Nunca
existe um motivo único para justificar uma guerra. Desentendimentos,
disputas, diferenças de opinião e de crenças vão se acumulando ao
longo dos anos e acabam sendo as verdadeiras razões de conflitos. O
chamado “motivo” costuma ser apenas a “gota d'água”.
O
pano de fundo
A
ironia da frustrada invasão russa por Napoleão em 1812 foi ter
permitido e encorajado os romanos a adquirirem importância na cena
internacional. A Rússia de Catarina, a Grande (1729-1796) havia sido
significativamente pró-britânica. Seu sucessor, Paulo I (1796-1801)
tendia para Bonaparte, mas não viveu muito. Seu filho, Alexandre I
(1801-1825) rapidamente realinhou a Rússia com os britânicos até o
fim das Guerras Napoleônicas.
Após a morte de Alexandre I em 1825,
tudo mudou. Foi sucedido por seu irmão, Nicolau I (1825-1855), um
tirano obcecado com expansão territorial. Isto levou a dois novos
pontos de atrito na fronteira sul da Rússia; na tentativa de tomar a
Crimeia do Império Turco e na tentativa de desestabilizar os
britânicos na Índia. Esta última ficou conhecida entre os
britânicos como o “Grande Jogo” e, entre os russos, como
“Torneio das Sombras”. Seguiu-se um período de pequenos levantes
e guerras locais, culminando com a Primeira Guerra do Afeganistão
(1839-1842). A “Fronteira Noroeste” (as terras entre o
Afeganistão e o Paquistão atual, onde se escondiam os Talibãs e a
Al Qaeda até 2001) do Império Britânico continuariam sendo um
problema por mais um século de “Grande Jogo”.
A
gota d'água
A
Guerra da Crimeia se estendeu de 1854 a 1856. Aparentemente começou
uma discussão entre monges ortodoxos russos e católicos franceses
sobre quem teria precedência sobre os locais sagrados em Jerusalém
e Nazaré. Em 1853 os ânimos se acirraram resultando em violência e
caos de morte em Belém. O Czar Nicolau I aproveita o incidente,
provavelmente preparado: alega estar defendendo os cristãos que
habitavam os domínios do sultão turco e seus templos na Terra
Santa. Envia então tropas para ocupar a Moldávia e Valáquia (a
atual Romênia). Esta reposta, os turcos declaram guerra à Rússia.
Com a guerra declarada, a frota russa destruiu a flotilha turca em
Sinope, no Mar Negro.
Era
mais movimento de ataque no “torneio das Sombras”, calculado para
aumentar a presença russa no Mar Negro e, desta forma, ampliar sua
influência por todo o Mediterrâneo e no Oriente Médio. Para evitar
a expansão russa, os britânicos e franceses abandonaram uma
rivalidade secular e decidiram se declarar a favor dos turcos em 28
de março de 1854. A Rainha Victória, fazendo o “Grande Jogo”, e
Louis Napoleão III, imperador da França e sobrinho de Napoleão I,
ansioso por repetir o sucesso militar do tio, enviam forças
expedicionárias para o Bálcãs; os britânicos comandados pelo
General Lord Reglan, que havia participado da batalha de Waterloo; os
franceses comandados pelo Marechal St. Arnaud e, depois da sua morte
causada pela cólera, pelo General Canrobert, ambos veteranos das
guerras francesas na Argélia; os turcos do General Omar Pasha.
Em setembro de 1854 os russos já
haviam sido expulsos da Moldávia e da Valáquia. A guerra deveria
ter terminado neste ponto, mas Lord Palmerstone, primeiro ministro
britânico, decidiu que a grande base naval russa em Sabastopol
constituía uma ameaça direta à segurança da região no futuro. As
forças expedicionárias, então, se dirigem para a península da
Crimeia.
Apesar da vitória, os britânicos e
seus aliados foram pouco competentes. A Guerra da Crimeia tornou-se
sinônimo de comando pobre e de fiasco em logística.
Em 20 de setembro de 1954 os aliados
enfrentaram os russos em Alma. Foi adotado um plano simples: os
franceses contornaram o flanco esquerdo (do lado do mar) do inimigo
e, logo após, os britânicos fariam um assalto frontal. Devido à
primeira de uma série de trapalhadas que caracterizaram esta guerra,
os britânicos foram obrigados a tacar antes dos franceses terem
alcançado seu objetivo. Lord Raglan avançou tanto que passou a
dirigir a batalha atrás das linhas russas. Após cerca de 3 horas,
os russos estavam completamente batidos e fugiram em debandada. Lord
Raglan quis persegui-los, porém, o Marechal St. Arnaud não
concordou. O exército russo pode voltar para Sabastopol e o Tenente
Coronel Todleben, um jovem gênio engenheiro militar, começou a
preparar as defesas da cidade.
As forças aliadas decidiram cercar
Sebastopol. Os britânicos tomaram Balaclava sem derramamento de
sangue e aí estabeleceram sua base de suprimentos. Os franceses
tomaram o porto de Kamiesch que estava sem defesa. Começaram a
chegar armas e munição para o cerco. Em 17 de outubro de 1854 os
aliados começaram a bombardear Sebastopol e, depois de dois dias de
intensos bombardeio, não havia sinais de sucesso. As invés de se
intimidar, em 25 de outubro de 1854 o General Menschikoff ataca a
milícia turca, que não suporta o ataque e recua. Outra força russa
ataca as forças britânicas que fica ocupada repelindo os cossacos.
Enquanto isso, os russos estavam calmamente recolhendo as armas
britânicas deixadas para trás pelos turcos.
Lord Reglan passou a enviar ordens
desesperadamente para a Brigada de Cavalaria Ligeira começou – na
direção completamente errada!
Dez dias depois, os russos atacaram
novamente. A Batalha de Inkermann, como ficou conhecida, foi uma
verdadeira carnificina: o número de russos foi maior que o número
de soldados aliados atacados. Após esta batalha as condições do
tempo pioraram muito e as atividades dos aliados se restringiam em
manter o cerco Sebastopol. Durante o inverno de 1854/1855, a falta de
suprimentos dos militares britânicos acabam matando quatro vezes
mais homens do que a ação do inimigo – milhares morreram de
doenças, exposição ao frio e má nutrição. Um regimento de mais
de mil integrantes, em janeiro de 1855 estava reduzido a sete homens.
Com a chegada da primavera começaram a vir agasalhos e roupas de
inverno da Inglaterra. Era um pouco tarde!
Os ataques dos aliados falharam
repetidamente da mesma forma que as tentativas dos russos em
expulsá-los. Lord Raglan não resiste e morre em 28 de junho de
1855. Finalmente, em 8 de setembro de 1855, os aliados tentam
novamente tomar Sebastopol. Os franceses tiveram sucesso, os
britânicos falharam mais uma vez. Os russos são obrigados a recuar
depois de uma defesa excepcional que manteve as melhores tropas do
mundo paralisadas por mais de onze meses.
Após a queda de Sebastopol, a guerra
da Crimeia chegou ao fim. Apesar disso, as hostilidades ainda
persistiram até fevereiro de 1856 e a paz só foi declarada no final
de março do mesmo ano. Aos combatentes restou a medalha “Victoria
Regina”, das quais foram distribuídas 275.000.
O
telégrafo elétrico
O
desenvolvimento do telégrafo elétrico e o “Grande Jogo/Torneio
das Sombras” são fatos aparentemente isolados que acabaram se
encontrando na Guerra da Crimeia. Foi a primeira guerra de porte que
aconteceu na era do telégrafo elétrico e suas batalhas acabaram
sendo o batismo de fogo desta nova tecnologia.
O telégrafo da Crimeia possuía dois
aspectos distintos, ou seja, um sistema telegráfico de oito estações
ao redor da Balaclava e um cabo submarino. Os fios da rede de oito
estações foram puxados pela equipe do coronel Stopford, do Royal
Engineers, que terminou a operação em apenas algumas semanas. O
cabo submarino, que atravessava 550 km do Mar Negro ao longo da costa
da atual Bulgária, ligava as estações a Varna. Em abril de 1855 o
cabo submarino estava operando e, pela primeira vez na história das
guerras, colocou comandantes da frente de batalha em contato direto e
quase imediato com seus respectivos departamentos de guerra.
Entretanto, as razões à nova tecnologia foram diversas: enquanto
Napoleão III manteve contatos pessoais e diretos com o comando das
forças francesas, os britânicos usavam o sistema como uma via para
burocratas subalternos criarem problemas administrativos por causas
fortuitas. O preço pago pelos britânicos foi muito alto, como já
vimos nos relatos de guerra acima citados.
Os russos, por sua vez, ampliaram com
urgência seu sistema telegráfico Siemens e Halske existente em
Odessa. Se apresentaram em puxar fios até Sbastopol mas, quando
finalmente o sistema entrou em operação, foi para avisar Moscou que
a cidade estava prestes a capitular. A cifra poli alfabética de
Vigenère foi um dos principais códigos utilizados pelos russos.
Alega-se que este tenha sido o motivo do silêncio sepulcral que
envolveu a quebra do sistema de Vigenère pelo cientista britânico
Charles Bobbage.
Fonte: Militery Operations of the
Crimean War de Michael Mawson
The Crimean War 1854-1856 na Alex
Chirnside's Military History Homepage
Codes an Ciphers in History, Part 2 –
1853 to 1917 de Derek J. Smith