Novo formato de mensagem de alerta deve entrar em operação entre final de abril e início de maio
Em meio a ondas de calor e possibilidade de temporais, os celulares dos gaúchos recebem avisos via mensagem de texto por parte da Defesa Civil Estadual. Tais alertas meteorológicos servem para comunicar a população sobre o risco de desastres. Entretanto, a cada previsão de instabilidade, a enxurrada de SMS faz com que algumas pessoas relatem momentos de ansiedade ou indiferença com o alerta enviado.
No bairro Guarujá, na Zona Sul de Porto Alegre, o proprietário de uma oficina de bicicletas Inácio Soares Longuave, de 74 anos, é um destes exemplos. Ele reside e trabalha em um imóvel localizado na avenida Guaíba, que recebe o nome do leito de água vizinho. Durante a enchente de 2024, ele teve a casa atingida, perdeu móveis e eletrodomésticos, e precisou ser resgatado de barco. Apesar de ser cadastrado no sistema, conta já não levar mais sério.
“Recebo e já nem levo fé mais. Aparece uma nuvem lá longe e já emitem alerta de que virá tempestade. Quando vê, cai uns pingos de chuva e só. Até entendo que essa chuva maior pode ter acontecido em outras regiões, mas quando recebo a mensagem, não chego a me preocupar. Vou até a janela e olho para o céu, como nos velhos tempos. Se acho que vem temporal, daí começo a fechar a casa, prender os bichos e guardar as coisas”, afirma Inácio.
Longe dali, na área Central de Porto Alegre, a sensação não é diferente. No bairro Menino Deus, outro ponto que foi atingido pela cheia no ano passado, a moradora Ana Cláudia Palermo, de 55 anos, conta que chegou a desativar as notificações do aplicativo das mensagens de texto em função do excesso de SMS recebidas. Cadastrada desde 2016 no sistema, ela contabilizou que, em menos de 48h entre os dias 11 e 13 de fevereiro, recebeu nove avisos meteorológicos.
“Dificilmente eles acertam. Eles passaram os últimos dias dizendo que ia chover muito e só teve uma pancada que nem foi tão forte. Já não fico mais assustada, até porque desativei as notificações. Acho que mandam essas mensagens mais para cumprir o papel deles e depois para dizer que avisaram. Mas nem sempre acertam”, diz Ana Cláudia.
A especialista em proteção de dados Luana da Rocha, que mora no bairro Menino Deus, em Porto Alegre, também ressalta que o excesso de avisos. “Recebo mensagens de alertas tão contínuas que nem levo mais a sério. Recebi tantas vezes que nem choveu ou teve ventania que hoje não acredito nos informativos. O que era para ser informação, virou spam. Estou somente ignorando.”
Para mudar esta percepção, a Defesa Civil Estadual pretende aplicar a partir do final de abril e início de maio, quando a enchente de 2024 completa um ano, uma nova padronização nos alertas encaminhados via SMS para a população cadastrada no serviço. A intenção é incluir nos 146 caracteres disponíveis para a mensagem a informação de qual a “cor” do alerta, a partir da metodologia internacional estipulada pelo Common Alerting Protocol (CAP).
As cores também ganharão um foco maior nos alertas publicados pelo órgão nas redes sociais, em plataformas como Instagram, Facebook, X (antigo Twitter) e Telegram.
“A Defesa Civil está trabalhando na construção de um SMS que inclua a percepção de risco para que as pessoas consigam entender o nível de criticidade e interpretar o que aquilo significa. A nossa ideia é que a gente consiga chegar nessas cores com um texto padrão para que fique ainda mais claro o que estamos dizendo. Se é para elas adotarem uma medida urgente ou se é para terem apenas cuidado”, apontou a diretora do Departamento de Gestão de Riscos da Defesa Civil Estadual, tenente-coronel Ana Maria Hermes.
Para ela, será essencial que a população também tenha uma compreensão da situação e saiba entender o que deve ser feito, principalmente com relação ao ambiente onde vive. “Se eu recebo um alerta de status de severidade aqui em Porto Alegre e sei que o meu bairro alaga, caso não precise sair de casa, não vou sair. Já se nós fizermos um SMS de altíssima gravidade, o texto vai dizer algo nesse sentido, de evacuar, de sair do local, e não apenas ‘chuva intensa’.”
Ana Maria reforça a intenção do órgão de criar uma comunicação mais eficiente principalmente por conta dos efeitos psicológicos que os desastres têm refletido na população. “Estamos trabalhando nesse protocolo para sermos o mais didático possível e cause menos confusão e pânico nas pessoas. Até porque, muitas delas, estão vindo de um trauma com a perda de bens e até de familiares e amigos. Por isso, chegamos nessa escala de cores e nesses níveis de criticidade. Vamos definir as palavras-chave e textos para cada um deles e vamos divulgar para a população”, explicou.
COMO FUNCIONA O ALERTA
Dentro da estrutura da Defesa Civil Estadual, os alertas passam por duas divisões principais para serem criados, além de terem um desdobramento por outra. Inicialmente, meteorologistas do Centro de Monitoramento, coordenado por Ana Luiza Dors, acompanham 24h por dia imagens de satélites e de radares meteorológicos.
Após identificarem movimentações que podem indicar um evento climático que pode causar transtornos para a população em determinada área do RS, as informações sobre quais intempéries podem acontecer, como chuva forte, temporal, granizo e ventania, são repassadas para a Divisão de Monitoramento e Alerta, coordenada pelo 1º tenente do Corpo de Bombeiros Militar do RS (CBMRS), Leonardo Siqueira. Nesse departamento, o texto padronizado do SMS é preparado e encaminhado em uma plataforma federal de disparo de mensagens, chegando até a população.
A estimativa é que o tempo entre a identificação do evento climático por parte dos meteorologistas e o disparo do SMS para a população fique entre 5 e 15 minutos. A duração do processo pode ser maior caso a plataforma federal de disparo das mensagens esteja com sobrecarga de demandas. Por isso, além dos alertas via SMS, a Defesa Civil Estadual também atua na publicação destes avisos em mídias digitais, através da Comunicação Social, coordenada pela tenente da Brigada Militar Sabrina Ribas.
A divulgação de materiais de alerta também nas redes sociais acontece pois, segundo a Defesa Civil Estadual, apenas 12% da população gaúcha está cadastrada no serviço via SMS. A tenente-coronel Ana Maria Hermes salienta ainda que todos os alertas divulgados pelo órgão foram efetivos. “Não temos enviado nenhum alerta que não se confirmou. Nós fazemos um acompanhamento do encerramento do evento. Em algum lugar esse evento se confirma. Ele pode não se confirmar em todo o polígono, mas ele acontece”, afirmou.
Para ela, é essencial a percepção do risco e a compreensão sobre o que significa o alerta por parte da população. “Não adianta termos a melhor forma de comunicação e os melhores instrumentos de monitoramento se a nossa comunidade não estiver educada para entender”, finalizou.
Preparação para eventos meteorológicos extremos
Além dos alertas publicados, o capitão da reserva do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais, especialista em Gestão de Desastres pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) e fundador da ONG Humus, Léo Farah, destaca a importância de prevenção, tanto pelo poder público como pela sociedade, para a preservação de vidas. Ele cita a necessidade de criação de planos e kits de sobrevivência em caso de novos eventos meteorológicos extremos.
Apesar disso, esta preparação ainda não faz parte da rotina e da cultura de muitas pessoas. Inácio, o proprietário da oficina de bicicleta no bairro Guarujá, conta que, desde que sua casa ficou submersa, não tem feito planejamento para futuros desastres. “Ainda não, até porque estou acostumado a morar na beira da praia. Se eu perceber que a enchente pode acontecer de novo, a primeira coisa que vou fazer é chamar um caminhão, colocar minhas coisas dentro e sair.”
Já no bairro Menino Deus, Ana Cláudia recorda que, quando precisou sair de casa por conta da inundação, teve tempo de preparar um kit de sobrevivência para alguns dias. “Por sorte, no final de semana eu já tinha organizado algumas coisas, como documento, roupas e material escolar da minha filha. Mas foi só naquele momento, até porque minha família mora há 40 anos aqui e nunca tinha alagado. Tenho medo sim, mas não fiquei traumatizada a ponto de, a cada chuva, preparar uma mala e sair correndo.”.
Apesar disso, Farah explica que a prevenção é essencial, tanto na criação de planos de contingência por parte do poder público, como por planejamento e kits de sobrevivência pela própria população. Segundo ele, para cada um dólar investido em prevenção, economiza-se de sete a 10 dólares em custos de resposta imediata e reconstrução. “Sabemos que as pessoas dificilmente mudarão de lugar, mas saber como agir nestas situações pode fazer com que vidas sejam salvas e que as pessoas tenham menos perdas econômicas e sociais.”
Para o capitão da reserva, a primeira ação necessária é reconhecer o tipo de risco a que determinada área e seus habitantes estão suscetíveis, como inundações e deslizamentos de terra. “A partir deste reconhecimento, há a necessidade de construir um plano de contingência para cada evento específico. Se são pessoas que moram próximo de rios, talvez o melhor é fazer monitoramento com réguas de inundação, construção de diques, desassoreamento de leitos e outras ações.”
Ele fala ainda aquilo que as pessoas podem deixar pronto para utilizar em caso de desastres. “Boas ações agem para que não tenhamos vidas expostas. Mas se isso acontecer, kits com lanternas, documentos pessoais, apitos para avisar vizinhos e pequenas cordas para salvamentos rápidos em correntezas podem ser efetivas e auxiliar em ações imediatas de resgate. Cada cidade precisa mapear seus riscos e treinar as pessoas que moram em áreas de riscos para cada tipo de evento”, completou Farah.
Para ele, a Defesa Civil em nível municipal tem papel fundamental nestas ações, principalmente a partir da criação de planos de contingência para cada situação de risco. “Hoje em dia é muito comum que seja criado um plano para tudo, que acaba não resolvendo nada. Os planos devem ser simples, de fácil entendimento e aplicáveis. Por isso, insistimos tanto na prática de simulados com agentes de resposta e, quando possível, simulados reais com a população, para que haja uma preparação de resposta a desastre”, salientou.
Entretanto, o especialista em Gestão de Desastres pondera ainda que há a necessidade de uma mudança prática na estrutura das defesas civis. “Em todo desastre que atuamos, fizemos pelo fato de que os planos não funcionaram. O que constatei é que, no Brasil, estamos muito aquém de termos uma solução efetiva, uma vez que os cargos de Defesa Civil são políticos e mudam à medida que o governo muda. Não é uma política de Estado. Enquanto não houverem servidores concursados e dedicados a essa matéria, veremos muitas tragédias inesperadas”, finalizou.
Correio do Povo
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