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segunda-feira, 8 de março de 2021

Com auxílio emergencial, consumo de alimentos por mais pobres cresce 8% em 2020

 


Em 2020, já o volume de itens consumidos dentro dos domicílios de todas as faixas de renda cresceu 4% em relação a 2019 

No ano de pandemia, os brasileiros no geral aumentaram o consumo de alimentos dentro de casa, mas os mais pobres conseguiram colocar uma quantidade maior de comida no prato. Em 2020, o volume de itens consumidos dentro dos domicílios de todas as faixas de renda cresceu 4% em relação a 2019. No entanto, entre as camadas de menor renda, as classes D e E, o avanço foi o dobro, de 8%, mostra pesquisa exclusiva da consultoria Kantar.  

O aumento do consumo de alimentos pelos mais pobres foi embalado pelo auxílio emergencial, que injetou cerca de R$ 300 bilhões na economia em 2020. Cerca de 70% das classes D e E, com renda familiar de até R$ 2,6 mil, segundo o IBGE, receberam o benefício. Isso provocou um salto na receita dessa faixa da população, que gasta quase 25% do que ganha com comida.

Com mais dinheiro no bolso, os mais pobres incluíram itens que não faziam parte do cardápio. Presunto e apresuntados passaram a ser consumidos por 8,5 milhões de famílias das classes D e E no ano passado; 6,2 milhões de domicílios experimentaram empanados, do tipo nuggets, de frango, carne bovina e vegetais; 4,5 milhões foram às compras de hambúrguer, linguiça, maionese; 5,1 milhões passaram a usar manteiga e requeijão; e 7,1 milhões, azeite, mesmo do tipo misto, por causa da disparada de preço do óleo de soja.

O acesso a novas categorias de produtos por conta do auxílio emergencial lembra o movimento que ocorreu no início do Plano Real, em meados dos anos 1990. Na época, a queda abrupta da inflação permitiu a compra de frango e iogurte pelos mais pobres Agora, porém, esse movimento de consumo é tido como transitório E um primeiro sinal disso já começou a aparecer nos supermercados paulistas, que tiveram queda real de vendas este ano (mais informações nesta página).

"O brasileiro comeu melhor no ano passado, porque o auxílio emergencial criou um mundo fantasioso, um poder de compra temporário", afirmou David Fiss, diretor de serviços ao cliente da Kantar e responsável pela pesquisa. Semanalmente, a consultoria audita 11,3 mil domicílios para radiografar o consumo a partir do tíquete de compra.

Preço da carne 

A conta da inflação dos alimentos é mais alta para os brasileiros de menor renda. Nos últimos 12 meses encerrados em fevereiro, a inflação do chamado prato feito dos mais pobres preparado em casa - e que leva arroz, feijão, batata, tomate, carne de segunda e óleo de soja - subiu quase 40%.

No mesmo período, entre fevereiro 2020 e fevereiro deste ano, o prato feito dos mais ricos, onde a única diferença é a substituição da carne de segunda pela de primeira (o filé mignon), teve alta de 31,6%. O diferencial foi a inflação da carne. O corte de segunda subiu 35% no período e o de primeira, 26,9%.O índice é elaborado pela consultoria GFK, que audita as vendas no varejo.

"O pobre, que tem menos renda disponível para comprar comida, é o que mais sofre com os efeitos do aumento das commodities no mercado internacional", afirma o diretor da consultoria e responsável pelo indicador, Fernando Baialuna. Ele diz que ficou surpreso com a grande diferença de custo, praticamente, da mesma refeição e destaca que arrancada maior na inflação do prato feito ocorreu no ano passado.

Baialuna ressalta, no entanto, que a enorme diferença entre o custo da alimentação das camadas de menor e maior renda é nítida quando se avalia um período mais longo. Entre janeiro de 2019, quando o indicador começou a ser apurado e fevereiro deste ano, o custo do prato feito dos mais pobres subiu 70% e o dos mais ricos, 48%.

O preço da carne bovina, que disparou por causa da forte demanda externa e da alta do dólar nos últimos meses, chegou no prato da diarista Roseli de Andrade Pereira, de 58 anos. "Carne agora é, no máximo, duas vezes na semana e de segunda." Também está optando pela linguiça e os ovos, no lugar da carne, para reduzir gastos.

Roseli viu sua renda despencar por conta da pandemia e teve de recorrer ao auxílio emergencial para se manter. Até dezembro, quando ainda recebia o benefício, conseguia fazer uma compra regular no supermercado. Mas, nos dois primeiros meses deste ano, sem o auxílio e sem retomar a totalidade das faxinas que fazia, só está repondo o que falta na dispensa. "A gente nem faz mais mercado como antes", reclama.

A economista Maria Andréia Parente Lameiras, técnica de planejamento e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a situação da população mais pobre piorou muito nos dois primeiros meses deste ano. "Eles estão se deparando com o aumento da inflação e sem o auxílio emergencial "

No ano passado, quando a inflação de alimentos consumidos no domicílio acumulou alta de 18%, segundo o índice oficial de inflação, o IPCA, havia uma renda extra, o auxílio emergencial, que suportava esse aumento de preços.

Na inflação oficial de janeiro, o último dado disponível, que foi de 0,25%, a alimentação respondeu por quase a totalidade do aumento, isto é, 0,22 ponto porcentual. Maria Andréia diz que a expectativa é de que a inflação dos alimentos comece a perder alguma força a partir do final do primeiro trimestre. Ainda que a situação da pandemia continue crítica no Brasil, em outros países a tendência é de volta à normalidade por causa do avanço da vacinação. "Isso deve gerar uma pressão menor de preços de alimentos no mercado internacional, o que deve trazer um alívio para inflação no Brasil."

De toda forma, o fator mais sensível para a inflação de alimentos é o câmbio, lembra. A cotação do dólar pode se estabilizar e até cair no momento em que a vacinação for acelerada no País, as reformas começarem a tramitar com mais velocidade e a confiança se recuperar.

No entanto, mesmo que a inflação de alimentos tenha menor força, Baialuna pondera que o cenário do consumo de alimentos para os próximos meses deverá ser mais complexo com o valor menor do auxílio emergencial.

O estudo da Kantar mostra que o auxílio turbinou o consumo de itens básicos - não sós alimentos - nas regiões mais pobres do País. No Norte e Nordeste, o gasto médio das famílias que receberam o auxílio cresceu 9,1% ante 2019, enquanto aquelas que não receberam desembolsaram 2,1% a mais na mesma região.

Também a cesta de produtos perecíveis, que inclui carnes, verduras e frutas, foi a mais beneficiada pelo aumento da renda em 2020. O gasto médio de todos os brasileiros que receberam auxílio aumentou 16% com esses itens. Já os que não receberam destinaram 13% a mais.

Moradora da comunidade de Paraisópolis, na zona sul da capital paulista, Jaqueline Santos da Silva, de 25 anos e mãe de três filhos, com sete e três anos de idade e um bebê de cinco meses, contou que conseguia comer melhor na época que recebia o auxílio emergencial de R$ 600. "Comprava bolacha que as crianças pediam, fruta, linguiça, frango, salsicha", disse ela. Agora, voltou para o Bolsa Família, cujo benefício não chega R$ 300, e busca doações de cesta básica, mas até as doações ficaram mais difíceis. "Pego a marmita de doação no almoço e me viro na janta com o que tem." Na semana passada, Jaqueline tinha dois quilos de arroz, uma garrafa de óleo fechada, sal e feijão. "Acho que a semana que vem não tem mais nada."

Fome

Ainda não há dados da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) disponíveis sobre como andou a fome no Brasil em 2020, disse na semana passada ao Estadão Alícia Bárcena, secretária executiva da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal), órgão das Nações Unidas. Mas, considerando as informações sobre a redução da pobreza extrema, que é medida também pelo acesso a uma cesta básica de alimentos, Alícia calcula que 8,6 milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema no ano passado por causa do Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada e do auxílio emergencial. "O desafio é sustentar essas medidas para que, no futuro, essa contenção possa se manter", afirmou.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a volta do auxílio foi aprovada no Senado na última quinta-feira e agora segue para Câmara do Deputados - a previsão é que a votação aconteça entre terça e quarta-feira.

O valor do benefício deve variar entre R$ 150 e R$ 375. É uma cifra inferior aos R$ 600 pagos inicialmente em 2020. O governo ainda pretende restringir o auxílio a uma pessoa por família, ao contrário da rodada de 2020.

A interrupção do pagamento do auxílio emergencial já bateu nas vendas dos supermercados neste início de ano. Em janeiro, a receita dos supermercados no Estado de São Paulo, o maior mercado do País, caiu 0,2% em relação a janeiro de 2020, segundo a Associação Paulista de Supermercados (Apas). Para fevereiro, a perspectiva é de queda real de 1% em relação ao mesmo mês do ano passado, prevê o economista da Apas, Thiago Berka.

A ausência do auxílio emergencial nos dois primeiros meses do ano, somada ao cenário de desemprego alto e à base mais forte de comparação do início de 2020, contribuíram para o recuo dos números. Há redes que registram este mês queda superior a 5% no valor médio das compras ante o final de 2020.

Outro sintoma do aperto é o aumento da procura por marcas mais baratas e também a redução das vendas de produtos de indulgência, como chocolates, bombons e salgadinhos. "Esses itens, hoje, já não fazem o mesmo sucesso nas lojas que atendem às classes C, D e E", diz Berka.

Fonte: O Dia Online - 07/03/2021 e SOS Consumidor

domingo, 3 de janeiro de 2021

Preços dos alimentos devem continuar em alta no início deste ano

 Primeiro trimestre do ano tem diversos fatores, como chuvas fortes e calor intenso, que diminuem oferta, encarecendo os produtos



O ano de 2020 teve, entre diversos desafios para população, um em particular que dificultou e muito a vida e o orçamento das famílias brasileiras: a alta no preço dos alimentos nos mercados e feiras livres. Este, no entanto, é um problema que deve se manter no início de 2021. É o que afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia (IBRE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Segundo Braz, alimentos que chamam atenção neste momento são o arroz, o feijão, a carne e o óleo. O economista explica que o primeiro trimestre de cada ano é muito afetado pelos alimentos in natura, os produtos de feiras livres, como hortaliças, frutas e legumes, que sofrem influências de safra e, principalmente, clima. "O clima não ajuda muito na oferta desses alimentos. O sol forte, as chuvas também muito mais fortes no verão, diminuem muito a oferta de alimentos in natura e os preços disparam", comenta Braz. 

Os alimentos citados pelo economista do IBRE/FGV fazem parte do grupo de alguns dos produtos que mais encareceram ao longo de 2020. Segundo o último Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em dezembro, referente ao mês de novembro, as carnes, por exemplo, tiveram alta de 6%. 

"O grupo de alimentos e bebidas continua impactando bastante o resultado. Dentro desse grupo, os componentes que mais têm pressionado são as carnes, que em novembro tiveram uma alta de mais de 6%, a batata-inglesa, que subiu quase 30%, e o tomate, com alta de 18,45%”, explica Pedro Kislanov, gerente da pesquisa.

Além dos alimentos citados por Kislanov, outros produtos importantes que compõem a alimentação familiar e foram destacados por André Braz também tiveram alta, como o arroz (6,28%) e o óleo de soja (9,24%). Segundo Braz, o preço do arroz, por exemplo, é um que pode começar a se estabilizar a partir de janeiro e fevereiro, com a entrada de uma safra um pouco melhor. "Isso já pode começar a fazer o preço recuar um pouquinho", explica. 

Quando os preços voltam ao normal?

Braz afirma que o encarecimento de alimentos nas feiras livres não é um fenômeno duradouro, mas sazonal. Ou seja, ele se dá neste início do ano, por conta de condições climáticas que impactam na produção e, consequente, na oferta dos produtos. "Ele dura durante a estação mais quente do ano, mas isso só começa a sair do foco da inflação em março. Então logo no início do ano a gente vai ter os alimentos in natura mais caros", comenta. 

Braz também ressalta as carnes bovinas, suínas e de aves. De acordo com ele, algumas carnes já ensaiam uma queda nos preços, como a suína, "que já mostra sinais de queda ao produtor". "Mas isso vai vir lentamente aos açougues", pondera. 

"Então eu diria que a passagem do ano não vai mudar significativamente a conta de supermercado das famílias. Isso deve acontecer mais lentamente, e mais para o final do primeiro trimestre do ano, lá em março. Aí sim, a gente pode sentir uma diferença nas contas de supermercado, se tudo der certo", completa Braz. 



R7 e Correio do Povo