passado pelo Correio numa série de reportagens sobre o conflito armado.

O PCdoB organizou a guerrilha com o objetivo de montar um exército popular para derrubar a ditadura militar, instalada em 1964, e implantar o socialismo no Brasil. O partido se inspirava na revolução liderada, na China, por Mao Tse Tung entre as décadas de 1920 e 1940.

A região do Araguaia foi escolhida pelo PCdoB por apresentar características favoráveis à implantação de uma guerrilha. A selva amazônica representava um esconderijo natural, a exemplo do que acontecera no Vietnã pouco tempo antes, e fornecia alimentos para os combatentes. As carências da população sem qualquer assistência dos governos nas áreas de saúde e educação e os conflitos de terra, entre posseiros e grileiros, facilitavam a aceitação do discurso comunista contra os militares no poder.

O partido enviou para o Araguaia militantes perseguidos na cidade pelas forças da repressão, em grande parte jovens com ativa participação no movimento estudantil. O nome mais conhecido hoje é o atual presidente do PT, José Genoino, ex-diretor da União Nacional dos Estudantes, sobrevivente dos combates.

Luta

Os guerrilheiros começaram a chegar à região em 1966, muitos treinados na China. Compraram terras, plantaram roças e ficaram amigos dos moradores. Sem dizer quem eram, prestavam serviços na área social. Alguns eram médicos, ou estudantes de medicina, outros professores.

Os militares descobriram o embrião da guerrilha no início de 1972 e decidiram usar de todos os meios para impedir o avanço do comunismo no Brasil, na época presidido pelo general Emílio Garrastazu Medici. Prenderam, torturaram, mataram e cortaram cabeças de combatentes comunistas.

O principal responsável pelas mortes de guerrilheiros, muitos executados depois de presos, foi o então major Sebastião Rodrigues de Moura, o Curió, atual prefeito da cidade de Curionópolis (PA), por ele fundada depois dos conflitos na região do garimpo da Serra Pelada.

A luta armada deixou profundas marcas na população do Araguaia. Muitos moradores eram amigos dos guerrilheiros ou tinham gratidão pelos serviços prestados pelos militantes. Foram obrigados a colaborar com a repressão ou acabaram presos e torturados. Alguns morreram em dependências das Forças Armadas. Os comunistas também executaram pelo menos dois camponeses que ajudaram os militares.

As Forças Armadas quiseram acabar com os vestígios da guerrilha para evitar que o movimento estimulasse iniciativas semelhantes. Também agiram para esconder os métodos sangrentos usados no conflito. Ainda hoje os familiares dos que buscam informações sobre as circunstâncias das mortes e o local onde foram enterrados os militantes tombados no Araguaia. Os militares sustentam a versão de que não possuem documentos que ajudem a contar a história.

Nas duas últimas semanas o governo enviou uma expedição à região para tentar encontrar ossadas em locais apontados por soldados como covas de combatentes mortos, mas nada foi encontrado. Por conta dos métodos antigos e atuais das Forças Armadas, os brasileiros continuam sem conhecer um dos fatos mais importantes ocorridos no século passado.


Eumano Silva é repórter especial do Correio e está escrevendo um livro sobre a Guerrilha do Araguaia em parceria com a estudante de jornalismo Ta´´is Morais.