O Estado pode promulgar lei que restringe a prática de telemarketing, pois esse tipo de norma trata de Direito do Consumidor, de competência concorrente entre União e estados, e não de telecomunicações, matéria privativa federal.
Com esse entendimento, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, negou, nesta quinta-feira (25/2), ação da Associação Brasileira de Prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado (Abrafix) e declarou a constitucionalidade da Lei estadual 4.896/2006 do Rio de Janeiro.
A norma obriga as empresas prestadoras de telefonia fixa e móvel com atuação no estado a constituírem cadastro especial de assinantes que manifestem oposição a receber, por telefone, ofertas de venda de produtos ou serviços, e prevê outras medidas para o telemarketing.
O relator do caso, ministro Marco Aurélio, afirmou que a Lei estadual 4.896/2006 não usurpou a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações (artigo 22, IV, da Constituição). "A lei não criou obrigação nem direito relacionados à execução contratual do serviço de telecomunicações, mas buscou ampliar mecanismo de garantia da dignidade dos usuários", disse o decano da corte.
Marco Aurélio destacou que a Política Nacional das Relações de Consumo, estabelecida no artigo 4º do CDC, tem por objetivo "o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo". E a restrição ao telemarketing se enquadra nessas finalidades, ressaltou.
O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Dias Toffoli, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luiz Fux.
Lewandowski citou o artigo 60, parágrafo 1º, da Lei 9.472/1997: "Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio, radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético, de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza".
Comparando tal dispositivo com a Lei 4.896/2006, verifica-se que a norma fluminense não trata de telecomunicações, e sim de relações de consumo, avaliou o ministro.
O presidente da corte, Luiz Fux, lembrou que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) regulamentou o serviço "Não perturbe", que permite que pessoas não recebam ligações de telemarketing. De acordo com Fux, a lei do Rio visa proteger o consumidor de ser perturbado por chamadas inoportunas. Como exemplo da importância da medida, o ministro ressaltou que, durante a sessão desta quarta (24/2), recebeu 11 ligações com ofertas de uma instituição financeira.
Votos divergentes
Os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes divergiram do relator. Barroso afirmou que é inconstitucional lei estadual que obriga concessionárias de telefonia a criar e manter cadastro de usuários que se opõem a chamadas de telemarketing. Afinal, apenas a União pode legislar sobre telecomunicações.
Por sua vez, Gilmar analisou que os ônus impostos pela lei fluminense podem impedir a execução do contrato de concessão, seja por impactar o equilíbrio econômico-financeiro ou exigir medidas que prejudicam o serviço de telefonia.
Os dois ministros votaram por aceitar parcialmente a ADI para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 3º e 4º da Lei 4.896/2006 e validar os artigos 1º-A e 1º-B. Estes dispositivos estabelecem que as ligações para as pessoas que não constam da lista de privacidade só podem ser feitas em dias úteis, das 8h às 18h, e com a identificação da empresa na chamada.
O artigo 1º assegura o direito de privacidade dos fluminenses quanto ao telemarketing, obrigando as empresas de telefonia fixa e móvel que atuam no estado a constituir e manter cadastro especial de pessoas que não querem recebem ligações do tipo.
O artigo 3º obrigou as empresas de telefonia a criarem e divulgarem tal cadastro em até 90 dias da publicação da lei. E o artigo 4º estabeleceu que as companhias que desrespeitarem tais obrigações ficam sujeitas ao pagamento de multa, nos termos do CDC.
O ministro Nunes Marques também ficou parcialmente vencido. Ele votou por declarar a inconstitucionalidade material do artigo 1º-A, por afronta à autonomia privada, e a constitucionalidade dos demais dispositivos da norma.
Ação de entidade
Na ADI, a Abrafix alegou que não cabe ao Legislativo estadual estabelecer obrigações referentes aos serviços de telecomunicações, cuja competência legislativa é privativa da União, nos termos do artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal. Além disso, apontou que as normas interferem gravemente na relação contratual existente entre o poder concedente e as empresas de telecomunicações, legislando, portanto, sobre Direito Civil, matéria cuja competência também é privativa da União.
A entidade argumentou que cabe à Anatel o poder de regulamentar o setor e o fiscalizar, estabelecendo, inclusive, obrigações e deveres com relação aos direitos dos usuários/consumidores. Apontou ainda que o STF, no julgamento da ADI 3.959, declarou a inconstitucionalidade de lei paulista que criava cadastro especial de assinantes do serviço de telecomunicações interessados no sistema de venda por meio de telemarketing.
Fonte: Conjur - Consultor Jurídico - 25/02/2021 e SOS Consumidor